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BCE está no momento 'cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém'

A inflação está no bom caminho, mas a tensão no Médio Oriente ameaça novo disparo nos preços. BCE deverá manter taxas inalteradas na reunião de hoje. Cortes só lá para o verão.

O Banco Central Europeu (BCE) prepara-se para manter inalteradas as taxas de juro na primeira reunião deste ano. Esta é a expetativa dos analistas para a reunião desta quinta-feira, 24 de janeiro, que vai ter lugar em Frankfurt.

Os mercados estão a descontar cortes de 135 pontos base este ano a começar na reunião de abril, enquanto os economistas consultados pela “Reuters” acreditam que o BCE vai começar a cortar os juros no segundo trimestre, a partir de junho.

Já a inflação da zona euro subiu em dezembro, a primeira vez desde abril, para os 2,9%, com a inflação core a situar-se acima dos 3%.

Antes de cortar, o BCE quer que a inflação principal e subjacente atinjam os 2,5% para estarem confortáveis, segundo Holger Schmieding da Berenberg.

Para Marco Giordano, analista da Wellington Management, a expetativa é que o BCE começe a cortar os juros a partir de junho "porque os decisores querem ver a inflação a descer mais. Eventos recentes no Médio Oriente são preocupantes não apenas por razões geopolíticas, mas também devido ao impacto potencial que podem ter nos mercados. Dada a economia aberta da Europa, está exposta a disrupções no comércio e aumentos nos fretes marítimos que podem traduzir-se em custos mais elevados de bens".

Já a Allianz Global Investors (Allianz GI) também está cautelosa sobre a reunião do BCE: "esperamos que o Banco Central Europeu reafirme a sua cautela quanto ao primeiro corte nos juros, já que a inflação ainda não está numa trajetória credível rumo ao seu objetivo de estabilidade de preços de 2%".

"A batalha contra a inflação ainda não está ganha, já que a inflação subjacente ainda subiu 3,4% em Dezembro em termos anuais e existe a possibilidade de que as subidas salariais exerçam uma maior pressão inflacionista este ano", disse em comunicado o Franck Dixmier, o Diretor Global de Investimentos em Obrigações da Allianz GI. "Acreditamos que a postura prudente do BCE deverá alimentar a correção em curso nos rendimentos das obrigações, mesmo que o potencial de subida das taxas de longo prazo permaneça limitado".

Já um inquérito da “Bloomberg” junto de economistas concluiu que o BCE deverá cortar as taxas de juro em quatro vezes este ano. Os cortes deverão ser de 25 pontos base cada devendo arrancar em junho, prosseguindo em setembro, outubro e dezembro, acredita a maioria dos inquiridos. A taxa de depósito deverá recuar para os 3% no final de 2024, a confirmarem-se estas descidas.

Por seu turno, Martin Wolburg economista da Generali AM aponta que a inflação tem tido uma evolução favorável e que os mercados já começaram a especular sobre cortes no segundo trimestre. Depois das declarações de vários membros do BCE, e de terem sido fechados acordos coletivos de trabalho relevantes em França, Espanha e nos Países Baixos, a Generali espera que nesta reunião o BCE adote uma "postura de esperar para ver enfatizando novamente a sua dependência de dados. Continuamos a esperar por um primeiro corte em junho e pensamos que a narrativa da conferência de imprensa vai ser consistente com esta opinião".

O BPI, por sua vez, destaca que "existe um desfasamento entre as expectativas dos mercados financeiros e a visão do BCE. Enquanto os mercados apostam para um primeiro corte de 25 p.b. em abril e um total de 140 p.b. de reduções em 2024, o BCE é mais cauteloso, sublinhando que a luta contra a inflação ainda não terminou e, de acordo com a nossa leitura das diferentes declarações, apostando em cortes mais graduais que não deverão chegar antes de junho".

"A nossa visão é que a inflação melhorou mais do que o esperado nos últimos meses, mas em parte devido a ventos de cauda que deixarão de soprar em 2024, pelo que esperamos um abrandamento mais gradual das pressões sobre os preços nos próximos trimestres", segundo uma nota divulgada na quarta-feira.

