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Do défice às falências, Israel paga preço elevado um ano após ataques do Hamas

Crescimento anémico, défice em alta, juros 'amarrados' por uma inflação elevada e um mercado laboral rígido e um isolamento cada vez maior, até na vertente económica: o governo de Netanyahu tem levado a economia israelita a dificuldades crescentes e nova década perdida arrisca materializar-se.

Um ano volvido dos ataques do Hamas no sul de Israel, a economia do Estado hebraico tem sofrido com o esforço de guerra, mas também com as acusações em instituições internacionais que pairam sobre o respeito pela lei internacional, que já levaram a uma série de desinvestimentos no país. O défice disparou, tal como o custo da dívida, as falências multiplicam-se e sectores como o turismo demorarão anos a recuperar, avisam os analistas.

Com um crescimento anémico e um disparo do défice orçamental, a outrora vibrante economia israelita deteriorou-se assinalavelmente no último ano, fruto de uma quebra significativa na atividade no país combinada com um disparo nos gastos. Em cadeia, o PIB caiu 5,9% no último trimestre do ano passado, no rescaldo do ataque do Hamas, recuperando ligeiramente no arranque deste ano com um avanço de 3,4%.

Entretanto, os dados do segundo trimestre mostram novo crescimento anémico, de 0,3% (ou 0,7% em termos anualizados, como é costume as instituições do país reportarem) e as previsões para este ano do Fundo Monetário Internacional (FMI) foram cortadas de 3,4% para 1,6%.

No entanto, o Instituto para Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv, estimou em agosto que um alargamento do conflito a norte do país, contra o Hezbollah, poderia levar a uma recessão entre 2% e 10% e um défice orçamental de 15% – e o cenário estimado passava apenas por um mês de confrontos. Esta é uma realidade que, entretanto, se materializou com a invasão terrestre do Sul do Líbano.

Em termos comparativos, a consultora BMI, da Fitch Solutions, estima que o PIB libanês possa recuar 5% com a invasão israelita a Sul e a campanha de bombardeamentos por todo o território libanês.

Em sentido inverso, a inflação tem vindo a subir e, com o crescimento a fraquejar, combinado com um mercado laboral rígido, o banco central tem pouca margem para ajustar a política monetária para uma postura menos restritiva. Os juros diretores estão em 4,5% e, com a inflação em 3,6% em agosto, a margem para cortar é reduzida.

Isso mesmo admitiu recentemente o governador do banco central israelita, Andrew Abir, à Bloomberg em agosto, quando manifestou dúvidas sobre a possibilidade de baixar taxas este ano.

Ainda assim, e após um impacto inicial, o shekel, a divisa local, está a aguentar-se graças às vendas de reservas estrangeiras pelo banco central desde o início da incursão em Gaza, embora o mesmo não possa ser dito da dívida. Partindo de um rácio relativamente baixo para uma economia ocidental (62% no final de 2023), a fatura estimada de 67 mil milhões de dólares (60,1 mil milhões de euros) até 2025 está a pesar nas expectativas dos credores, mesmo contando com o apoio financeiro contínuo dos EUA.

Tal ajuda a explicar os cortes de rating pela Moody’s e S&P no final de setembro (um mês após o corte pela Fitch), com a primeira agência a avisar que os títulos de dívida do país arriscam tornar-se ‘lixo especulativo’ e a segunda a falar de “uma recuperação prolongada” e difícil. Isto deve ainda significar um aumento nos custos de financiamento do país.

Ao mesmo tempo, a sombra colocada pelas acusações de violações sistemáticas do direito internacional e dos direitos humanos levou ao boicote de bens e empresas israelitas em várias geografias, como é exemplo o fundo soberano norueguês, cujo Conselho de Ética pediu ao Ministério das Finanças que desinvesta das empresas associadas com a ocupação israelita da Cisjordânia ou com a máquina de guerra do país. Este pedido veio depois de o maior fundo de pensões norueguês, o KLP, anunciar o desinvestimento em empresas como a Caterpillar, cujas máquinas são usadas para demolir casas de palestinianos nos territórios ocupados.

O turismo, uma importante fonte de receitas para o país – e, por extensão, para o governo – colapsou com a guerra e a associação de hotelaria israelita estima que 10% dos hotéis do país estejam em risco de fechar portas, com mais uma boa parte em grandes dificuldades financeiras. Outros sectores como a agricultura e a construção sofrem com a falta de mão-de-obra depois de o governo de extrema-direita ter revogado as licenças de trabalho de cerca de 160 mil palestinianos da Cisjordânia.

Como tal, a consultora Coface estima que este ano veja perto de 60 mil falências de empresas, um aumento significativo em relação à média histórica de 40 mil. Na primeira metade do ano, 46 mil empresas já haviam fechado portas.

Mesmo o sector tecnológico mostra uma queda de 6% no capital de risco investido nas empresas do país e menos 30% de investimentos no sector no último ano, reporta a confederação que representa as indústrias avançadas do país, a IATI. De salientar ainda que 76% das empresas do sector estão a ponderar mover as suas sedes para fora do país.

Na mesma linha, à volta de 360 mil reservistas foram convocados, abandonando os seus postos de trabalho, muitos deles em sectores altamente relevantes para a economia de Israel, como o tecnológico. Juntando esta dinâmica à questão dos ultraortodoxos (a população que mais cresce no país, mas com taxas de emprego abaixo de 50% e uma polémica em torno do serviço militar), a taxa de desemprego em agosto foi de apenas 2,6%.

A sombra económica deixada pela guerra do Yom Kippur, em 1973, paira sobre o governo de Netanyahu. O crescimento tornou-se anémico na década seguinte à medida que os gastos com defesa dispararam, levando a uma série de falências e a um pico de inflação de 450% em 1985 e subsequentes aumentos de impostos. E, apesar das palavras de confiança e belicistas, o ministro das Finanças ultraortodoxo, Bezalel Smotrich, já deu sinais de que pode haver corte em gastos não militares, bem como uma subida de impostos no futuro.