A discussão em torno da localização e da tipologia do novo aeroporto de Lisboa tem que ser enquadrada numa variável muito importante para esta equação: o que vai acontecer à TAP. Essa é a convicção de Rui Quadros, especialista em gestão aeronáutica com experiência na Iberia, PGA e Grupo SATA e professor no ISEC, em entrevista ao JE. Este especialista, que vaticina uma mudança na morfologia no contexto do transporte aéreo, não tem dúvidas que a venda da ANA e o resgate da TAP foram “duas asneiras” do Governo.
É aconselhável que o ministro das Infraestrutura faça considerações sobre uma das soluções em estudo para o novo aeroporto de Lisboa?
Acho que posso dizer que a Comissão Técnica Independente para estudo da localização do novo aeroporto de Lisboa é composta por pessoas isentas e com muita experiência. Agora, se vão sentir isso como condicionante é difícil avaliar. Não querendo entrar na questão do ministro, existem aeroportos que estão distantes e que vão fazer o mesmo efeito. Acho que não foi boa ideia o ministro estar a dizer o que disse até porque a decisão também será política e vai recair sobre a melhor solução. Mas por outro lado, sempre que se fala no novo aeroporto há sempre muito ruído à volta dessa discussão.
A solução para a TAP será importante para perceber o que se quer do novo aeroporto de Lisboa?
O destino da TAP é um aspeto importante de toda esta discussão até porque estamos a falar de dois tipos de negócio: o full service, que assenta numa placa giratória de transferência de passageiros, que é o que acontece em Lisboa. Para esse efeito, é preciso perceber que tipo de aeroporto é que se quer. Se é para as companhias “low cost”, tem que se definir que tipo de estrutura é que estamos a falar. Obviamente, é daí que a discussão deve começar.
Portanto, é preciso perceber se a TAP vai ser vendida (a minha opinião é que tem que ser vendida e até já devia ter sido). Se a ideia é que passe a ser uma companhia “low cost” tem que ser uma localização económica e a infraestrutura tem que ser simplificada. Tem que haver uma enorme eficiência operacional. Os custos operacionais têm que ser reduzidos e a mesma coisa em termos de acessibilidade e conectividade.
No entanto, se estivermos a falar de uma companhia como a TAP, do tipo “hub-and-spoke” (modelo baseado na conexão de origens e destinos através de um ponto intermediário), tem que haver uma infraestrutura de conexão, capacidade de expansão do aeroporto, conectividade entre infraestrutura aeroportuária e os fluxos de transportes rodoviários.
E onde é que a ANA entra nesta discussão?
Essa é uma questão muito importante: onde é que a ANA cabe no meio disto tudo? A pior coisa que o Governo fez foi vender a ANA e resgatar a TAP. Foram duas asneiras que criaram todos estes problemas e onde se gastou muito dinheiro.
E veja o seguinte: temos 10 milhões de habitantes e temos quatro companhias regulares. Como é que isto é possível? Arriscamo-nos a que a SATA Air Açores seja a única a ficar do Estado, a SATA Internacional arrisca-se a mudar de mãos, assim como a TAP e a PGA. No final, da história estamos a destruir valor. E afinal, o que a TAP está a fazer no Ministério das Infraestruturas? Devia estar na Secretaria de Estado do Turismo.
Parece-lhe realista a análise de que vamos ter Portela por mais dez ou doze anos?
Não sei o que está combinado com a nada e que leve o ministro a dizer isso. Se a TAP é para continuar nos mesmos moldes e se vai reforçar a operação e aumentar o número de chegadas e partidas, com todo o efeito de sinergia que o “hub” pode criar, parece-me um bocado difícil fugir de Lisboa de hoje para amanhã porque é preciso decidir para onde ir. Parece normal que nos próximos dez anos, ou pelo menos nos próximos cinco a seis anos, não vá acontecer nada. Não se constrói um aeroporto de um dia para o outro. O ministro já terá falado com uma série de companhias aéreas e obviamente existem muitos “players”, todos com muitos interesses e que precisam de ser decididos. Mas há aqui uma certeza: se a TAP sair do aeroporto de Lisboa, o ambiente de negócios também muda; toda a envolvente macroeconómica será modificada.
Das escolhas que avançaram para a segunda fase de estudos, qual lhe parece ser a mais viável do que se conhece?
No caso de Santarém, de Rio Frio e do Campo de Tiro de Alcochete (as duas últimas são mais perto de Lisboa), todas estas têm um impacto ambiental, desde a destruição de ecossistemas até à própria contaminação do ar. Em termos de acessibilidade, Santarém e Rio Frio não estarão assim tão mal. Tenho alguma dificuldade até porque se a intenção é fazer do novo aeroporto uma espécie de “aerotropolis”, com uma série de infraestruturas ali à volta, provavelmente o Campo de Tiro de Alcochete talvez fosse a melhor solução.
Permita-me voltar à TAP nesta discussão: se a TAP se torna uma empresa com um objetivo diferente. Em termos de operações, o Brasil tem uma enorme importância na receita. Se o Brasil ficar com operações a montante e a jusante não sei se valerá a pena ter um aeroporto tão grande. Se é para que haja expansão, Lisboa vai ter que aguentar uns tempos. De certeza que já foi estudada a capacidade de aglomeração de passageiros: ou seja, as pessoas vêm para Lisboa mas depois vão para onde? De certeza que isso está a ser acautelado nos estudos de viabilidade.
Está a acontecer uma nova morfologia no transporte aéreo: as grandes companhias aéreas como a Air France, Lufthansa, grupo IAG, essas vão ficar e as outras vão desaparecer. Portanto, a questão em torno do novo aeroporto é se vai ser um “hub” ou uma estrutura para as “low cost”.