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Ricardo Ribeiro. Novo disco bebe inspiração do Mediterrâneo e certeza de conquista da terra

O fadista Ricardo Ribeiro prepara-se para lançar o novo disco, "Terra que Vale o Céu", e falou com o Jornal Económico sobre este lançamento, após uma pausa de quatro anos e muitas mudanças essenciais.

O fadista Ricardo Ribeiro prepara-se para lançar um novo disco, "Terra que Vale o Céu", depois de quatro anos de interregno. O álbum é colocado à venda esta sexta-feira, 27 de outubro, nas lojas.

Neste processo, que passou pela pandemia e início da guerra da Ucrânia, Ricardo Ribeiro mudou-se para Montemor-o-Novo com a família e isso acabou por complementar e inspirar o novo disco.

"Deixar a urbe, a cidade, e ir para o campo. Para mim foi uma coisa gloriosa, ótima para mim e para a minha família", conta o fadista ao Jornal Económico, já com o sotaque alentejano entranhado no seu ser.

"Estes quatro anos foram importantes porque foi todo esse processo, mais recuperar a casa. Depois chegou a altura de gravar um novo disco, o que aconteceu". Ricardo meteu, sem qualquer medo, as mãos à obra, dado que a casa data do "final do século XIX" e as canções precisavam de quem lhes dessem voz.

Questionado se o lançamento do disco se deu para não perder atualidade, Ricardo Ribeiro nega. "Faço as coisas quando são necessárias. Tenho alguma flexibilidade de poder fazer as coisas quando há um chamamento interior".

"Gravar e fazer música tem a ver com esse chamamento interior. Não é por... Não sou capaz de o fazer de outra forma. A música está relacionada com sensibilidade, tem a ver com o espírito e isso tudo. Faço por necessidade e por chamamento interior", conta.

Entrando no seu íntimo, o intérprete de fado tradicional assume ser "um indivíduo com uma vida interior e preciso de pensar nas coisas". "Gosto muito de refletir e pensar. Depois isso é espelhado na música, com a influência dos filhos e a influência da própria vida".

Ligação à terra

A ligação à terra, conta-nos Ricardo, é o ponto de partida deste disco.

"Sabes porque é que o disco se chama Terra que Vale o Céu?", questiona Ricardo, sentado à nossa frente no sofá, num dia em que a chuva teimava cair. "Estamos sempre a ambicionar o céu e nem sequer ganhamos a terra. É mais importante, primeiro, ganhar a terra para depois conquistar o céu, se é que o céu precisa de ser conquistado".

O fadista considera-se atrevido e contradiz as palavras poéticas de Luís de Macedo. "O Luís de Macedo, num poema, diz que querer a terra é ter falhado o céu. É atrevimento da minha parte mas atrevo-me a contradizer e a dizer que é mais importante ganhar a terra e depois alcançar o céu".

O disco transmite calma e uma ligação terrena, como quem está convicto das suas certezas e caminho a seguir. "O disco transmite essa calma mas não foi feito nesse ambiente porque eu não sou uma pessoa muito calma a fazer música".

Questionado sobre a razão, Ricardo revela que "a música é uma relação de tensão e destensão. Mas a calma é depois trazida exactamente por essa ânsia de ganhar a paz na terra e de estimar aquilo que temos aqui na terra". 

"Estamos muito preocupados em ganhar qualquer coisa lá em cima mas o importante é ganhar um lugar aqui. Ter um lugar de perdão aqui, de compaixão, de generosidade e fraternidade e tolerância pelos outros".

"Um dos meus objetivos é tentar procurar aqui algo que me faça viver melhor com os outros. Evidentemente que sou um ser humano e tenho as minhas falências, que são muitas e faço muitos disparates".

Carreira composta

Com os seus parcos 42 anos, Ricardo Ribeiro soma uma carreira com mais de 20, algo composto para a idade que já soma. Tendo já convivido com tanta mestria, perguntámos se que forma o fado de hoje difere daquele no arranque da sua carreira.

"O fado canta a vida, e a vida é sempre diferente, está em constante mutação e movimento, por isso o fado tem de ser diferente", confessa. "A vida é um fluxo e o fado acompanha esse fluxo, portanto nunca é a mesma coisa; é sempre diferente".

Tal como os restantes estilos musicais, o fado diferencia-se pelas suas características únicas. "As suas características devem ser preservadas para que se possa definir o que é um fado ou a linguagem fadista. O fado é como um idioma e os idiomas, como em tudo, aceitam neologismos".

"Imagino o fado como uma árvore. Tem raízes, um tronco e muitos galhos. Nenhuma árvores é igual a outra. O fado é, para mim, exatamente isso".

Voltando às suas origens, o fadista diz que este tipo de música é "muito diferente do que quando aparecei". "Apareci com uma sorte muito grande: a de ter velhos, e digo isto com muito respeito".

"Tive velhos que me ajudaram e ensinaram ou tentaram ensinar aquilo que consegui aprender. Só depois dei valor àquilo que eles me disseram". Como tudo, só com o peso da idade se dá valor conforme se passa. Mas Ricardo evidencia a maior sorte, "ter velhos com a mente aberta para o futuro e um coração limpo para as coisas novas".

Explorar influências e inspirações

"Vamos sempre filtrando algumas coisas", ri-se. Nas palavras de Ricardo Ribeiro, as inspirações e influências vão-se gerindo com o passar o tempo e construindo.

"Tem muito a ver com o meu interior, com aquilo que ouço, com o que leio e com o que me inspira".

"Não tenho essa ideia da inspiração. Acho que as coisas andam no ar e a gente agarra", nota "Às vezes acho que até uma conversa ou um sorriso me influencia".

"Não é uma coisa que eu me dedique muito a pensar. Deixo-me ir e canto. Canto porque preciso de cantar. Mas também não sei por que preciso, só que preciso".

As influências, conta-nos Ricardo, são isso mesmo e "moldam a vida e a forma como te apresentas, cantas e fazes música".

A inspiração de Ricardo provém muito do Mediterrâneo, embora confesse "não ter nada contra o Atlântico". "É uma questão de sensibilidade. Vamos absorvendo coisas e como elas se manifestam em nós".

"Não posso fugir ao mundo de dentro. Não posso fugir de mim. Uma das coisas que não pretendo é apresentar uma coisa que não sou, como ter uma persona".

Concertos à espreita

Apesar da pausa de quatro anos entre discos, o fadista não esteve parado.

A 22 de dezembro vai apresentar-se no Coliseu de Lisboa, acompanhado de Camané, Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva. "É um desafio para todos", mas como uma prenda de Natal antecipada.

"Não vou dizer o que vamos cantar, mas vamos cantar músicas dos nosso repertórios. Acho que vai ser muito bonito porque são quatro mãos e duas vozes, portanto vai ser bonito", assume.

Outra novidade é a sua apresentação no Centro Cultural de Belém, a 11 de abril do próximo ano, marcando o seu regresso a solo com o novo disco.