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Argentina vai a votos em clima de crispação motivado pelos EUA

Donald Trump condicionou apoio da sua administração à vitória do partido de Milei nas eleições de domingo para o Congresso. Mas a certeza dessa vitória é contrariada pelas sondagens.

No próximo domingo, a Argentina realiza as eleições gerais de meio do mandato presidencial – uma cópia do sistema norte-americano – que repentinamente se transformaram num momento fortemente dramatizado depois de o presidente Javier Milei ter anunciado que o país precisa de um empréstimo internacional de 20 mil milhões de dólares. A administração Trump prontificou-se a prestar auxílio, mas o conjunto de bancos privados chamados a avançar para a Argentina – onde se encontram o JPMorgan, o Bank of America e o Goldman Sachs, entre outros – decidiu que só o faria mediante colaterais ou com garantia assinada pelo próprio governo federal norte-americano. Para piorar, o presidente Donald Trump deixou consolidar a ideia de que a sua administração só se ‘atravessaria’ se o partido de Milei, o Liberdad Avanza (LA), ganhasse as eleições.
Foi a ‘deixa’ que faltava para fazer aumentar a tensão na Argentina: a principal força da oposição, a peronista (direita conservadora com ‘intromissões’ social-democratas) Fuerza Patria (FP) alegou interferência estrangeira nas eleições e as sondagens vacilaram. Havendo pesquisas de mercado para todos os gostos, os analistas tendem a prestar maior atenção na sondagem que se apresenta como uma síntese das mais representativas, patrocinada pela Wikipédia. Diz esta sondagem que a FP está á frente com 37% das intenções de voto, logo seguida pela LA, com 35% - com as restantes forças partidárias a conseguir resultados muito limitados.
Os 45 milhões de argentinos vão votar para o Congresso, determinando a direção política e económica do país pelos próximos dois anos, antes das próximas eleições presidenciais, em 2027. Metade das cadeiras da Assembleia Nacional, a câmara baixa do Congresso, e um terço das cadeiras do Senado, a câmara alta, serão reeleitas no domingo. Milei e o ‘seu’ LA, detêm atualmente apenas 15% e 11% dos lugares, respetivamente, e a meta mínima é alcançar uma minoria de bloqueio de um terço na Assembleia Nacional, para evitar os sucessivos vetos daquele órgão de soberania às políticas presidenciais – que têm sido possíveis porque a oposição tem conseguido agregar pelo menos dois terços do Congresso. Convém recordar que, a 7 de setembro passado, nas importantes eleições provinciais de Buenos Aires, onde se situa a capital, o partido de Milei averbou uma sonora derrota (34% contra 47% da FP).
Nas últimas semanas, o Congresso conseguiu impor gastos adicionais para as universidades, hospitais infantis e assistência a pessoas com deficiência, matérias a que Milei se opôs com veemência porque colocam em risco o objetivo de um orçamento equilibrado, também acordado como parte do programa de empréstimos em curso do FMI. Ou seja: a nova necessidade de mais um empréstimo internacional resulta mais da oposição acantonada no Congresso que das opções do próprio governo.
Para os defensores de Milei, o equilíbrio macroeconómico após quase dois anos no cargo continua impressionante: a taxa de inflação anual está nos 32% (era de 211% quando assumiu o cargo em 2023), a taxa de crescimento é de 4,5% (a maior da América Latina este ano), e a taxa de pobreza passou de cerca de 50% para 32%.
A gestão prepotente e indiferente a várias alegações de corrupção contra o seu círculo mais próximo (como a sua irmã Karina e José Luis Espert, que era o candidato à província de Buenos Aires antes de ser obrigado a desistir), está a prejudicar a imagem de Milei como um lutador ferrenho contra ‘o sistema’.
Para além do desemprego e da corrupção – que são as duas maiores preocupações dos argentinos, segundo os estudos de opinião - Milei ainda não conseguiu acalmar os mercados a longo prazo: o banco central teve que intervir diversas vezes para dar suporte à moeda local (que ainda é) o peso, com as reservas cambiais necessárias em 2026 para pagar os títulos soberanos que atingem o seu vencimento a caírem drasticamente. Um encontro entre Milei, Trump, e o secretário do Tesouro, Scott Bessent, à margem da Assembleia Geral da ONU no final de setembro, trouxe alívio temporário. A administração Trump prometeu “fazer o que for necessário” – de que resultou um swap de até 20 mil milhões de dólares e uma linha de crédito no mesmo valor. Trump também ofereceu a possibilidade de um acordo de livre comércio entre os dois países – mas para já o plano não avançou, o que indica que a administração norte-americana está, também neste assunto, à espera das eleições de domingo. Está claro para todos que é improvável que a administração Trump tenha interesse em fornecer apoio em larga escala ao peso argentino se Milei não conseguir obter apoio suficiente para sua política económica entre a população e, portanto, no Congresso, este domingo.

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