A Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), o braço do grupo Banco Mundial que tem por missão o desenvolvimento dos países emergentes através do apoio ao sector privado, está a mudar a sua atuação, apostando no apoio mais direcionado, e envolvente, por sector, com um acompanhamento mais próximo.
Em entrevista ao Jornal Económico, o vice-presidente da IFC para África, o português Sérgio Pimenta, explica os objetivos e explica que, com a nova estratégia e uma associação em que também participa o Governo português, triplicou o financiamento nos países africanos de língua oficial portuguesa, para cerca de 350 milhões de dólares e já tem escritório em quatro deles. No total, são já 40 escritórios da organização em África, cinco abertos no último ano, incluindo o de Bissau.
A IFC – e a MIGA – gerem mais de 50 mil milhões de dólares, valor quase idêntico ao do braço Banco Mundial, que trata do apoio público.
Sérgio Pimenta acredita que há um potencial grande por explorar no continente, que tem recursos naturais disponíveis e uma população jovem em crescimento e onde estão a ser utilizadas novas tecnologias. “Há uma inovação em África com que nenhum continente vai poder competir”, diz. Para explorar esse potencial, conta com as empresas portuguesas, sozinhas ou em associação a locais, e não só nos países de língua portuguesa, mas também com a iniciativa africana. "África a ajudar a África a desenvolver-se, e isto são empresas locais, empresas que se tornam regionais, por vezes continentais", sublinha.
Como é que está a IFC a ajudar os países africanos a ultrapassar os desafios geopolíticos que se lhes colocam?
A IFC é entidade do grupo Banco Mundial que financia e apoia o sector privado. O nosso objetivo é desenvolver as economias onde trabalhamos, países emergentes, mas fazemos isso através de um apoio às empresas do sector privado e também trabalhamos muito com os nossos colegas do Banco Mundial que apoiam o sector público e há muitas parcerias público-privadas.
Nós percebemos, como todos, que África precisa de muito apoio para se desenvolver e precisa, também, de um apoio que se está a modificar; não é o apoio tradicional, financiar um projeto aqui, um projeto ali, é uma outra maneira de trabalhar que eu acho que está a evoluir de uma maneira muito forte e muito rápida.
Mais sistémico.
Exatamente, é muito mais um apoio sistémico a sectores em África que precisam de desenvolvimento, e nós, a maneira como trabalhamos é por desafios; identificamos um sector em que achamos que haja a necessidade de apoio e, depois, tentamos trazer empresas. Dou um exemplo: em Cabo Verde, um país que foi muito afetado pela pandemia [de covida-19], porque é um país que depende muito do turismo, nós, em colaboração com o Governo cabo-verdiano, fizemos todo um programa para apoiar o turismo a superar esta fase difícil, em que investimos em vários setores. Por exemplo, apoiamos a empresa que está a fazer a renovação e a expansão dos aeroportos, demos um financiamento a longo prazo à Vinci, que é a empresa que tem esse contrato. Também, ao mesmo tempo, trabalhamos com empresas hoteleiras, uma delas portuguesa, a Oásis Atlântico, em que financiamos a renovação e a expansão dos hotéis que eles têm Cabo Verde.
Esse tipo de aproximação é olhar todo um sector ao mesmo tempo.
Também temos, por exemplo, serviço de conselho ao Ministério do Turismo sobre o desenvolvimento da ilha da Boa Vista, de ver um bocadinho um desenvolvimento diferente do país e de ver também como é que o turismo está a evoluir, passar de um turismo de massa para um turismo mais de qualidade, um turismo, também, mais sensível a questões ambientais. É esse tipo de trabalho que nós estamos a ver como é que conseguimos apoiar e que estamos a aumentar, não só em Cabo Verde, mas no continente africano.
Como tem evoluído a atividade da IFC no continente africano?
A nossa atividade tem evoluído a alinhar-se com a maneira como nós vemos a evolução do continente africano. O que eu vejo em termos de de grandes evoluções africanas que tinham começado antes da pandemia e que eu acho que estão a acelerar: uma urbanização do continente, ou seja, uma população cada vez mais urbana, com necessidades de desenvolvimento que são diferentes das populações rurais. Fala-se muito da pobreza rural em África, que existe e que é muito importante e que é preciso ajudar, mas, ao mesmo tempo, mais de metade da população africana agora já está em em meio urbano. Isso é um dos aspetos.
O segundo aspeto que nós vemos é esta questão de a África se desenvolver por si própria. Ou seja, a África ajudar a África a desenvolver-se, e isto são empresas locais, empresas que se tornam regionais, por vezes continentais. Tivemos de nos adaptar, porque queremos estar a acompanhar esse tipo de empresas e, para isso, temos de estar presentes localmente; não se pode fazer negócio com empresas locais se estamos baseados em Washington ou aqui [em Lisboa] ou em duas ou três cidades africanas. Hoje temos 40 escritórios em África, o que nos permite ter uma presença local e trabalhar com essas empresas locais. Evidentemente, parte do nosso trabalho é também apoiar as empresas não africanas que querem investir em África e muitas parcerias entre companhias africanas e companhias não africanas. Esta é uma evolução, em que tivemos de nos adaptar, temos muito mais pessoas no terreno, em África, do que tínhamos antigamente, com uma descentralização, também, das nossas decisões, o que nos permitiu aumentar muito fortemente os nossos financiamentos em África, graças a esse tipo de dispositivo.
