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Presidente da Eurogas: "Embargo ao gás natural vai ter impacto na Europa e será mínimo na Rússia"

Líder da associação europeia de empresas de gás natural alerta para os riscos para a Europa de impor um embargo ao gás natural da Rússia. Defende o hidrogénio verde, mas considera que é uma tecnologia para o médio prazo. E defende a construção de um pipeline de hidrogénio entre Portugal e Espanha.

Impor um embargo ao gás natural russo só iria complicar a vida à economia europeia, com pouco impacto para o Kremlin, defende Didier Holleaux, presidente da Eurogas, associação europeia de empresas do sector gasista em entrevista ao Jornal Económico.

Ao contrário do petróleo russo, o gás natural não foi sujeito a nenhum embargo após a invasão da Ucrânia. Portugal, aliás, recebeu gás russo em 2022. O maior fornecedor de gás natural de Portugal em 2023 foi a Nigéria com quase dois milhões de metros cúbicos de gás (Nm3). Seguem-se EUA com 1,9 milhões de metros cúbicos, Rússia (373 mil Nm3), Trinidade e Tobago (221 mil Nm3). Por gasoduto, chegaram 547 mil Nm3 de gás de Espanha, segundo os dados da Direção-Geral de Energia (DGEG).

Na entrevista ao JE, Didier Holleaux defende também que o hidrogénio verde vai ser uma solução, mas para o médio prazo, elogiando a aposta no biometano.

Sobre o pipeline de hidrogénio verde entre Portugal e Espanha, este responsável defende a sua construção, garantindo que o transporte de hidrogénio por gasoduto tem lugar há 20 anos no norte da Europa sem riscos para a segurança.

O gás natural da Rússia continua disponível no mercado. É uma má ideia impor um embargo como no caso do petróleo? Teria um impacto negativo no mercado e nos preços dos consumidores?

Temos de recordar que antes da guerra estávamos a importar 155 bcm de gás russo, através de GNL ou de pipelines, para a Europa. Hoje estamos abaixo dos 50 bcm, foi reduzido em mais de dois terços. Por um lado, podemos discutir o facto de que houve um pequeno aumento do GNL, mas globalmente tem sido uma redução absolutamente dramática.

Devemos ser os primeiros a fazer um embargo ao GNL russo? Se o fizermos, seremos os únicos, porque o Japão e a Coreia do Sul claramente já disseram que não se vão juntar porque precisam do GNL de Sacalina para os seus países.

Em segundo, os russos provaram a sua capacidade de transferir de navio para navio ao largo de Murmansk. Tecnicamente, não precisam dos portos europeus para enviar o seu GNL para a Ásia.

Se fizermos um embargo, terá um impacto na Europa e na economia, quase que não terá qualquer impacto na Rússia.

Temos de acrescentar que os impostos sobre o GNL do terminal de Yamal são mais baixos do que os impostos sobre o gás de pipeline.

As importações de GNL russo implicam menor receita fiscal para o Estado russo. Se pararmos de importar o GNL de Yamal, os russos irão vendê-lo à Ásia. O impacto na Rússia será mínimo.

Honestamente, não vejo nenhuma razão para impor um embargo porque vai ter um impacto na Europa, e quase nenhum impacto na Rússia. Isso não é uma boa sanção.

Os EUA, Noruega e Qatar foram aliados importantes para a Europa após o fechar da torneira russa...

Pois foram. Pagámos um preço muito alto pelo gás. Devemo-nos recordar disso. A Noruega aumentou as suas exportações, os EUA aumentaram, o Qatar também, mas pagámos um preço muito elevado por isso. No fim do dia, o preço muito elevado foi pago pelos clientes europeus.

Qual a sua opinião sobre o hidrogénio? Pode ser uma solução?

O hidrogénio verde pode certamente desempenhar um papel, mas mais no médio prazo porque demora tempo a desenvolver nova produção de hidrogénio. Obviamente, temos de desenvolver hidrogénio verde, mas em países com energia nuclear, o hidrogénio rosa também é uma solução; noutros locais, o hidrogénio turquesa é solução, isto é, partir a molécula do metano no hidrogénio. O carbono negro também é uma solução: é sólido, não é um gás, não contribui para os gases efeito de estufa. É mais fácil de armazenar do que o gás. É uma forma de descarbonizar o uso do gás natural, por exemplo.

Acredito que no médio prazo, o hidrogénio vai desempenhar um papel importante, mas não vai ser apenas o hidrogénio verde, serão todas as formas de hidrogénio descarbonizado.

