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Riscos políticos dominam 2024

Perto de um terço da população mundial vai às urnas em 2024, com as presidenciais nos EUA a assumirem o maior destaque e a representarem um risco sem precedentes à democracia norte-americana e à estabilidade global, isto depois de um ano em que o aperto monetário teve um impacto menos negativo no crescimento do que se temia.

Os riscos políticos dominarão 2024, com quase um terço da população global a ir a votos, incluindo os EUA, numa eleição crescentemente disfuncional e com consequências imprevisíveis para a economia mundial. Isto segue-se a um ano em que, apesar das muitas dificuldades, a economia global reagiu melhor do que o esperado, mantendo um crescimento mais robusto do que se projetava ao mesmo tempo que a inflação normalizou mais rápido e com menos impactos negativos do que antecipado.

O relatório do Eurasia Group sobre os riscos globais para 2024 foca-se sobretudo na situação política e nas eleições a realizar durante o ano, com destaque para as presidenciais norte-americanas. Com dois candidatos “igualmente incapazes”, a maior economia do mundo prepara-se para um teste à sua democracia como não experiencia desde a Guerra Civil e que representará o maior risco à economia global este ano, sobretudo num contexto das guerras por procuração na Ucrânia e no Médio Oriente.

A posição externa norte-americana tem-se enfraquecido, um processo que acelerará caso Trump vença as eleições e que também terá efeitos nas guerras em curso, onde os EUA definiram claramente um lado a apoiar. A análise do Eurasia projeta que, caso Trump ganhe, “Kiev leve a cabo ações crescentemente arriscadas para assegurar os ganhos possíveis até o próximo presidente assumir o cargo”, enquanto o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, se sentirá “encorajado” pelo “apoio proeminente de Trump e vontade de bombardear o Irão”.

Estes conflitos são também focos de tensão que podem afetar significativamente o curso do ano, continua o relatório. Na Ucrânia, o cenário mais provável passa por uma partição de facto do país, um “resultado inaceitável para o Ocidente”, mas “inevitável” nesta altura, dada a dificuldade de americanos e europeus em fornecerem o apoio militar e orçamental necessário para a Ucrânia sair vencedora.

No Médio Oriente, o apoio incondicional a Israel significa cada vez mais isolamento para os EUA, que estão “tão isolados globalmente como a Rússia esteve na decisão de invadir a Ucrânia”. Ao mesmo tempo, vários players regionais mostram-se cada vez mais preparados para responder à escalada israelita, incluindo os houthis, que têm perturbado o comércio internacional no Mar Vermelho e arriscam agravar novamente a dinâmica de preços na Europa.

Os EUA encontram-se assim cada vez mais associados a “amigos perigosos” como Volodymyr Zelenskyy, Benjamin Netanyahu e William Lai, vice-presidente de Taiwan e candidato às eleições deste fim-de-semana. A probabilidade de algum destes líderes arrastar Washington para um conflito de larga escala é crescente e a influência americana sobre os mesmos tem vindo a cair, colocando os EUA numa posição complicada e cada vez mais visto como uma força desestabilizadora por grandes partes da população mundial.

Esta tensão e divisão do mundo em blocos cria novo risco para o Ocidente com a cooperação entre os estados “malfeitores”, como apelida a Eurasia, com destaque para a Rússia, Irão e Coreia do Norte. As sanções impostas a Moscovo criaram a oportunidade para estes países aumentarem a interação entre eles, estimulando as suas trocas (sobretudo a nível militar) e reduzindo a eficácia dos bloqueios económicos e políticas de intimidação do Ocidente.

Simultaneamente, os russos conseguem manter uma economia equilibrada, ao passo que iranianos e norte-coreanos beneficiarão de mais e melhor armamento vindo de Moscovo, aumentando a sua resistência a investidas lideradas pelos EUA. Acresce a isto a possibilidade extrema de o Irão, caso seja atacado numa escalada da violência no Médio Oriente, fechar a torneira do petróleo e gás natural, além da passagem do Estreito de Ormuz, o que agravaria dramaticamente os custos para as empresas europeias.

Aspetos positivos vindos de 2023

Em sentido inverso, 2023 acabou por ser um ano mais forte em termos económicos do que se previa, com o crescimento global a superar as projeções médias em mais de um ponto percentual (p.p.) e a inflação a normalizar mais rápido do que seria expectável, destaca a Goldman Sachs.

O banco de investimento norte-americano estima que o crescimento tenha sido mais forte do que o esperado à boleia de “uma transmissão gradualmente mais fraca do aperto monetário”, cujos efeitos negativos do lado da atividade se fizeram sentir mais rápido do que a literatura clássica económica sugere, mas com impacto decrescente. Isto foi suportado por uma dinâmica laboral interessante, com um “crescimento salarial que manteve uma evolução dos gastos de consumo sólida”, lê-se na análise.

O lado do mercado de trabalho foi mesmo uma das peculiaridades deste ciclo de aperto monetário, escrevem os analistas da Goldman Sachs.

“O reequilíbrio do mercado laboral deu-se com suavidade, com o excesso de criação de emprego a reverter-se apesar de o desemprego se ter mantido baixo, enquanto a oferta de trabalho superou as expectativas (devido a projeções positivas de contratação e à recuperação da imigração). Combinado com as melhorias nas cadeias logísticas globais (que levaram à descida da inflação nominal e subjacente), isto aliviou a pressão ascendente sobre os salários”, explica a nota.