A terceira e última parte que também mencionaria e que acho que é importante em África é toda a digitalização da economia africana, que acompanha o facto de ter uma população muito nova. Ouvimos vários intervenientes [no EuraAfrica Forum 2024] dizer isso, com razão. Há uma inovação em África com que nenhum continente vai poder competir, porque África tem uma população jovem, uma população dinâmica.
E pode dar saltos no desenvolvimento.
Exatamente, e que está a utilizar as novas tecnologias. Eu tive a oportunidade de visitar vários centros de incubadoras de empresas em África, quer seja em Lagos, na Nigéria, no Quénia, em Abidjan, e vê-se uma dinâmica que eu acho extraordinária, que é preciso apoiar.
Esse caminho entre o apoio público e o apoio ao sector privado traduz-se já num equilíbrio entre estes dois braços do Banco Mundial. É uma tendência para continuar?
É uma tendência que já começou há um número de anos, quando se percebeu, no mundo do [apoio ao] desenvolvimento, que as capacidades de financiamento do desenvolvimento dos governos estão a ser cada vez mais limitadas, isso até antes de as taxas de juro aumentarem; agora que aumentaram, quando se vê os orçamentos de países africanos, uma parte muito forte é utilizada para pagar a dívida e por isso já têm muito menos margem de manobra para estar a financiar o desenvolvimento. Foi necessário e foi por isso que a IFC se tem desenvolvido muito nos últimos anos, porque há uma necessidade real de estar a financiar, a apoiar o sector privado em África ou nos outros países emergentes, nos outros continentes.
Dentro do grupo Banco Mundial, nós somos do mesmo grupo, trabalhamos muito bem conjuntamente, evidentemente, e, no diálogo com os governos é encorajar que em vez de dizer “OK, vamos estar aqui a financiar um central elétrica”, dizemos ao Governo “não, o Governo não vai estar a financiar, porque é que não vão atrair sector privado, que vai trazer o capital para financiar isso e, depois, do lado do Banco Mundial, a IFC ou a MIGA [agência de garantia do investimento multilateral], a instituição que faz as garantias, podem vir e apoiar essa empresa do sector privado. O resultado termos de impacto é o mesmo, porque temos a central elétrica que produz a eletricidade que é necessária e, nos casos em que financiamos, é muito energias renováveis, mas para o governo não tem impacto no orçamento. Depois, essa empresa acaba não só por criar emprego, mas também pagar impostos, etc, que faz com que o Governo acabe por ser uma solução muito mais positiva.
Não é só uma questão de financiamento, é também é uma questão de inovação, de capacidade técnica. Somos capazes de atrair empresas que vão investir em África com soluções inovadoras que não são necessariamente as que, às vezes, alguns parceiros podem estar a par.
Falamos de energia e tem sido interessante ver a evolução, porque nós financiamos muita energia renovável – solar, hídrica, etc.
Num continente em que se usa muito a energia fóssil, que está disponível.
Tem recursos naturais. Tem tem gás, que pode ser utilizado como meio de transição, faz sentido, mas, ao mesmo tempo, também é um continente que tem muito sol, que tem muito vento e por isso fazer energia eólica, energia fotovoltaica, faz muito sentido. Tem muito sentido e nós vemos muito interesse a vários níveis, não só ao nível das redes nacionais, mas também de mini-redes. África é um continente muito vasto e em países com territórios enormes é muito difícil pensar num sistema, numa solução mais tradicional de querer ter cabos de transporte em todo o país; o custo já não o justifica, mas agora há tecnologias permitem fazer este tipo de mini grids que vão permitir trazer eletricidade. Nós estamos um projeto muito interessante na República Democrática do Congo, em que estamos a ajudar algumas das cidades secundárias a ter acesso a esse tipo de mini-redes. São projetos que são interessantes.
Focando nos países de língua portuguesa, que projetos têm sido apoiados, como é que têm desenvolvido a atividade da IFC?
A IFC juntou-se ao Compacto Lusófono [associação dos países africanos de língua oficial portuguesa] há coisa de dois anos que é uma iniciativa do Banco Africano de Desenvolvimento e do Governo português com os governos dos PALOP. Nós juntámo-nos a esta iniciativa, porque achámos que era uma muito boa plataforma para permitir que aumentássemos as operações nesses países. Já tínhamos, naquela altura, uma presença em Angola e em Moçambique – em Moçambique já há muitos anos, em Angola desde 2019 – e através do Compacto permitiu-nos focar mais. Abrimos um escritório em Cabo Verde e agora, a 1 de julho, abrimos um escritório na Guiné-Bissau, o que nos permite ter uma presença local nesses países.
