Mario Draghi apresentou um ambicioso plano de fomento económico e industrial para a Europa. No relatório com mais de 300 páginas, o ex-líder do Banco Central Europeu (BCE) deixa sugestões para os sectores mais relevantes, mas há um onde Portugal surge referido e onde pode fazer realmente a diferença: a exploração de lítio.
"A UE deve fomentar o potencial dos seus recursos domésticos através da mineração, reciclagem e inovação em materiais alternativos. Ao contrário dos combustíveis fósseis, a UE tem depósitos de alguns minerais críticos, como o lítio em Portugal", pode-se ler. "Acelerar a abertura de minas domésticas pode permitir à UE ir de encontro às suas necessidades de consumo para alguns minerais críticos".
O documento recorda que o Critical Raw Materials Act já pede aos estados-membros tempos de licenciamento mais curtos para os projetos estratégicos: 27 meses para licença de extração e 15 meses para licenças de processamento, face aos tempos de espera atuais que chegam a ser três a cinco vezes superiores.
Portugal é o sétimo maior produtor entre os oito países que produzem mais lítio no mundo, mas este minério destina-se essencialmente às indústrias da cerâmica e vidreira. O país conta com reservas (estão disponíveis para ser exploradas) de 60 mil toneladas, a nona maior a nível mundial e a maior na Europa. Mas o crescimento imparável dos carros elétricos está a provocar um aumento na procura por lítio para fabricar baterias.
Em termos de investimento nos quatro projetos em curso, a mina da Savannah prevê 260 milhões de euros, e a mina da Lusorecursos em Montalegre estima 650 milhões de euros; a refinaria Aurora tem um investimento previsto de 700 milhões de euros; a fábrica da CALB, dois mil milhões de euros.
Um estudo divulgado este ano calculou os impactos de três destes projetos: a mina do Barroso, Vila Real, dos britânicos da Savannah, 113 milhões de euros de impacto no PIB e 286 empregos; refinaria em Setúbal da Galp/Northvolt, 226 milhões e 156 empregos; fábrica de baterias da CALB em Sines, 2.731 milhões e 2.500 empregos. Em conjunto, o impacto é de três mil milhões de euros por ano no PIB nacional, mais de 1% da riqueza produzida no país, e com potencial para empregar três mil trabalhadores, segundo o estudo “A dependência da União Europeia no lítio e nas baterias de ião-de-lítio: análise à luz da autonomia estratégica”, da autoria de Beatriz Raichande, do ISEG - Lisbon School of Economics & Management.
Em abril, o JE revelou que o país aguarda há seis anos para uma estratégia para a fileira do lítio. A 25 de janeiro de 2018, o Governo de António Costa aprovou as “linhas de orientação estratégica, quanto à valorização do potencial de minerais de lítio em Portugal”, mas o progresso é inexistente. Uma destas linhas seria a avaliação de lítio em novas áreas, mas o concurso para promover a pesquisa em seis áreas (das 12 iniciais) foi deixado na gaveta pelos vários ministros com a tutela nos últimos anos: Manuel Caldeira Cabral, João Pedro Matos Fernandes e Duarte Cordeiro.
Outra das sugestões de Mario Draghi, é que os estados-membros façam compras conjuntas de minerais críticos, como fazem a Coreia do Sul e Japão, agregando compras de lítio por utilizadores industriais para o fabrico de baterias, mas também para vidro e cerâmica.
Draghi defende também o aumento da capacidade administrativa, alocando mais pessoal para projetos estratégicos.
Outro ponto crucial é a reciclagem dos materiais retirados dos carros elétricos em fim de vida, aerogeradores e outros bens: a UE pode, potencialmente, obter metade a três quartos das suas necessidades de metal para as suas tecnologias em 2050 através da reciclagem local.
O economista italiano recomenda assim o estabelecimento de um "verdadeiro mercado único" para o desperdício e circularidade. "Atingir esta meta vai requerer o reforço do mercado secundário para o desperdício de minerais críticos, efetivamente aplicando a legislação existente na recolha de desperdício e transporte para permitir escala; e a coordenação de controlos de exportação no desperdício".
Em julho, o Governo anunciou a criação do Grupo de Trabalho – Regulamento Europeu Matérias-Primas Críticas (GT-REMPC), que envolve 13 instituições da administração pública e empresas públicas. O objetivo é adaptar a legislação europeia.
