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SAD do FC Porto fecha 2023 sem negócio crucial para escapar à mira da UEFA

"Ter capitais próprios positivos" em dezembro foi o desejo de Pinto da Costa para o final do ano que findou. Quando se esperava uma operação de grande envergadura que atenuasse os 176 milhões de euros negativos, nada foi comunicado junto da CMVM. Teme-se "purgatório financeiro" até março e nova intervenção da UEFA.

A ausência de comunicação ao mercado até ao final do ano passado relativamente a uma possível operação que poderia melhorar significativamente a situação financeira da FC Porto SAD está a gerar desconforto entre os adeptos portistas que temem nova intervenção da UEFA.

De resto, se o novo regulamento financeiro da UEFA entrasse em vigor no final desta época tal como vai ficar fixado (sem o período de transição), o FC Porto estaria muito de incumprir a norma. Atualmente, um terço dos emblemas que estão a disputar a atual edição da maior prova europeia de clubes, estariam excluídos de acordo com a norma estabelecida que vem substituir o fair-play financeiro. É o que diz esse novo regulamento: em 2025/26, as sociedades desportivas, que gerem o futebol dos clubes, não podem gastar mais de 70% das receitas em ordenados, transferências e comissões a empresários.

O termo financeiro "capitais próprios" (que resulta do valor do ativo depois de abatido o valor do passivo) tornou-se, pelas piores razões, conhecido dos adeptos do FC Porto. Na última grande entrevista, concedida à SIC a 22 de novembro, Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do clube e da SAD garantiu que parte da estratégia passava pela apresentação de lucros e "ter capitais próprios positivos" em dezembro.

O dirigente máximo dos "dragões" reconheceu que esse passo seria um "grande salto" mas que esse saldo positivo estivesse acima dos 10%. Note-se que no relatório e contas apresentado à CMVM no final de outubro e referente à época anterior, a SAD apresentou um prejuízo de 47,6 milhões de euros com capitais próprios negativos de 175,9 milhões de euros.

Em entrevista ao JE, o advogado da J+Legal, Jaime Carvalho Esteves, que conta com mais de 30 anos de experiência em fiscalidade e trabalha as áreas de impostos e clientes privados, considera "preocupante" o facto da SAD não ter comunicado nada ao mercado até ao final do ano e antecipa que aquilo que designou de "purgatório financeiro" possa estender-se até março deste ano.

De resto, e numa nota junto da CMVM relativamente às expectativas da SAD para as contas do final do primeiro semestre da época atual (2023/24), a empresa que gere o futebol do clube projetou que iria obter resultados financeiros "francamente positivos em 31 de dezembro" e "vir a melhorar substancialmente" os capitais próprios negativos", em função das contas apresentadas no final do ano civil, aliadas "a outras operações que estão em curso".

Contactada pelo JE, a SAD do FC Porto revelou não ter nada a acrescentar neste momento em relação a este tema e que a fazê-lo, seria pelos meios habituais. Já a CMVM, também foi instada a comentar este assunto mas não adiantou nada sobre o mesmo.

O advogado da J+Legal referiu ao JE que seria muito importante que a SAD do FC Porto "atalhasse caminho" em relação a este assunto até ao último dia do ano passado de forma a "superar os testes financeiros da UEFA, o que aliás foi prometido pela direção".

"A verdade é que não houve notícia pública de qualquer operação para reduzir o valor negativo dos capitais próprios ou para que estes ficassem próximos de serem positivos, como foi prometido. Já estamos no início de janeiro e uma operação destas, que deveria ser comunicada via CMVM, não o foi. Por muito atraso que houvesse nas negociações, o facto de não haver comunicação pode significar, com toda a segurança, que a operação não ocorreu", analisa Jaime Carvalho Esteves.

