O Governo entregou recentemente à Comissão Europeia a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030, o roteiro para as políticas energéticas do país até ao final da década. O ministro do Ambiente elogia o documento no seu todo, mas em conversa com o Jornal Económico reconhece que Portugal foi "conservador no tema do eólico offshore".
O documento vai ser avaliado durante um ano em Bruxelas para entrar em vigor em meados de 2024, com o ministro do Ambiente e da Ação Climática a estar confiante na sua aprovação. "Acredito. Pode ter a necessidade de, durante este ano, aprofundarmos algumas áreas, mas acredito que sim, revela uma ambição que acho que Bruxelas gostava que todos os países a nível europeu tivessem. Portugal mostrou a ambição que corresponde à ambição que a Europa tem".
Duarte Cordeiro admite que existe uma grande ambição na energia solar (com crescimento de 900%) devido à expetativa que existe de aumento da procura no país ao longo dos próximos anos. "Por um lado, é uma ambição necessária face à expetativa que temos relativamente à eletrificação da sociedade, por exemplo, o crescimento da mobilidade elétrica, ou mesmo aquilo que são projetos que hoje conhecemos, que estão em curso, relativamente à dimensão industrial. Portanto, se não tivermos capacidade de oferta, não vamos conseguir responder, quer ao processo de descarbonização em curso, quer à nova procura que vai surgir do ponto de vista económico. A oferta responde, em certa medida, àquilo que é a procura que, para nós, é evidente: diretamente o consumo de eletricidade; indiretamente, tudo aquilo que precisa de eletricidade para a produção, neste caso concreto do hidrogénio verde, outra área onde são sobejamente conhecidas as metas a nível europeu, mesmo do ponto de vista nacional alguns projetos já conhecidos e a necessidade de energia elétrica para essa produção", começou por dizer o ministro ao Jornal Económico, à margem do Fórum Luso-Espanhol para a Descarbonização, que teve lugar em Lisboa na quarta-feira.
O ministro destacou os projetos que vão entrar em operação até 2030, fruto dos acordos diretos entre os promotores e a REN e os que estão em licenciamento, incluindo os que saíram dos leilões de 2019 e 2020. "Há uma dimensão que também está ancorada em acordos de operadores com a REN, ou de projetos em curso, ou em licenciamento, há uma parte significativa deste crescimento que esperamos que se concretize tendo em conta acordos já existentes".
Por outro lado, Duarte Cordeiro reconhece que houve uma atitude mais prudente na energia eólica offshore (marítima), que só irá ter 2 gigawatts até 2030, face aos 10 gigawatts que chegaram a ser anunciados anteriormente. "Noutras áreas do PNEC conseguimos ser conservadores, ou prudentes. Se nalgumas coisas somos muito ambiciosos, o que exige muito trabalho ao nível da capacitação da administração pública e ao nível da revisitação do processo de licenciamento, por outro lado, há outras áreas onde até podemos vir a ter resultados para além do que está no PNEC. Penso que fomos conservadores no tema do eólico offshore, só para dar um exemplo, mas há outras áreas onde podemos vir a ter resultados superiores ao que está previsto. Penso que nesse sentido responde a uma necessidade, tem algum equilíbrio, sabemos que o crescimento é essencialmente no solar, sabemos que há oportunidades de substituição de eólico existente onshore por outro mais potente face a tecnologias que entretanto estão disponíveis. Sabemos que estamos a crescer também no descentralizado a um ritmo muito significativo. Sabemos que estamos a crescer no eólico no mar. Há alguma perspetiva de corresponder a algumas dinâmicas que sentimos do lado da procura, mas também do lado da oferta".