Na altura, o Governo disse que iria avaliar o lançamento de um concurso internacional para a pesquisa e exploração de lítio em seis áreas.
Os planos vão ser “tidos em conta. Vamos olhar para as seis áreas e confirmar ou não as áreas que estão indicadas para o lítio. O trabalho passa por validação ou ajuste”, disse na ocasião a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho.
Outras propostas para os minerais críticos:
- Criação de stocks. Draghi defende a criação de stocks de minerais críticos ao nível da UE, o que ajudaria a reduzir custos, indo além dos stocks nacionais exigidos no CRMA.
- Outra proposta é a promoção de investimento em países terceiros, alinhados, criando parceiras estratégicas
- UE deve promover a mineração sustentável em águas profundas. O fundo do mar contém grandes reservas de cobre, titânio, cobalto ou níquel
Os dados exemplificam bem o problema que a UE enfrenta:
- 40% das importações de minerais críticos vêm de um pequeno número de países, e difíceis de substituir
- A UE é responsável por produzir apenas 6,5% das baterias de iões de lítio a nível mundial, mas a produção europeia cresceu 20% em 2023 face a 2022 para os 65 GWh, que contrastam com os 80 GWh dos EUA e 670 GWh da China
- Até 2030, a UE pode dar resposta a 100% das suas necessidades, prevê a Agência Internacional de Energia (IEA), mas para isso é preciso que os projetos anunciados, ainda em fases precoces, precisem de sair do papel
- O mercado mundial de minerais críticos atingiu 300 mil milhões de euros em 2022, tendo dobrado nos cinco anos anteriores
- A procura mundial por lítio triplicou entre 2017 e 2022, enquanto a procura mundial por cobalto subiu 70% e por níquel, 40%. Até 2040, a procura por minerais críticos vai disparar entre quatro a seis vezes
- E há vários problemas: a volatilidade dos preços, que dificultam decisões de investimentos. O lítio, por exemplo, disparou 12 vezes em dois anos, antes de afundar mais de 80%, impedindo a abertura de minas na UE. Um dos problemas é que não existem stocks disponíveis, como no petróleo, para amortizar os problemas do mercado. Depois, os minerais críticos podem "ser usados como armas geopolíticas", pois a maioria vem de países que não estão "estrategicamente alinhados com a UE", como o caso da China, o maior processador de níquel, cobre, lítio e cobalto, responsável por 35%-70% da atividade de processamento, e que tem demonstrado vontade de "usar o seu poder de mercado", que tem imposto restrições às exportações (cresceram 9% entre 2009 e 2020)
Draghi quer UE a investir mais 800 mil milhões por ano
Mario Draghi quer que a União Europeia invista mais 750-800 mil milhões de euros por ano para aumentar a competitividade e combater o crescimento da China e dos EUA, o equivalente a 5% do PIB europeu anual, acima dos 1-2% que representou o Plano Marshall para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Para encontrar estes níveis de investimento, é preciso recuar até às décadas de 60 e 70.
O ex-líder do Banco Central Europeu (BCE) apresentou hoje o seu plano para tornar a Europa mais competitiva, tendo defendido também uma maior aposta na emissão de dívida conjunta pela UE. O foco principal é digitalização, descarbonização e defesa.
“A Europa é a economia mais aberta do mundo, portanto, quando os nossos parceiros não jogam de acordo com as regras, estão mais vulneráveis do que outros”, disse hoje o economista italiano em Bruxelas durante a apresentação do seu plano.
“O crescimento tem estado a desacelerar há algum tempo na Europa, mas temos ignorado isto. Já não podemos ignorar mais. Agora, as condições mudaram: o comércio mundial desacelerou, a China está a desacelerar muito e está a ficar menos aberta… perdemos o nosso principal fornecedor de energia barata, a Rússia”, afirmou, citado pela “Reuters”.
Outro dos pontos defendidos pelo relatório é a emissão conjunta de dívida europeia, conhecida por ‘Euro bonds’, uma ideia pouco consensual entre os países, com a Alemanha a ser uma das principais críticas. “A UE deve avançar para a emissão conjunta de ativos seguros para permitir projetos de investimento em conjunto entre estados-membros e para ajudar a integrar o mercado de capitais”.
Por outro lado, o relatório também defende a aprovação de medidas através de uma maioria qualificada – acabando com a regra da maioria absoluta. E também defende medidas unilaterais, para que as nações possam avançar sozinhas em alguns projetos.