 "Tendo em conta o abrandamento da desinflação, considerando que ainda existe incerteza quanto aos efeitos da segunda ordem (limitados até agora) e face a uma atividade atónica, mas com um mercado de trabalho sólido e a perspetiva de um crescimento revigorado no final do ano, pensamos que, na reunião da próxima semana, o BCE se afastará das expectativas de cortes precoces e significativos das taxas. No entanto, o BCE pode não contrariar diretamente estas expectativas de cortes, mas fazê-lo através da sua estratégia de "dependente dos dados"", conclui o BPI.

Para Felix Feather, economista da abrdn, este é um momento paradoxal na política monetária: "quanto mais esperada é uma mudança de taxa, menos necessária é".

"O descontar o mercado implica que os investidores adotaram a nossa expetativa de um ciclo de cortes significativo este ano, aliviando as condições financeiras", o que "aumenta o risco de uma subida da inflação, após um período de progresso na luta do BCE contra a inflação. E com o conflito no Médio Oriente a afetar a cadeia de distribuição, os decisores estão mais preocupados" que o ciclo de recuo da inflação possa sofrer uma reviravolta.

A expetativa é que o BCE "fique quieto", com os mercados a ficarem atentos à 'forward guidance': "o BCE vai quase certamente dar pistas que sente que as expetativas do mercado de, pelo menos, cinco cortes este ano são ultra-exuberantes".

Centeno, Lagarde e os falcões do BCE

O Banco Central Europeu (BCE) deverá começar a cortar nas taxas de juro no verão, segundo a sua presidente em declarações ‘dovish’ alinhando com a visão defendida pelo governador do Banco de Portugal (BdP) Mário Centeno.

“É provável”, disse, quando questionada sobre se é possível começar os cortes no verão deste ano, e se haveria uma maioria dentro do Conselho do BCE a apoiar esta medida.

"Mas tenho de ser reservada, porque temos sido dependentes de dados e ainda existe um nível de incerteza e alguns indicadores ainda não atingem os níveis que nós gostariamos”, acrescentou, durante uma entrevista à “Bloomberg” durante o Fórum Económico Mundial de Davos que teve lugar na semana passada.

Sobre o facto de os mercados estarem à espera de vários cortes este ano, Lagarde considera que estes estão “muito acelerados, é muito claro. Estamos otimistas de termos uma prospeto credível de um retorno à inflação de 2% em 2025, mas muito ainda precisa de acontecer”.

Vários falcões do Banco Central Europeu (BCE) têm vindo a público defender que ainda é muito cedo para falar em cortes das taxas de juro.

Mas Mário Centeno considera que, quando o BCE tiver todos os dados necessários disponíveis, vai ser a altura de falar em cortes. “Quando chegar o momento, vamos discutir cortes dos juros”, disse o governador do Banco de Portugal no Fórum Económico Mundial em Davos na semana passada, citado pela “Reuters”.

“Se me perguntarem se esse momento já chegou, penso que temos de estar preparados para discutir todos os tópicos e sendo dependentes de dados, significa que temos de ter todos os dados disponíveis”, acrescentou o também membro do Conselho do BCE.

Na semana passada, o governador do Banco da Áustria veio a público avisar que não há garantias de que o Banco Central Europeu (BCE) vai cortar nas taxas de juro este ano.

Robert Holzmann, conhecido por ser um dos falcões mais radicais do BCE, alertou que o cenário económico atual pode não permitir a descida dos juros este ano.

“A ameaça geopolítica aumentou porque o que vimos até agora com os Houthis, penso que não é o fim, pode ser o início de algo mais alargado, que vai impactar o Canal do Suez e aumentar os preços”, afirmou o responsável numa entrevista à “Bloomberg” em Davos. “Não devemos descontar cortes nas taxas de juro em 2024”.

“A partir do momento em que for determinada uma data, desencadearia imediatamente uma dinâmica que não conseguiríamos controlar. E com todo o conhecimento que temos atualmente, não seria honesto fazê-lo não sabemos como a inflação vai desenvolver-se”, afirmou.

“Se os riscos geopolíticos provocarem a subida dos preços do petróleo, os preços da gasolina disparariam, e isto também afetaria um número de indústrias que já foram afetadas. Talvez até a indústria de serviços. Então, uma recessão não seria improvável”, acrescentou.

Por sua vez, o falcão mais influente do BCE – Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, defendeu hoje que é “muito cedo para falar em cortes”, sugerindo que não iria haver cortes até ao verão.