Temos assistido a várias emissões de green bonds, a chamada dívida “verde”, por empresas portuguesas. É uma tendência que vai continuar?
A emissão de green bonds é uma tendência que veio para ficar. Prova disso é que, em termos de valor agregado, Portugal registou, em 2022, um valor global de emissão de green bonds que excedeu os quatro mil milhões de euros. Em todo o mundo, só em 2022, mais de 375 mil milhões de euros de green bonds foram emitidos.
E porquê? Porque para se atingirem os objetivos definidos para efeitos de cumprimento do Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas e a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, é necessário um investimento anual de quase 180 mil milhões de euros até 2030, investimento esse que vai exigir fontes de financiamento públicas, mas também privadas, nos quais se integram as green bonds. Apesar de haver outros instrumentos que permitem resultados idênticos, a simplicidade de implementação das green bonds, a sua recorrência no mercado de valores mobiliários e a confiança que têm junto dos investidores, pela regulação já existente, faz com que sejam os instrumentos mais utilizados, e estão para ficar.
Por vezes é difícil perceber se uma empresa tem práticas verdadeiramente sustentáveis. O risco de greenwashing continua presente nesta área? Há ainda um caminho a fazer no que toca a certificar a sustentabilidade dos projetos?
Sem dúvida, o facto de as matérias relacionadas com sustentabilidade, preocupações ambientais ou sociais atraírem cada vez mais a atenção de consumidores e investidores, fazem com que a “colagem” aos rótulos verdes seja tentadora. Mas diria que, neste sector em particular, ao estarmos perante uma atividade altamente regulamentada, o risco de greenwashing - ou seja, relacionar determinado produto com sustentabilidade sem que, na verdade, essa relação consiga ser devidamente demonstrada - é mais controlado.
As entidades reguladoras e os diferentes players do mercado de financiamento sustentável em particular sabem da relevância que tem a credibilidade das instituições e dos produtos colocados junto dos investidores. É também por isso que este sector tem sido pioneiro na regulação de matérias que visam precisamente evitar as situações de greenwashing, das quais destaco o regulamento relativo às Obrigações Verdes Europeis, que regula, entre outros, os requisitos para que uma emissão de obrigações possa ser assim rotulada e, bem recentemente e de forma mais abrangente, a publicação pela European Securities Market Authority (ESMA) de um guia relativo às regras para utilização do termo ESG ou outros relacionados com sustentabilidade por parte dos fundos de investimento.
O cumprimento dos critérios ESG é cada vez mais relevante no acesso ao financiamento bancário. Acha que as empresas portuguesas estão preparadas para esta nova realidade, tendo em conta que o nosso tecido empresarial é composto sobretudo por micro e PME?
O cumprimento dos critérios ESG será cada vez mais relevante no acesso ao financiamento bancário e nas condições do mesmo. As empresas nacionais têm perfeita noção disso mesmo, mas são ainda poucos os casos de financiamentos atribuídos com condições vantajosas devido ao cumprimento dos critérios ESG, sendo que, de facto, vemos que esta é uma realidade ainda reservada aos grandes grupos económicos.
Temos, no entanto, vindo a assistir a uma preocupação crescente do tecido empresarial português para esta nova realidade. Sentimos, pelos nossos clientes, que a maioria das empresas está a endereçar esta temática e muitos dos pedidos de apoio que temos recebidos vão no sentido de apoiarmos a implementação do conjunto alargado de diplomas legislativos que têm surgido. É neste sentido que temos vindo a desenvolver na CMS soluções específicas - notas informativas, ferramentas tecnológicas de verificação de cumprimento de obrigações de divulgação de informação de reporte, gap analysis, tracker legislativo com identificação das novidades do sector -, vocacionados para dar a conhecer e procurar desmistificar o complexo normativo existente.
Como avalia o papel do sector bancário neste tema? Os bancos têm cumprido com as suas obrigações?
De forma geral, os bancos têm cumprido as suas obrigações. O sector bancário tem sido um impulsionador no tratamento destas matérias e, ultrapassado que está o momento inicial de ajuste aos diferentes instrumentos disponíveis no mercado, acredito que vai continuar a dinamizar o sector e a promover a utilização de produtos financeiros inovadores.
Há dados internacionais que apontam para que os bancos de menor dimensão estejam mais expostos a projetos menos “verdes”. Corremos o risco de ter uma espécie de segregação, com os bancos pequenos a ficarem com os créditos “poluentes”?
Não acredito que aconteça. Como referido, o volume de investimento necessário para o cumprimento das métricas ambientais e climáticas definidas é de tal ordem que o esforço de financiamento deverá ser partilhado por entre os diversos bancos existentes no mercado português, com o mercado a funcionar de forma competitiva pela atração dos projetos bandeira, de maior envergadura. Estes projetos deverão inclusivamente, pela sua dimensão, ser desenvolvidos por sindicatos bancários, com diferentes bancos envolvidos. Depois, antecipamos também que os anúncios que têm sido feitos pelos grandes bancos europeus, no sentido de deixarem de financiar determinadas atividades económicas acabe por ser seguido de forma generalizada por todo o mercado.