O ministro destacou que esta revisão "responde também ao desígnio que se esperava do ponto de vista ambiental, a ideia de antecipação de metas que tínhamos estabelecido no programa de Governo, mas também já tínhamos a lei de bases do clima, só para dar alguns exemplos. Diria que é um Plano Nacional de Energia e Clima exigente, quer da parte do Governo e da administração, quer do ponto de vista dos operadores, a merecer o acompanhamento e avaliação contínua se o ritmo a que está a crescer corresponde às metas que estão estabelecidas. Dá um sinal importante: a ambição que o país tem. Se formos ver a produção de energia renovável, estamos com níveis muito altos, acima de 70%, portanto, é também um desafio chamar quem no sector industrial e económico precisa de energia renovável para se desenvolver, para se instalar em Portugal. É exigente, e difícil, mas acho que é necessário para os objetivos que o país tem".
Questionado pelo email enviado pelo diretor da DGEG aos trabalhadores do organismo, a criticar a falta de automóveis de serviço e a propor a criação de uma campanha interna de donativos para comprar um carro usado (que depois retirou após a reação negativa de vários trabalhadores da DGEG), Duarte Cordeiro considera que "não é daquela forma" que se denunciam a falta de meios da administração pública. "Vamos resolver aqueles problemas e outros, mas não é daquela forma".
No email enviado na sexta-feira passada aos trabalhadores da DGEG, João Bernardo traça o cenário: carros com 30 anos, todos avariados; concursos para comprar veículos novos parados há quatro anos; trabalhadores obrigados a usar veículos próprios para serviços. Portugal quer estar na frente da transição energética, e tem metas ambiciosas, mas o organismo do Estado responsável pelo licenciamento não tem carros disponíveis para os serviços. O diretor acabou por retirar iniciativa, após a resposta “descontente” de alguns trabalhadores.
“Desde 2015 a DGEG já entregou para abate 32 viaturas na expetativa de que lhe fossem atribuídas, como prescreve a lei, metade desse efetivo abatido, i.e., 16 viaturas. Por conseguinte, no início de 2019, lançou um procedimento para aquisição de 15 viaturas fundamentando a sua absoluta necessidade junto da SG Ambiente. Por pedido do gabinete do ministro [à altura, João Pedro Matos Fernandes] reduzimos o nosso pedido para 8 viaturas por se ter considerado que seria difícil obter tantas viaturas (15) de uma só vez, face aos valores totais envolvidos. O processo seguiu para a ESPAP, que gere a frota de veículos do estado, que deveria ter apresentado uma proposta para aprovação ao Ministro das Finanças da altura. Nunca soubemos se a proposta foi apresentada ou não. A partir daqui perdemos o rasto ao processo, uma vez que nunca foi autorizada a aquisição, nem pelo Ministro das Finanças, nem pela ESPAP, que tinha delegação de competências mas cujo limite se reduziu a 20 mil euros (o que em Aluguer Operacional de Veículos, significam 2 ou 3 viaturas no máximo). Por outro lado, também não se reconheceu a pretensão da DGEG em adquirir veículos todo-o-terreno (TT) ou SUV ou outros capazes de se deslocarem a minas, pedreiras, estaleiros, hídricas, eólicas no topo das serras, etc… O que se pretendia era atribuir carros elétricos (!!). Bem, nem esses vieram”, pode-se ler no email a que o JE teve acesso.
"Passados mais de 4 anos sobre o pedido a DGEG encontra-se numa situação caricata de não ter frota (os poucos carros que existem têm quase todos mais de 30 anos e estão quase todos avariados). Por isso temos dependido nos últimos meses/anos das viaturas postas à disposição pelos funcionários para realizar o serviço público a que esta Direção-geral está obrigada. Nestas circunstâncias, o nosso compromisso de serviço público e de missão fica seriamente comprometido e não existe outra forma, com recurso ao orçamento da DGEG, de adquirir ou alugar as viaturas que necessita para trabalhar”, acrescenta no email.
“É por isso que resolvi tomar uma iniciativa, inédita no Estado, mas bastante comum na sociedade civil: lançar uma campanha de recolha de donativos (agora chama-se crowdfunding) para financiar a compra de uma viatura que depois será doada ou cedida à DGEG para cumprir a sua missão. Para já será apenas uma campanha interna, lançada aos funcionários da DGEG. Esta viatura será comunicada à SG Ambiente e à ESPAP para que possa ser integrada na frota do Estado”, segundo João Bernardo que mais tarde anunciou a retirada da campanha depois da resposta negativa por parte de alguns trabalhadores.
