É com um misto de esperança e espírito positivo que o sector imobiliário olha para a decisão anunciada, na última semana, pelo Governo em taxar somente 20% do IRS para os residentes não habituais, regime que abrange cientistas e investigadores, bem como outras profissões qualificadas e que se aplica a estrangeiros ou emigrantes portugueses, que não vivam no país há pelo menos cinco anos. "A medida é positiva, mas temos de esperar para ver no que daí vai sair e, acima de tudo, contarem com os investidores para montar um programa que seja atrativo e não se caia naquele costume de se fazerem primeiro as leis e depois verem no que dá", refere, em declarações ao JE, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).
Recorde-se que estes benefícios fiscais foram introduzidos em 2009 para ajudar o país a recuperar da crise financeira que se vivia no território. O Executivo de António Costa revogou a medida no ano passado, tendo classificado a mesma como uma "injustiça fiscal" que levou ao aumento dos preços das casas.
Durante o briefing do Conselho de Ministros da última semana, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, salientou que o regime dos RNH vai manter a mesma taxa de 20%, mas vai abranger apenas "salários e rendimentos profissionais". "Vai excluir dividendos, mais-valias e pensões, que era um problema entre Portugal e países como Finlândia e Suécia", realçou.
Ouvida pelo JE, Patrícia Barão, Head of Residential da consultora JLL, destaca o facto da medida abranger cientistas e investigadores, que são profissões que, logo à partida, são de interesse para o país. "Tudo o que tem a ver com ciência é uma mais-valia, porque temos uma série de organizações que empregam muitas pessoas que não são portuguesas e que trazem conhecimento que nós não temos", afirma.
No entanto, realça que esta proposta vai ter impacto em outras áreas porque estávamos a considerar, no fundo, os portugueses que estavam há mais de cinco anos fora em outras profissões e que voltavam para Portugal para poderem ter esse benefício fiscal interessante, deixando agora de o poder fazer.
"Assim como todos os europeus que estavam (no país), inclusive reformados, que é um target que Portugal atrai pela questão do clima e custo de vida que oferece a essas pessoas, e que não vão poder usufruir dessa vantagem. É mais uma situação em que alimentamos uma esperança do programa poder funcionar num âmbito mais alargado e agora vimos que é algo que já vinha do anterior governo, mas vamos acreditar que virão mais novidades daqui para a frente", sublinha.
Fiscalistas falam numa medida "restritiva" e de "cosmética" com pouco impacto no sector imobiliário
Apesarem de considerarem que a medida vai ter impacto em termos económicos, mas pouco no sector imobiliário, os fiscalistas, ouvidos pelo JE, entendem que a mesma acaba por não dar um sinal de competitividade, ao contrário do que se vê noutros países. "No mercado imobiliário o impacto vai ser muito pouco, porque só abrange pessoas com um nível de especialização elevado que venham trabalhar para empresas em Portugal e não virão muitos. É uma medida muito restritiva e não é competitiva com aquilo que os outros países oferecem. Acho que é uma medida um pouco cosmética, mas é melhor do que havia", defende Tiago Caiado Guerreiro.
Por sua vez, Jaime Esteves defende que todas as medidas que sirvam para reter e atrair talento para Portugal são positivas, tal como acontecia com o anterior regime do RNH. "Este regime, a confirmar-se, é muito mais limitado e vamos ver qual será a definição de cientista e investigador. Digamos que esta medida é uma reparação parcial de um erro que foi cometido", realça.
Já o fiscalista João Espanha assume que, com este novo regime, a ideia passa por privilegiar os trabalhadores que desempenham rendimentos de trabalho ou que auferem rendimentos de trabalho dependente ou independente na área do research and development. "Agora temos um tratamento que ainda é mais favorável do que o anterior, mas aqueles que podem qualificar-se para esse rendimento estão numa faixa muito mais estreita. Portanto, têm que trabalhar em determinada área e, sobretudo, têm que trabalhar. É a grande diferença", sublinha.
Como tal, o fiscalista entende que Portugal, com este regime, continua a ser atraente para quadros de empresas e empresários, mas deixa de ser tão atraente para pensionistas e titulares de rendimentos de capitais ou pessoas que vivem só de rendimentos de capitais. "Quando se fez o regime do RNH, a ideia era atrair para Portugal pessoas de elevados rendimentos. E, nessa medida, o regime foi muito bem-sucedido. O que provavelmente aconteceu foi que foi bem-sucedido demais e, portanto, tivemos, designadamente na área do imobiliário, um desequilíbrio muito grande", salienta.
Na opinião de João Espanha, este novo regime do RNH pretende "seriar ou selecionar" o tipo de pessoas que queremos que venham para Portugal, ou seja, "já não queremos mais pensionistas, não queremos mais pessoas que vivem só de rendimentos passivos", mas sim pessoas que venham para o nosso país trabalhar, que tenham muito dinheiro, mas que venham trabalhar e desenvolver a economia.
"Isto, em teoria, não me parece mal. O facto de se cingir às áreas económicas ligadas ao research and development também revelam um objetivo que, em teoria, é muito interessante. No papel parece-me muito bonito. Qual é que vai ser o resultado? Não faço a mínima ideia", afirma.