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Presidente da Guiné-Bissau lança novamente o país numa crise política profunda

O parlamento foi dissolvido, os militares ocuparam a televisão e a rádio estatais. Entretanto, o presidente do parlamento recusa aceitar a dissolução e fala em "golpe de Estado institucional". Mais um.

O presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, anunciou esta segunda-feira a dissolução do parlamento, justificando a decisão com a grave crise institucional no país, na sequência dos confrontos de quinta e sexta-feira entre forças de segurança. O parlamento foi dissolvido após a realização de um Conselho de Estado e a decisão surge depois de o país ter eleito um novo parlamento em junho passado – num ato eleitoral inesperadamente bem-sucedido e apontado pelos observadores internacionais como um exemplo de normalização institucional do ambiente político daquele país africano.

Em junho, recorde-se, a coligação PAI (Plataforma Aliança Inclusiva) – Terra Ranka, liderada pelo PAIGC, foi convidada por Umaro Sissoco Embaló para formar governo, depois de ter conseguido a maioria absoluta nas eleições. O executivo não era liderado pelo presidente do partido, Domingos Simões Pereira – uma vez que Embaló havia prometido que se recusaria a convidá-lo. A liderança do governo acabou por ir parar às mãos de Geraldo Martins. Segundo avançam as agências internacionais, Sissoco Embaló reconduziu Geraldo Martins no cargo de primeiro-ministro, que passará a acumular as funções do ministro das Finanças e de secretário do Estado do Tesouro. "Renovei-lhe a confiança. Ele tem os plenos poderes do presidente da República até à formação de um novo governo", disse Sissoco Embaló, citado pela imprensa. "Percebi que o parlamento é sempre foco de instabilidade; vamos chamar o povo porque o povo é soberano para tomar a decisão. É o único caminho e a única via que podemos seguir", declarou, no final do Conselho de Estado, que, segundo a Deutsche Welle, durou apenas alguns minutos.

Vale a pena lembrar que uma das prioridades do novo parlamento era precisamente acabar com o caráter presidencialista do regime, trazendo para a assembleia eleita mais poderes executivos e de decisão política. Em junho, Teresa Damásio, administradora Grupo Ensinus e profunda conhecedora da realidade daquele país africano, dizia em entrevista ao JE que a grande prioridade do novo executivo é a alteração da Constituição – no sentido de lhe retirar caraterísticas de presidencialismo que têm sido um dos fatores desestabilizadores do país.

A mais esta crise não será por certo alheio o facto de 2024 ser ano de eleições presidenciais. “até lá essa será uma das prioridades: tratar de que o regime não se torne presidencialista”, referia Teresa Damásio.

O presidente reconheceu que a lei não permite convocar ainda eleições, já que determina um prazo de um ano entre atos eleitorais. "Suspendemos a Constituição da República, suspendemos todas as instituições e fica um comité militar ou um conselho militar", declarou.

Opinião oposta tem Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC e presidente do Parlamento, que afirma que o país está "na presença de uma subversão da ordem democrática". “A Constituição diz que uma Assembleia Nacional Popular legalmente constituída não pode ser dissolvida nos primeiros doze meses da sua existência. Se for o caso, independentemente do mecanismo que for utilizado para esse efeito, estamos na presença de uma subversão da ordem democrática, e se isto não é um golpe de Estado constitucional, eu não sei o que é", disse aos jornalistas, no parlamento. “A responsabilidade da Assembleia Nacional Popular (ANP) é de prosseguir na sua responsabilidade histórica nesta legislatura, que não pode depender nem da vontade de uma pessoa nem de um grupo de pessoas, mas conforme o preceituado na lei e que deve ser respeitado por todos", disse, citado pela DW.

Entretanto, e após o anúncio do presidente, a televisão e a rádio estatais foram ocupadas por "militares fortemente armados" e os funcionários expulsos das instalações, adianta a agência Lusa.

Na madrugada e na manhã de sexta-feira, o batalhão da guarda presidencial e a Polícia Militar atacaram o comando da Guarda Nacional para retirar o ministro da Economia e Finanças, Suleimane Seidi, e o secretário de Estado do Tesouro, António Monteiro. Ambos tinham sido presos por ordens do Ministério Público, que os investiga no âmbito de um processo de pagamento de dívidas a 11 empresas. Os dois governantes foram novamente conduzidos às celas da PJ e, na sequência dos acontecimentos, o comandante da corporação, coronel Vítor Tchongo, e mais alguns elementos, foram detidos, relata a imprensa.

A última vez que a Guiné-Bissau passou por um problema institucional foi em fevereiro de 2022. Na altura, o site oficial da Presidência da República portuguesa na Internet avançava que "Presidente da República condena ataque ao Palácio do Governo em Bissau". Segundo a nota, Marcelo Rebelo de Sousa, "acompanhou a par e passo, com preocupação, a situação em Bissau, tendo já falado telefonicamente com o Presidente Sissoco Embaló, a quem transmitiu a sua condenação veemente, que é a mesma do Governo português e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a estes atentados à ordem constitucional na Guiné-Bissau". Desta vez, não surgiu qualquer nota sobre a matéria.

No final de outubro passado, Rebelo de Sousa condecorou o seu homólogo guineense com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, o mais alto grau da Ordem portuguesa, numa decisão que levantou diversos protestos e muita admiração de uma parte dos partidos políticos portugueses.