A SAD do FC Porto está a afundar-se no campeonato financeiro dos três grandes do futebol português, segundo uma análise às contas da época 2022/2023 feita pela Maxyield - Clube dos Pequenos Acionistas.
"Todas as SAD manifestam dificuldades de liquidez, apresentando fundos de maneio negativos, ainda que bastante diferenciados, condicionantes da gestão de tesouraria e satisfação dos seus compromissos, sendo a situação da Porto SAD particularmente gravosa", segundo o estudo a que o JE teve acesso.
"A liquidez obtida com a transação de atletas, vem sendo decisiva para evitar a rutura de tesouraria. Acresce que a Porto SAD e Sporting SAD apresentam um baixo nível de capitais próprios, configurando uma situação de perda de metade do capital", pode-se ler.
A Porto SAD, liderada pelo histórico presidente portista Jorge Nuno Pinto da Costa, foi a única dos três grandes a registar prejuízos na última época: 47,6 milhões, depois de ter registado lucros nas duas épocas anteriores.
Já a Sporting SAD - liderada por Frederico Varandas - obteve lucros a rondar os 25 milhões nas duas últimas épocas, com a Benfica SAD - presidida por Rui Costa - a registar um ligeiro lucro, depois de duas épocas anteriores com prejuízos.
Um dos grandes desafios para as três SAD é o fim da torneira de financiamento bancário. "A inibição do sector bancário à indústria do futebol e sucessivos empréstimos obrigacionistas anuais para reembolsar anteriores e cobrir novas necessidades de tesouraria, são sinais de esgotamento do atual modelo de financiamento das SAD, em que os empréstimos representam 50% do conjunto dos ativos totais das 3 SAD`s, num contexto de autonomia financeira inexistente (Porto SAD e Sporting SAD) ou fraca (Benfica SAD)".
1 - Liquidez e fundo de maneio
Em termos de liquidez, o FC Porto regista o fundo de maneio mais negativo (-165 milhões de euros, um agravamento de 30 milhões de euros face à época anterior), seguido pelo Sporting (-78 milhões, recuo homólogo de 14 milhões) e do Benfica (-48 milhões, um recuo de 4 milhões).
Comparando a época de 20/21 com a de 2022/23, o FC Porto viu o fundo de maneio a agravar-se em 37 milhões de euros em três épocas, com o Benfica e o Sporting a ganharem mais margem no seu fundo de maneio: 47 milhões e 77 milhões, respetivamente.
"Todas as SAD evidenciam dificuldades de liquidez, apresentando fundos de maneio negativos, que condicionam a gestão de tesouraria e impedem a satisfação dos compromissos e responsabilidades de curto prazo, face à insuficiência de capital circulante. A consolidação de passivos correntes e/ou aumento dos capitais permanentes é indispensável para um regresso a uma situação financeiramente equilibrada", pode-se ler.
A Maxyield destaca que a "situação é bastante diferenciada quer em montantes, quer em termos evolutivos. Destaca-se negativamente o Clube do Porto – Futebol, SAD pelo montante e pelo agravamento consecutivo no final das épocas desportivas".
2 - Capitais próprios
O FC Porto é a SAD que apresenta capitais próprios mais negativos (-176 milhões de euros), encontrando-se abrangida pelo artigo 35º do Cógido das Sociedades COmerciais, ", cuja situação terá de ser corrigida, sendo que a sua dimensão, vai colocar questões novas nos planos do financiamento e processos de gestão", pode-se ler no documento.
Segue-se a Sporting SAD que apresenta capitais próprios ligeiramente positivos (9 milhões), estando igualmente abrangida pelo artigo 35º.
Já a Benfica SAD conta com capitais próprios positivos (113 milhões), "em cima" do valor do capital social (115 milhões).
3 - Passivo
Sem exceção, os grandes do futebol nacional aumentaram o seu passivo nas três últimas época, que atingia quase 1.290 milhões de euros a 30 de junho de 2023, com o passivo corrente a atingir 48% do passivo total.
Olhando somente para as duas últimas épocas, o Benfica registou um aumento do passivo total em 20 milhões para 444 milhões de euros; o FC Porto registou um aumento de dois milhões para 532 milhões; o Sporting registou um recuo de 27 milhões para 309 milhões.
"Ao contrário da Sporting SAD, as outras 2 SAD vêm aumentando o passivo corrente e o seu peso no passivo total, sendo premente a alteração da estrutura de financiamento. A Porto SAD apresenta um passivo superior ao seu ativo, com impacto relevante na sua degradada autonomia financeira (C.Próprios/Ativo)", de acordo com o documento.