Numa análise rápida às contas que poderão ser apresentadas relativamente ao semestre que terminou no último dia do ano (referente à época atual), destaca este advogado que "mesmo que se reconheça a mais-valia pela venda do Otávio (45 milhões para a SAD apesar de um bolo total de 60 milhões) e já prevendo os 63,6 milhões de euros em prémios da UEFA (terceira maior receita de sempre, sendo o FC Porto o único clube português que ainda pode amealhar mais dinheiro na prova esta época) dificilmente as contas a 31 de dezembro terão um capital próprio negativo inferior a 31 de dezembro de 2022 e isso significa que o FC Porto fica novamente sob a alçada da UEFA".

Jaime Carvalho Esteves antecipa que as contas da FC Porto SAD sejam chumbadas pela UEFA, o que levaria a um "purgatório de três meses até 31 de março para que haja uma revisão por parte da UEFA sobre a evolução das finanças da SAD. A 30 de junho tivemos capitais próprios muito negativos e contrariamente ao que foi prometido, não se trouxe a SAD para contas mais saudáveis e ficamos agora de purgatório em purgatório", lamentou.

Para este adepto confesso do FC Porto, este é um tema "urgente e decisivo" e que "devia ter sido amplamente discutido entre os sócios": "Pelo que se pode imaginar, esta poderá ser uma operação muito impactante e que pode de alguma forma comprometer receitas futuras, através da antecipação das mesmas, o que é uma forma de doping financeiro".

O que pode estar a atrasar a operação?

Sem comunicação da FC Porto SAD junto do regulador que esclareça os sócios do que está a acontecer nos corredores do "Dragão", resta tentar perceber o que poderá ter acontecido às negociações que estavam em curso. Em novembro do ano passado, Fernando Gomes, administrador da SAD, dizia ao jornal "O Jogo" que previam "uma operação de grande envergadura com um parceiro internacional, dos maiores neste setor, que neste momento gere parcerias comerciais dos principais pavilhões da NBA, em estádios de basebol e também alguns dos maiores estádios em Inglaterra".

O acordo de confidencialidade não permitia a Fernando Gomes revelar que o acordo teria sido estabelecido com a Sixth Street e que o mesmo iria permitir “uma parceria em toda a área comercial do FC Porto, tirando partido da utilização do estádio e da marca, em que eles entram com o seu grande know how internacional. A responsabilidade de gerir a Porto Comercial continuará a ser nossa mas eles entram minoritariamente".

Jaime Carvalho Esteves admite que "os agentes económicos podem estar a maximizar com a Sixth Street e negociar uma posição de força e uma negociação do lado da SAD a revelar alguma fraqueza. Pode ter acontecido que as partes não tenham chegado a acordo. É preciso perceber que a negociação pudesse ter adquirido contornos que a tornassem essencial para maquilhar as contas em ano de eleições: pode essa operação ter tido algum contorno de artifício contabilístico e que não tenha passado pelo crivo dos auditores. Não sendo financeiramente ou eleitoralmente interessante para a atual direção, pode ter caído".

Este advogado recorda que se falou numa possível parceria com a Legends a propósito da Porto Estádio e que essa operação já estaria concretizada ou pelo menos estaria perto de estar (tendo em conta algumas notícias de novembro e dezembro). Por outro lado, "falava-se ainda de outra operação com uma subsidiária da Six Street para um negócio com a Porto Comercial que deixava antever alguma coisa envolvida com os lucros de merchandising do FC Porto".

"Mais uma vez, especulando, podíamos colocar a possibilidade da Porto Comercial aumentar o seu capital social e esse aumento ser subscrito pela Six Street com um prémio de emissão que levasse à melhoria dos capitais próprios e que a Six Street quisesse uma opção de saída: revenda ao clube ou à FC Porto SAD. Não é difícil imaginar que os auditores tenham chumbado essa opção. Há um nevoeiro comunicacional à volta desta matéria. É certo que o sucesso financeiro não enche o museu do FC Porto mas o seu insucesso compromete a conquista de futuros troféus para o clube", concluiu.