Um think tank de economistas vai relançar o observatório orçamental Budget Watch para exames aos Orçamentos do Estado por “preocupações com as finanças públicas”, uma iniciativa que a líder do grupo parlamentar do PS aplaude. Alexandra Leitão defende, em declarações ao Jornal Económico, que essa “vigilância” sobre a atuação do governo cabe à oposição, mas, frisa, “também aos cidadãos, que devem exigir conhecer o impacto económico das medidas anunciadas”. O projeto do Institute of Public Policy (IPP), que foi suspenso em 2023 face à trajetória positiva do défice e da dívida, é relançado numa altura em que o Banco de Portugal reforçou os avisos que as medidas aprovadas pelos partidos da oposição no Parlamento e também pelo Governo têm um impacto significativo nas contas públicas, podendo representar o regresso aos défices.
“Nos últimos anos, Portugal fez um percurso de consolidação das contas públicas que contribuiu de forma decisiva para a sua credibilização internacional e, sobretudo, para a estabilidade e para o crescimento económico do país. Iniciativas como esta, com origem na sociedade civil e na academia, são sempre importantes e bem-vindas, porque representam um olhar exigente sobre a governação e a ação política”, afirmou ao JE a líder parlamentar do PS.
A reação dos socialistas surge após o JE ter divulgado, em primeira mão, que o IPP, um think tank de origem académica, vai relançar o observatório orçamental Budget Watch por “preocupações com as finanças públicas”. Uma notícia avançada pelo economista Paulo Trigo Pereira, coordenador do conselho científico da iniciativa. Projeto conta com economistas do ISEG, Nova SBE, FEP, ISCTE, Universidade do Minho e da London School of Economics.
Segundo este economista, este projeto, que foi suspenso em 2023 face à trajetória positiva das contas públicas, visa promover a transparência e o rigor orçamental, dadas as renovadas preocupações com as contas públicas face às medidas recentes aprovadas pelo Governo da AD e pela oposição com impacto nas contas públicas.
Após um hiato em 2023, a iniciativa será retomada após a série de medidas com impacto orçamental recentemente aprovadas pelo Governo e Parlamento, revelou o Jornal Económico (JE), Paulo Trigo Pereira, coordenador do conselho científico do Budget Watch.
“Vamos relançar este ano o Budget Watch precisamente porque está novamente preocupado com o futuro das finanças públicas deste país”, revelou ao JE Paulo Trigo Pereira, economista e professor universitário membro do conselho científico desta iniciativa, que classifica como “o maior projeto de transparência orçamental que se faz em Portugal”.
Após um ano de interrupção em 2023, quando os membros deste observatório sentiam “que não valia a pena continuar, porque as coisas estavam a ficar tranquilas do ponto de vista das finanças públicas”, este ano marcará nova avaliação da proposta orçamental à luz de dez eixos relacionados com a transparência, rigor e controlo da despesa pública.
“Decidimos agora retomar porque estamos preocupados com estas negociações a la carte de todas estas corporações a quererem mais”, explicou Paulo Trigo Pereira.
O JE tentou obter, desde a semana passada, uma reação do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, e do Ministério das Finanças ao relançamento do observatório orçamental, mas até ao fecho desta edição não obteve qualquer resposta.
Os alertas para riscos de voltar a défice
A discussão em torno do equilíbrio orçamental voltou a ganhar ímpeto nas últimas semanas, face à série de políticas aprovadas pelo Parlamento à revelia do Governo, com os avisos do Banco de Portugal (BdP) quanto à possibilidade de a margem orçamental desaparecer com estas medidas caso não haja mecanismos de compensação. Aos alertas de Mário Centeno juntam-se ainda o aviso do economista Ricardo Reis, professor da London School of Economics, que em recente entrevista ao Eco, diz que as várias medidas do Governo mostram ímpeto reformista, mas alerta que, apesar de não haver sinais de irresponsabilidade orçamental, é preciso ter atenção à despesa.
O BdP sinalizou a 7 de junho que as medidas aprovadas recentemente pelo Governo põem o país em risco de voltar a registar défices orçamentais nos próximos anos. Um alerta que consta do Boletim Económico de junho, onde o banco central considera que “a magnitude destas medidas e a sua natureza”, pelo impacto de diminuição de receita e/ou aumento de despesa, implicam uma redução do saldo orçamental sendo a consequência o risco de regresso a défices orçamentais.
No entanto, sem novas medidas, o excedente no final deste ano poderia ser de 1%, e para 0,8% e 0,6% em 2025 e 2026, segundo as estimativas do BdP.
O relatório dá conta de que “com a informação disponível, é expectável o retorno a uma situação de défice, colocando em risco a trajetória desejável para a despesa pública no âmbito das novas regras orçamentais europeias”. Em 2023, o saldo orçamental foi positivo em 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Com o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) e as medidas que já foram implementadas este ano e conseguimos incluir no exercício, que são fundamentalmente o impacto do CSI [Complemento Solidário para Idosos] e o fim das portagens nas ex-SCUT […], verifica-se um incumprimento de 0,6%, acima da margem de 0,3% da Comissão”, alertou Mário Centeno na apresentação do boletim económico de verão.
