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Derrota absolutamente inesperada da extrema-direita deixa Macron com várias opções

O presidente francês recusou dar pistas sobre o que vai fazer perante os resultados da segunda volta das eleições. Tem pela frente um parlamento tripartido onde será muito difícil estabelecer equilíbrios.

Até às 19h59 horas (francesas), o debate em França era sobre se os extremistas do Rassemblement National, de Marine Le Pen e Jordan Bardella, teriam uma maioria absoluta ou apenas uma larga maioria simples na sequência da segunda volta das eleições francesas. Um minuto depois, às 20 horas locais, os espantados dirigentes da extrema-direita – e com eles todos os franceses e todos os europeus que seguiam a evolução da crise francesa com atenção – perceberam que iriam ficar num ‘desonroso’ terceiro lugar, com a esquerda acantonada na Nova Frente Popular em primeiro lugar e o partido de Macron, o Renaissance, em segundo.

O presidente francês, que terá respirado de alívio – tinha pela frente, no limite, a necessidade de se demitir – e passou, de um minuto para o outro, a ter em mãos diversas opções. Que, disse, se recusava a escolher na noite de domingo, atirando uma decisão para esta segunda-feira. Com os analistas tão surpreendidos como os populares, as opções de Macron são agora várias – e nenhuma delas passa por convidar Bardella para primeiro-ministro, o que de algum modo é uma vitória pessoal para o presidente francês. Segundo os analistas, a opção mais óbvia – e aquela que o defende melhor do ponto de vista político – é tentar encontrar uma aliança entre o seu partido e a Frente Popular. Que não deverá passar por Jean-Luc Mélenchon, líder da esquerda, apesar de este ter dito que o futuro do país não pode ser outro que não a atribuição do lugar de primeiro-ministro à ‘sua’ frente.

Em princípio, Macron estará com certeza pensar em escolher para primeiro-ministro alguém do seu próprio partido, ou do seu círculo de amizades políticas, que não seja impossível de aceitar pela Frente Popular. Nesse quadro, terá com certeza de ser alguém da esquerda do Renaissance – talvez alguém que tenha acompanhado Macron quando ‘desertou’ do Partido Socialista.

Um dos perigos que Macron terá de enfrentar é a eventual vontade de pretender formar um governo tecnocrata – que não tem qualquer tradição no país e por isso soaria mal para os franceses, que nunca estiveram disponíveis para deixar a política nas mãos de quem não é político.

Fora de causa, de qualquer modo, parece estar um convite direto a Mélenchon para assumir um executivo – o que o próprio já terá interiorizado, uma vez que se disponibilizou a ser muito pouco presente ao longo dos principais palcos da campanha eleitoral. De fora parece também estar o antigo presidente François Holande – que ‘ressuscitou’ ao longo dos últimos dias de campanha mas que, ninguém esquece, teve uma prestação muito pouco eficaz à frente do Palácio do Eliseu.

A outra Marine e os outros

Mas a líder dos Ecologistas é totalmente diferente. Marine Tondelier, de 37 anos, junta-se a Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique como dois nomes que estão na órbita dos comentários dos analistas. O nome de Marine era, ao final da noite de domingo, repetidamente apontado como uma hipótese muito credível – a própria não quis comentar.

Glucksmann, de 44 anos, liderou a lista de candidatos socialistas nas eleições europeias no início de junho, quando obteve quase 14%, logo atrás do partido de Macron. Mas há mais nomes no seio da Frente Popular que estão na linha da frente das hipóteses: François Ruffin e Clémentine Autain são dois deles.

Do que os franceses não se livrarão é de que as escolhas de Macron – mas também as de cada um dos grupos políticos com assento na nova Assembleia Nacional – terão sempre em vista o horizonte mais alargado de abril-maio de 2027, quando chegar a vez de votarem para o próximo presidente. Marine Le Pen deixou isso claro, tanto na campanha como nas declarações (pouco) públicas já depois de conhecidos os resultados: de derrota em derrota até à vitória final da presidência. Se terá ou não a companhia de Gabriel Attal (primeiro-ministro até esta segunda-feira), é algo que só se saberá muito lá mais para a frente – mas alguns analistas disseram na noite de domingo que essa é uma forte possibilidade.

Vale a pena recordar que o governo mais à esquerda dos últimos 50 anos franceses foi o primeiro executivo liderado por Fraçois Miterrand quando foi eleito pela primeira vez em 1981. Ao longo da sua prestação, Mitterrand conseguiu abolir a pena de morte, nacionalizar cinco grupos industriais e 39 bancos, estabelecer a reforma aos 60 anos, descriminalizar a homossexualidade, promover o fim do monopólio estatal da radiodifusão. E também teve tempo para reforçar a relação franco-alemã e consolidar a União Europeia - principalmente quando para lá 'exportou' Jacques Delors.