No curto prazo, o biometano também é uma solução muito boa, que tem sido muito subestimado, porque tem um impacto positivo na agricultura, tem um impacto positivo ao reduzir o metano, que é emitido naturalmente, que é o resultado de desperdício.

Pode-se recolher em lixeiras, em antigas minas de carvão, mas também pode-se recolher resíduos agrícolas para produzir biometano. Todas estas soluções estão disponíveis no muito curto prazo, não é no médio prazo. São necessários apenas 18 meses para construir um metanizador para começar a produzir biometano.

São precisos apenas poucos meses para recolher, para colocar em prático um sistema de recolha em antigas minas a carvão e recolher o metano que for emitido.

Demora talvez um a dois anos para colocar em prática um sistema de recolha numa antiga lixeira e recolher o metano que é emitido naturalmente.

Tudo isto são soluções de curto prazo que vão reduzir as emissões de metano, aumentar a nossa independência e substituir gás natural importado por gás doméstico.

Tudo isso deve ser feito em grande escala.

E vejo com bons olhos que Portugal está ativamente a trabalhar numa estratégia para o biometano. Penso que o potencial do biometano em Portugal tem estado subestimado, como em muitos outros países.

E chegou a altura de fazer mais para produzir gás doméstico em Portugal.

Portugal tem um projeto para construir um gasoduto de hidrogénio verde com Espanha, que também tem um projeto com França (o gasoduto via marítima BarMar entre Barcelona e Marselha). Estes projetos fazem sentido?

Devem ser feitos. Transportar hidrogénio por gasoduto não é uma tecnologia nova. Temos de recordar todos que, entre França, Bélgica, e os Países Baixos, existem 1.200 km de pipelines de hidrogénio em operação há 20 anos.

Para quem se preocupa com questões de segurança, esta é uma oportunidade para dizer que não houve acidentes significativos nestes pipelines em 20 anos de operação. É possível transportar hidrogénio de forma segura por gasoduto, o que permite-nos pensar que o hidrogénio verde vai ser produzido onde a eletricidade renovável é barata, onde existe muito sol e muito vento, e pode ser transportado continentalmente, para toda a Europa, incluindo a partir do Norte de África, onde pode chegar a Portugal, Espanha ou Itália e depois seguir para norte.

Acredito que o transporte de hidrogénio por gasoduto vai desempenhar um papel importante no desenvolvimento da economia de hidrogénio na Europa, mas no médio prazo. Não é para hoje, mas para 2030 e depois.

E o transporte por navio, conforme previsto em projetos em Portugal?

Demorou muito tempo a desenvolver a economia GNL que é uma tecnologia mais fácil do que o hidrogénio liquidificado: o hidrogénio liquidifica a 20 kelvins, o gás natural a 90 kelvins; quanto mais perto de zero, mais difícil é para liquidificar. O hidrogénio é cinco vezes mais difícil de liquidificar que o gás natural. É por isso que é um desafio real. Não significa que seja impossível, mas vai demorar tempo. É preciso muita energia para liquidificar hidrogénio.

Para já, vamos trabalhar em gasodutos. Existem muitos locais onde a eletricidade renovável vai ser barata e que pode ser transportada por pipeline com o Mar do Norte, seja a partir do Norte de África ou do sul de Espanha ou de Portugal. Não é preciso apressar, ao transportar por navio, mas vai acontecer a dado momento.

O que tem a dizer aos ativistas que criticam a aposta no gás natural, argumentando que não faz parte da transição energética?

Ficamos sempre felizes em dialogar com ativistas e oponentes. Mas quando querem apenas protestar e não querem dialogar, há pouco a fazer. Em segundo, temos de pensar que em todo o mundo existe atualmente 2.200 gigawatts de centrais a carvão, e isso deve ser a nossa prioridade. Quando substituímos uma central a carvão por uma a gás, reduzimos a emissão de metano e de gases poluentes em mais de metade. Isto não significa que seja uma solução final porque o gás natural ainda emite CO2, mas podemos pelo menos salvar metade do orçamento de carbono se for feito rapidamente. Depois, vai ser possível converter uma central a gás em biogás, o que não é possível fazer com uma central a carvão.

É preciso ordenar prioridades, e dizemos claramente que o gás tal como é queimado hoje em dia - sem captura de carbono, ou sem fazer hidrogénio - vai ter de desaparecer. E teremos de o substituir por biometano, por hidrogénio verde e por aí fora. Mas por agora, não vejo como conseguir isso.

E quando as pessoas nos dizem que temos de eliminar o gás natural, o que dizemos aos nossos clientes? Que devem deixar de aquecer as suas casas? É preciso gás natural na transição e a primeira prioridade deveria ser eliminar o carvão. E temos de ter isso em mente.