O exercício do BdP fala num aumento da despesa de 5.635 milhões de euros, o que, por si só, já excede a margem orçamental, aos quais se junta uma redução de receita de 1.820 milhões de euros. Tal resultaria numa variação do referencial para a despesa ascendendo a 7.455 milhões de euros segundo os critérios atualizados de Bruxelas para as finanças públicas, isto sem contar ainda com o impacto das negociações salariais com vários sectores da função pública.
No entanto, o governador Mário Centeno frisou que este exercício visa sobretudo, de uma forma simplificada, uma estimativa dos impactos financeiros num cenário de políticas invariantes.
De acordo com o BdP, para o regresso dos défices, mas sem contabilizar o valor, são consideradas medidas como a "redução do IRS, ao pacote de apoio aos jovens, ao alargamento da redução do IVA na eletricidade, ao apoio à habitação e reforço da saúde, bem como às revisões salariais de diversas carreiras na Função Pública".
Montenegro e ministro das Finanças asseguram contas controladas
Nas últimas semanas, o Governo da AD apresentou diversas medidas fiscais que implicam corte de receita como o corte do IRS (custo de 463 milhões em dois anos), cujo figurino de alívio fiscal que teve luz verde do Parlamento acabou por ser o projeto do PS para os novos escalões (impacto superior a 550 milhões), e também o programa IRS Jovem (medida comum custo de 1,2 mil milhões de euros). Do lado da despesa, foram apresentadas outras medidas nas áreas da habitação, da saúde ou dos apoios aos mais idosos. Mas o primeiro-ministro já assegurou que situação orçamental “completamente controlada”.
Luís Montenegro, que já disse não pretender comentar o alerta de Mário Centeno, salientou, na altura, que o Governo irá assegurar o "cumprimento das metas" a que se propôs.
Numa entrevista ao canal norte-americano CNBC, no final da semana passada, o ministro das Finanças português disse esperar que Portugal encerre este ano com um excedente orçamental entre 0,2% e 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Tivemos um excedente de 1,2% do PIB no ano passado no nosso saldo orçamental e prevemos continuar a ter um excedente no saldo orçamental de 0,2% a 0,3% do PIB, o que nos permitirá reduzir [o rácio da] dívida pública para perto de 95% do PIB este ano e no caminho de uma redução até 80% do PIB em 2028″, disse Miranda Sarmento.
Questionado se os investidores internacionais devem estar preocupados com a situação portuguesa, o ministro respondeu que “não”: “Os investidores internacionais e as instituições internacionais devem estar confiantes na posição orçamental de Portugal. Iremos terminar o ano com um pequeno excedente — de 0,2 a 0,3% do PIB — e esperamos no próximo ano um excedente da mesma magnitude, o que nos permitirá continuar a reduzir a dívida pública em cinco pontos percentuais por ano”, assegurou.
O governante prevê ainda que economia cresça “pelo menos 2,3%” no próximo ano e, devido ao “programa de reformas estruturais” do atual Governo, que o PIB potencial português apresente crescimentos de até 3% “ao longo dos próximos anos”.
Avaliação do Budget Watch foi sempre negativa
O Budget Watch, uma parceria entre o Institute of Public Policy e o ISEG (Universidade de Lisboa) desde 2013, é um projeto que visa a análise técnica e independente da Proposta de Orçamento do Estado sob a perspetiva do rigor, transparência e responsabilidade orçamental.
O Budget Watch consiste numa análise técnica de um painel composto por “alguns dos melhores economistas portugueses para estes votarem em várias dimensões do OE”, explanou ao JE Paulo Trigo Pereira, à semelhança do que já é feito em mais de 100 países.
Estes economistas recebem um questionário no qual lhe sé pedido para classificarem a proposta de OE em dez dimensões: transparência, rigor e análise de sensibilidade; responsabilidade política; saldos orçamentais consistentes com o nível sustentável da dívida pública; controlo das despesas de consumo público e da despesa com a Saúde e controlo das despesas com a Segurança Social. Juntam-se ainda outras dimensões como a consideração dos trade-offs entre objetivos de política; explicitação dos fluxos financeiros entre as administrações públicas e o sector público empresarial; bem como a informação adequada sobre os projetos de investimento público, contratos e parcerias público-privadas. E por fim a solidariedade entre os diferentes níveis da administração e subsetores da administração central; e incorporação de melhorias no processo orçamental.
Desde que foi criado em 2013, as avaliações do projeto Budget Watch foram sempre negativas, tendo propostos várias recomendações para melhoria dos Orçamentos. Na última avaliação, correspondente ao OE2022, a avaliação global foi ‘insuficiente’, embora tenha sido o segundo melhor resultado do índice resultante deste projeto, com 47,4% de aprovação. O melhor resultado havia sido em 2020, com 48%, ou seja, ainda ‘insuficiente’.
O conselho científico conta por professores das universidades mais bem cotadas de economia e gestão do país, nomeadamente a NOVA SBE, ISEG, ISCTE, FEP e Universidade do Minho, mas também da London School of Economics. É o caso de Ricardo Reis (LSE), Francesco Franco e Susana Peralta (NOVA SBE); João Ferreira do Amaral, Manuela Arcanjo e Paulo Trigo Pereira (ISEG); bem como José Silva Costa (FEP), Linda Veiga (U. Minho) e Luís Teles Morais (NOVA-SBE e IPP), entre outros.