Temos feito, um bocadinho, também, com o ângulo do Compacto o que nós chamamos uma assessoria das oportunidades ou das questões de desenvolvimento do sector privado, ou seja, país por país, fazemos uma análise bastante puxada de quais são as oportunidades, mas também os desafios para o desenvolvimento do sector privado nesses países e, em cada um deles, depois, identificámos três ou quatro áreas sectoriais mais específicas, em que fazemos uma análise ainda mais aprofundada para ver como é que se pode trazer mais impacto nestes sectores.
Nós temos uma carteira que tem crescido; nos países de língua portuguesa em África nós aumentamos quase três vezes os nossos investimentos e estamos em cerca de 350 milhões de dólares [cerca de 320 milhões de euros], mas eu acho que o potencial é muito maior e nós ainda estamos, para mim, naquela fase inicial. Vi isso em outros países em que abrimos escritórios e nos primeiros dois ou três anos aquilo vai devagarinho, mas, de repente, começa a aumentar de maneira muito mais substancial.
Temos uma carteira de projetos que podemos aumentar. Já fizemos muita energia em Moçambique, fizemos apoio aos bancos em Moçambique, Angola, Cabo Verde, e estamos agora a ver muito o sector agrícola, que é um dos sectores importantes, principalmente em Angola, onde o potencial é muito grande; estamos a ver como é que podemos financiar esse sector.
Falei do turismo em Cabo Verde, estamos a apoiar telecomunicações, estamos a dar, por exemplo, conselho ao Governo da Guiné-Bissau sobre a privatização das duas empresas de telefones móveis que eles têm.
Isto, depois, pode conduzir a as soluções de financiamento que nós podemos trazer também para esses países.
Como é que podem as empresas portuguesas participar nestes nestes processos?
Nós tradicionalmente apoiamos empresas europeias ou de outros países que querem investir em mercados emergentes. Temos evoluído para uma solução em que estamos a fazer isso e, também, apoiamos empresas locais, mas o que vemos muito, agora, é parcerias também entre empresas, digamos europeias, e empresas locais. Nós podemos apoiar as três soluções, uma empresa local, uma empresa estrangeira, uma empresa com uma combinação entre os dois.
Eu vejo as empresas portuguesas com um interesse maior em investir em África e o que eu acho interessante é que não só nos países de língua portuguesa, mas também a expandirem-se em países que são de outras línguas, porque nesses países vê-se, um pouco, um número de atores tradicionais e menos tradicionais a virem, saírem, etc, e as empresas portuguesas têm soluções técnicas muito interessantes, têm capacidade humana, capacidade financeira de vir e de apoiar esses sectores e nós temos muito interesse em apoiar essas empresas portuguesas quando vão investir em África.
Nós podemos apoiar os planos a longo prazo, ou seja, trazer capital ou trazer financiamento de dívida a longo prazo, de maneira a ajudar as empresas a virem para esses países. Nós também o que estamos a fazer cada vez mais é – evidentemente, quando se trata de financiar, é uma questão de análise de risco – trazer instrumentos que reduzem o risco para os investidores portugueses quando vão trabalhar em África. Isso é algo que nós temos muito interesse em fazer mais.
Mencionou o risco. Como é que a IFC gere e aborda a questão da instabilidade em muitos países, especialmente na África subsaariana, para minimizar o risco?
Eu tenho a oportunidade, a sorte, de poder viajar muito em África, para países muito interessantes e também países muito difíceis e num país onde a situação política está mesmo muito, muito difícil as pessoas continuam, têm de viver, tem de comer, têm de trabalhar e há uma atividade que continua. É surpreendente quando se vê na televisão [exemplos de instabilidade, como a guerra], mas quando se vai lá, penso que as pessoas continuam a trabalhar e, muitas vezes, que não é o caso de muitos países, quando o Estado já não está em maneira de prestar os serviços que normalmente um Estado vai prestar, quem é que vai fazer, o sector privado é que o vai substituir. Por isso, as oportunidades estão lá.
Falar de incertezas, incertezas, infelizmente, não é só África que as tem, hoje em dia. Vivemos num mundo com muitas evoluções que trazem um nível de imprevisibilidade e eu acho que nós temos é que adaptarmos a isso e estarmos dispostos a tomar mais risco, a tomar uma visão de mais longo prazo e de pensar no futuro. É olhar os dados: onde é que está o futuro do mundo? Recursos naturais, em África, população jovem, em África, e isso não vai mudar. Nós podemos construir sobre essa base e ajudar, por exemplo, tudo o que seja agrícola, ajudar a produção na agricultura. Há uma capacidade de aumentar a produção agrícola em África que é espantosa e nós podemos apoiar isso e, acho, trazer boas soluções.