Os partidos da oposição não pouparam nos adjetivos na hora de qualificar o relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, divulgado esta quarta-feira. Das acusações de um relatório feito "à medida" do Governo à consideração de que as conclusões contrariam a realidade, as forças políticas (à exceção do PS) mostraram-se muito céticos em relação ao documento.
Na noite de terça-feira foi divulgada a versão preliminar da CPI à TAP, que atribui praticamente toda a responsabilidade pela saída de Alexandra Reis da companhia ao arrepio do Estatuto do Gestor Público à então CEO Christine Ourmières-Widener.
Pouco depois de a relatora Ana Paula Bernardo ter apresentado as conclusões do relatório, o PSD classificou como “parcial, leve e feito à medida” a versão preliminar do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. O deputado Paulo Moniz falou em “branqueamento de factos” feito “com o objetivo de António Costa dizer que não tem necessidade de tirar conclusões políticas”.
Em linha com Paulo Moniz, o presidente do PSD disse que as conclusões do relatório são “uma vergonha democrática e sem valor nenhum”, considerando que são “estritamente socialistas” e não refletem o que se passou na comissão. “Há uma grande disparidade entre o que aconteceu na Comissão Parlamentar de Inquérito e o relatório: é preciso dizer aos portugueses que o que conta foi o que se disse, o que não se disse, o que foi contraditório, as mentiras evidenciadas na comissão”, referiu.
O Chega foi mais longe e lançou a teoria de que o relatório “foi escrito pelo Governo e enviado para PS”. “Fiquei com uma certeza de que, na verdade, este relatório foi escrito pelo Governo e enviado para o grupo parlamentar do PS ontem à noite. Só isso explica a incapacidade da própria [Ana Paula Bernardo, a relatora] em explicar o relatório e que de há pouco conseguir passar um embaraço maior ao país inteiro”, afirmou o presidente do partido, André Ventura.
Para o Chega, "este relatório é um embaraço para o trabalho parlamentar e para todos aqueles que não participaram, incluindo próprio Partido Socialista”.
O Chega fala em embaraço, já a Iniciativa Liberal referiu-se ao relatório como "uma obra de ficção". "Há uma diferença brutal entre aquilo que é dito no relatório e aquilo que os portugueses puderam acompanhar ao longo de dias, semanas e, portanto, há aqui uma total mistificação. Estamos perante uma obra de ficção que contraria a realidade, contraria aquilo que os portugueses sabem”, disse o líder da IL, Rui Rocha.
Sobre ter existido ingerência política na TAP, algo que a relatora do documento rejeitou, Rui Rocha recordou a reunião entre o deputado Carlos Pereira do PS, o Governo e a ex-CEO da TAP. "Isto é ou não é ingerência política?", questionou.
À esquerda, mais críticas
No sentido oposto do espetro político, porém alinhado na visão sobre o relatório preliminar, o líder do grupo parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, afirmou que o mesmo parece ter sido "feito à medida dos interesses de Galamba e do primeiro-ministro".
"Parece-nos incompreensível que haja tamanha omissão, um buraco completo no relatório da TAP que parece feito à medida dos interesses de João Galamba e do primeiro-ministro", atirou o deputado, aludindo à ausência de informações no documento, como o do caso polémico entre o ministro João Galamba e o ex-adjunto Frederico Pinheiro.
"É irrelevante a forma como uma CEO é demitida da TAP e a relação da tutela política sobre esse acontecimento. Então e a apresentação de resultados que não aconteceu porque a tutela política deu ordens para que não acontecesse? Isso deve ser ignorado? Ou, já agora, os acontecimentos da noite de 26 de abril que notam como todos os factos anteriores criar uma pressão tamanha no Ministério que levaram àqueles acontecimentos que nos envergonham a todos", continuou Pedro Filipe Soares.
Por sua vez, o deputado socialista Bruno Aragão dirigiu-se aos partidos pedindo uma análise cuidada ao relatório preliminar.
"Uma CPI deve apurar factos e por isso é que não é comissão política. Esperamos que este relatório possa debater o objeto desta comissão que é algo muito importante para a economia do país", afirmou.
Bruno Aragão, que integrou a CPI à gestão da TAP, defende que "há uma questão central de que não podemos fugir que passa pela interpretação política: não se precipitem numa leitura rápida de um relatório de 200 páginas que merece uma análise mais cuidada".
O deputado do PS valorizou ainda "o esforço da relatora que teve de fazer um relatório num tempo muito curto", numa altura em que os deputados desta comissão tinham "um compromisso de concluir os trabalhos desta comissão". "Vamos analisar e, se for o caso, fazer propostas de alteração", garantiu.
Do lado do PCP, Bruno Dias olha para o relatório da comissão de inquérito à TAP como "um texto desenvolvido para tentar defender a privatização da TAP".
"Há uma primeira leitura que podemos desde já avançar relativamente a esse documento que foi apresentado. O que podemos começar por sublinhar é que a proposta de relatório da comissão de inquérito, sem surpresas, é um texto desenvolvido para tentar defender e justificar a privatização da TAP", referiu Bruno Dias.
Para os comunistas, "aquilo que o relatório verdadeiramente ignora e esquece" é o "impacto e as consequências dos resultados da privatização desde logo com os fundos Airbus que tiveram um papel decisivo em todo o processo da TAP nos anos que se seguiram".
Em declarações ao JE, Inês Sousa Real afirmou que considera que o documento "vem branquear e trazer apenas uma visão do PS ao relatório, branqueando as responsabilidades políticas do atual Governo", não tendo sido "escrutinado na sua totalidade".
A líder do PAN fala em "falta de objetividade" na redação do documento quanto a "questões que deveriam ter esclarecidas", nomeadamente a razão pela qual o "estatuto de gestor público não estava a ser aplicado na TAP", acrescentando que teria sido "pertinente fazer essa reflexão no âmbito do relatório".
O caso de Alexandra Reis será, no entender da líder do PAN, "a ponta do iceberg". Reforçando que o documento merece várias críticas e que não "aponta fragilidades e soluções", "tal como está" o partido "não acompanhará o mesmo", inviabilizando-o à imagem do que outros partidos já garantiram fazer.
Inês Sousa Real garantiu que, apesar de o partido ter visto ser-lhe "vedado o acesso à comissão", no que considera ser uma "violação grosseira dos direitos da oposição", está a acompanhar a situação.