4 - Empréstimos
Esta rubrica engloba a dívida financeira remunerada que inclui o crédito bancário, os empréstimos obrigacionistas, locações e rating.
Nas 3 SAD esta rubrica atinge 620 milhões de euros, 48% do passivo total.
O FC Porto lidera o ranking, com 303 milhões de euros em empréstimos, seguido do Benfica (169 milhões) e do Sporting (147 milhões).
"Também aqui existe um grande desequilíbrio com destaque para a Porto SAD que absorve 49% da divida financeira remunerada das 3 SAD`s, com os consequentes reflexos nos encargos financeiros", assinala a Maxyield, com o valor dos empréstimos a aumentar 23 milhões no espaço de uma época.
Já as SAD do Sporting e do Benfica registaram recuos no passivo de financiamento: menos 19 milhões e menos dois milhões, respetivamente.
"As obrigações vêm assumindo uma proporção cada vez mais elevada, face à significativa redução do financiamento através do crédito bancário, sendo que o recurso a sucessivos empréstimos obrigacionistas anuais com custos associados elevados, para reembolsar obrigações vencidas e cobrir necessidades adicionais de tesouraria, não se afigura uma base sólida para manter uma adequada estrutura financeira a médio e longo prazo e vem dando sinais de esgotamento", segundo o Clube dos Pequenos Acionistas que assinala que "merece ainda destaque a inibição do setor bancário relativamente à indústria do futebol".
5 - Estrutura da receita
Analisando os rendimentos operacionais (receita gerada pela exploração comercial - TV, provas UEFA, bilhética, publicidade, patrocínios, merchandising e proveitos desportivos diversas - e a receita líquida obtida com a transação de atletas), o FC Porto registou a mais baixa entre os três grandes.
Na época 22/23, a Porto SAD registou 180 milhões de euros de rendimentos operacionais (menos 47 milhões face a período homólogo). Segue-se a Sporting SAD (210 milhões, mais 38 milhões) e a Benfica SAD (259 milhões, mais 48 milhões).
Nas receitas dos jogos, o Benfica lidera com 34 milhões, seguido do Sporting (19,6 milhões) e do Porto (11 milhões).
Nas receitas comerciais (publicidade, patrocínios, merchandising e receitas desportivas diversas), o FC Porto lidera com 46 milhões, seguido do Benfica (37 milhões) e do Sporting (25 milhões).
Nas receitas de TV, o Benfica lidera com 49 milhões de receitas, seguido do FC Porto com 43 milhões e do Sporting com 28 milhões.
Nas receitas das provas UEFA, o ranking é liderado pelo Benfica com 74 milhões, seguido do FC Porto om 62 milhões e do Sporting com 39 milhões.
Juntas, as receitas de TV e provas da UEFA pesaram 45% nas receitas totais dos clubes.
Nas transações de atletas, o Sporting liderou em 22/23 com 85 milhões encaixados, seguido do Benfica com 64 milhões e do FC Porto com 14 milhões. Estas receitas atingiram uma média de 30% nas três últimas épocas nas receitas totais.
Na época de 22/23, as receitas com jogos e receitas comerciais pesaram 27% no total dos rendimentos.
6 - Práticas de gestão
Olhando para as práticas de gestão, a Maxyield sublinha que a "a composição dos Conselhos de Administração (CA) e Fiscal (CF) são em larga medida uma réplica das estruturas dirigentes dos clubes. Na composição dos CA não se encontra a preocupação pela adequada representação da estrutura acionista e envolvimento na gestão".
"A nível das atividades corporativas verifica-se fragilidades na fiscalização designadamente em matéria de auditoria e controle interno. Não são utilizadas as melhores práticas da gestão empresarial a nível de corporate management. Não existe a preocupação pela remuneração em condições adequadas à estrutura acionista", acrescenta o relatório.
Para terminar, a Maxyield sublinha que o "futebol é um desporto que desperta grandes paixões que alimentam comportamentos emocionais dos associados ou adeptos dos clubes. Os dirigentes desportivos são igualmente atingidos por estes sentimentos, suscetíveis de condicionar os processos de decisão e motivar comportamentos organizacionais, sem racionalidade em matéria de management".
"Esta envolvente exige cada vez mais dirigentes com forte maturidade e experiência de liderança em contextos desafiantes, para poderem balancear a racionalidade da gestão com a emoção partilhada pelos adeptos e público em geral. Este aspeto é cada vez mais marcante na indústria do futebol, sendo que exemplos recentes não deixam margem para dúvidas, designadamente no mercado internacional de direitos desportivos e nos rácios financeiros sujeitos cada vez mais a linhas vermelhas", conclui o Clube dos Pequenos Acionistas.