Governo prevê apenas 2 gigas de eólica offshore até 2030. Energia solar com crescimento de 900%
O Governo só prevê construir dois gigawatts (GW) de energia eólica marítima (offshore) até 2030, segundo o PNEC 2030. Esta meta fica abaixo dos 10 gigawatts que têm vindo a ser anunciados pelo Governo até ao final da década.
Na versão anterior do PNEC só constavam 300 megawatts de eólica offshore, mas a meta de 10 gigawatts nos próximos sete anos tem sido proclamada publicamente pelo Governo.
"Quanto à produção eólica offshore, reafirmamos o compromisso de lançar, até 2030, leilões correspondentes a uma capacidade de 10 GW, reforçando assim a estabilidade do nosso sistema elétrico e atraindo para o nosso país a cadeia de valor das tecnologias offshore. O primeiro leilão terá lugar já este ano, permitindo instalar pelo menos 2 GW até 2030", pode-se ler no comunicado divulgado pelo ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) na passada sexta-feira.
Já ambição na energia solar fotovoltaica disparou. Dos 7 gigas que estavam antes previstos até 2030, o Governo prevê agora construir quase 15 gigas até 2030, face à atual capacidade instalada de 1,5 gigawatts, o que representa um crescimento de quase 900% da capacidade instalada em sete anos. Até 2025, espera ter construídos 6,1 gigas. A meta anterior previa 7 gigawatts de energia até final da década.
Em fevereiro deste ano, a secretária de Estado da Energia Ana Fontoura Gouveia voltou a adiar os prazos para a construção e entrada em operação das centrais dos leilões de 2019 e 2020, prevendo que algumas possam entrar em operação até 2026. A decisão foi justificada pelos impactos da guerra na Ucrânia. Em março, apenas 92 megawatts (MW) de um total de 1.820 MW da centrais saídas dos leilões de 2019/2020 estavam em operação. Este cenário permite antever que vai ser necessário fazer um longo caminho até serem construídos 15 gigawatts de energia solar em Portugal.
"A produção solar centralizada prevista nesta revisão do PNEC não ultrapassa 0,4% de ocupação do território nacional e é acompanhada de medidas de compensação aos territórios e de partilha de energia com as comunidades, bem como de uma maior preponderância da produção descentralizada. Para concretizar os objetivos propostos, serão reforçadas as políticas públicas em curso, incluindo por via da criação de uma Estrutura de Missão para as Energias Renováveis, prevista no novo capítulo do PRR nacional, e a consequente melhoria de processos e ferramentas; o reforço dos meios das entidades licenciadoras; a definição de Go to Areas, ou seja, áreas preferenciais para a instalação de renováveis; a criação de uma via verde para o licenciamento de projetos com elevada maturidade; e de melhorias no enquadramento aplicável ao Autoconsumo Coletivo e Comunidades de Energia Renovável, acompanhadas de novas ferramentas, novos incentivos e novos modelos de divulgação", segundo a tutela de Duarte Cordeiro.
O executivo destaca que a estratégia de transição energética "representa 75 mil milhões de euros de investimento em projetos de produção de energia verde (eletricidade e gases renováveis). Este investimento terá um efeito multiplicador, tanto a montante – por via de novos projetos industriais de fornecimento dos equipamentos e serviços necessários à sua instalação – como a jusante – em resultado das novas indústrias verdes que se instalam no nosso país. Estes novos investimentos contribuem também para a coesão social e territorial, potenciando a criação de emprego de qualidade ao longo do território".
O Governo também pretende rever a Estratégia Nacional do Hidrogénio "mais do que duplicando a capacidade prevista de eletrolisadores até 2030 (de 2,5 GW para 5,5 GW), permitindo assim descarbonizar a indústria nacional, atrair novas indústrias que produzem derivados do hidrogénio verde e, ainda, exportar este gás renovável para a União Europeia, contribuindo assim para a segurança de abastecimentos no espaço europeu".