A inflação voltou a acelerar em Portugal após vários meses de recuo e, além dos combustíveis, um produto essencial para o quotidiano dos portugueses regista uma subida assinalável de preço: o azeite. Depois de várias campanhas agrícolas progressivamente piores, a escassez deste produto basilar para a alimentação nacional é cada vez mais evidente, um problema agravado pela subida de custos transversal aos restantes sectores intensivos em energia e aos principais produtores europeus, como se pode verificar em Espanha. Ainda assim, estão fora da mesa problemas com o abastecimento.
A taxa de inflação subiu em agosto para 3,7%, dados confirmados esta terça-feira pelo INE, ou seja, 0,6 pontos percentuais (p.p.) acima do registado no mês anterior. A componente energética acelerou, apesar de manter variações homólogas negativas, recuando 6,5% em agosto depois de cair 14,9% no mês anterior.
Em cadeia, o indicador também subiu, voltando a registar uma variação positiva, ou seja, um aumento de preços em relação ao mês anterior. O índice de preços no consumidor (IPC) subiu 0,3% em comparação com julho, muito à custa dos combustíveis, que voltaram a disparar nas últimas semanas.
Não é de estranhar, portanto, que o gasóleo surja destacado como tendo o maior peso no resultado confirmado esta terça-feira, ao avançar 10,5% em termos homólogos e contribuindo com 0,211 p.p. para os 0,3% de aumento em cadeia do IPC. A gasolina também regista um impacto considerável, embora com menor variação (8,09% de subida em cadeia contribuem com 0,116 p.p.) e o alojamento turístico até encareceu mais (10,57% de aumento com 0,163 p.p. de impacto no valor final).
No entanto, o avanço em cadeia mais expressivo registou-se no azeite. O óleo alimentar de eleição nos países mediterrânicos ficou 10,61% mais caro do que no mês anterior, resultando num contributo de 0,042 p.p. para a leitura final (isto porque o peso no cabaz considerado para o IPC é substancialmente inferior ao peso atribuído aos combustíveis). Ao JE, o presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA), Jorge Henriques, diz não estranhar esta evolução.
“A última safra e a que se avizinha foram completamente adversas no Sul da Europa, em Itália, Espanha e Portugal. Portanto, a escassez do produto e, simultaneamente, o aumento dos custos de produção são a explicação lógica para a situação de preço”, começa por referir. A situação de seca recorrente na Península Ibérica tem castigado as produções nacional e espanhola, sendo que 2023 se arrisca a ser dos piores anos deste século.
Depois do recorde de 2021, quando se produziram quase 230 milhões de litros de azeite nos lagares portugueses, o ano passado trouxe uma quebra de 39%, empurrando a produção para os 138 milhões de litros. Em Espanha, maior produtor mundial deste bem, a safra de 2022/23 foi pouco mais de metade dos 1,5 milhões de toneladas do ano anterior, o que ajuda a explicar o disparo de 8,7% em agosto.
Em termos homólogos, o azeite em Espanha está 52,5% mais caro, ao passo que os dados da DECO Proteste apontam para uma subida de 42% em Portugal.
Pondo de parte possíveis ruturas de abastecimento (até porque o azeite é dos poucos produtos em que Portugal é autossuficiente), Jorge Henriques admite que as famílias vão ajustar os seus consumos para fazer face à subida de preço, projetando que esta não fique por aqui. A situação até “já vem de outras colheitas”, mas o verão atípico deste ano piorou ainda mais o panorama.
“Tivemos agora esta questão de Valpaços, com esta tempestade dos últimos dias e com um clima extremamente adverso que impactou negativamente a produção desta região. Ou seja, temos um conjunto de fatores de ordem climática, com a falta de água em primeiro lugar”, explica. E se o clima é ainda incontrolável pelos governos, há questões quanto à gestão de água que importa adereçar.
Do lado dos produtores, a palavra de ordem é minimizar desperdícios, o que ajuda a explicar a aposta em tecnologia de ponta na gestão deste recurso para a agricultura. Ainda assim, é preciso um equilíbrio entre os vários usos, com Jorge Henriques a destacar a preocupação exagerada com a produção de eletricidade no ano passado, que acabou por significar menos reservas de água para a atividade agrícola.
“Creio que este ano as autoridades aprenderam com a situação do ano passado e fizeram uma gestão da água mais cuidada – longe da que seria necessária, mas sente-se essa preocupação relativa a como a água tem sido utilizada e com o desperdício”, reconhece o presidente da FIPA. Tal será, contudo, insuficiente para reverter a subida de preço em curso, acrescenta.