Com o papão do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) agitado, o primeiro-ministro, António Costa, pôs-se em campo e prepara-se para levar ao Conselho de Ministros da próxima semana duas das matérias mais caras à esquerda: o SNS e a legislação laboral. As medidas ficam ainda distantes das reivindicações dos ex-parceiros da geringonça, mas dá mais um sinal de que há “humildade” – palavra repetida pelo Governo nos últimos dias – para negociar e chegar a compromissos em algumas matérias ainda antes da especialidade de forma a garantir a aprovação do documento a 27 de outubro na generalidade. Um cenário que o PS admite que “este ano vai ser muito, muito mais difícil”, revelou ao Jornal Económico fonte próxima ao processo.
Esta dificuldade é, aliás, admitida pelo próprio Presidente da República e os avisos que deixou em 24horas após a ameaça de chumbo da proposta do OE2022 pelo PCP e do BE. Marcelo Rebelo de Sousa começou por palertar para os riscos de eleições antecipadas e um novo Orçamento em abril que “significaria seis meses de paragem”, renovando ontem os alertas para um arranque “coxo” em 2022 e defendendo que “mais vale prevenir do que remediar” crises políticas. A mesma fonte destaca que o Presidente da República abriu o cenário de eleições antecipadas, o qual os socialistas não afastam. Há mesmo dentro do grupo parlamentar do PS quem admita que entre um acordo e a sustentabilidade das contas públicas a prioridade vai para “as contas certas”.
Ainda esta quinta-feira, António Costa sinalizou aos deputados que não abdica das “contas certas” no Orçamento, advertindo que este “é sempre uma moeda com duas faces, uma delas com saldo de receita e despesa e que a credibilidade da economia portuguesa é um valor intocável”. A este respeito a mesma fonte realçou ao JE que ceder a todas as reivindicações da esquerda significa colocar em causa a sustentabilidade das contas públicas, com custos a médio prazo do ponto de vista eleitoral. É aqui recordado que a disciplina orçamental de Bruxelas deverá regressar em 2023, o que obriga a uma redução do défice abaixo dos 3% e a uma trajetória de redução da dívida pública. Metas que poderão ficar em causa, diz a mesma fonte, se o Executivo ceder a todas as reivindicações pretendidas pela esquerda.
Entre estas, destaca, “é impossível a valorização salarial” acalmada pelo PCP - e que estará a ser central para as negociações com os comunistas - porque tal “será uma despesa estrutural, permanente e muito pesada”, já que “cada décima de aumento salarial vale 25 milhões de euros”. O cenário parece ainda mais complexo com as três prioridades definidas pelo Bloco de Esquerda. Sobre o fim do fator de sustentabilidade das reformas antecipadas, fonte próxima diz ser do ponto de vista do Governo “impossível abrir-se a caixa da pandora do fator de sustentabilidade”. Também a “dedicação exclusiva” dos profisisonais do SNS é encarada pelo Executivo como “muito complexa”, considerando que é um processo que “implica várias fases” e “não pode ser feita de um dia para o outro”. A ser descartado estará também o regresso aos 30 dias de indemnização por cada ano de trabalho, contra os atuais 12 dias.