A operação da Stellantis nos EUA tramou Carlos Tavares, saindo um ano mais cedo da companhia face ao que estava previsto. E sai num momento complicado: as ações da companhia automóvel (com 14 marcas) desvalorizaram 38% no espaço de um ano e a importante operação norte-americana está deficitária, com os carros a acumularem-se nos stands, sem serem vendidos.
Conhecido por cortar nos custos de forma implacável, a sua fama não impediu a sua saída quando entrou em rota de colisão com a administração onde figura a poderosa família Agnelli (que fundou a Fiat), a família Peugeot e o Estado francês.
As tensões aumentaram quando a administração sentiu que Carlos Tavares estava a ir muito depressa, focando-se nas soluções de curto prazo para salvar a sua reputação, não tendo em conta os melhores interesses da empresa, disse à "Reuters" uma fonte próxima do assunto.
Os analistas da Bernstein apontaram que a ruptura terá sido tão grande entre as partes que a companhia vai ficar sem presidente-executivo durante algum tempo, com o novo CEO a ser nomeado no primeiro semestre de 2025.
As ações da Stellantis fecharam a cair mais de 6% na segunda-feira para mais de 11,7 euros, atingindo um mínimo de dois anos.
Carlos Tavares chegou à PSA em 2014, vindo da Nissan, e atravessou vários momentos-chave, como a fusão entre a Fiat Chrysler e a PSA em 2021.
"São precisas novas ideias e novas forças para o futuro da empresa", disse Fabio Caldato, da gestora de ativos italiana AcomeA SGR, que detém ações da Stellantis.
Nos EUA, o presidente dos stands da Stellantis no país (NDC, que representa 2.600 stands), Kevin Farrish, deixou duras críticas a Carlos Tavares em setembro, pela "rápida degradação" das marcas da companhia e "as decisões de curto prazo" que visaram aumentar os lucros em 2023 para subir o seu prémio, que atingiu os 36 milhões de euros.
Os sindicatos norte-americanos também tinham Carlos Tavares debaixo de olho. A United Auto Workers (UAW, que representa 38 mil trabalhadores da Stellantis) ameaçou avançar para greve se a Stellantis não cumprisse as promessas feitas no final do ano passado.
"Tavares deixa um registo de muitos layoffs dolorosos e veículos caros, acima do seu preço", disse o presidente da UAW, Shawn Fain, em comunicado.
No terceiro trimestre, as vendas caíram 17% nos EUA face ao período homólogo, com as marcas Dodge, Ram, Jeep e Chrysler a serem penalizadas.
"Ninguém vai ter saudades dele na América do Norte. Nem os fornecedores com quem lutou. Nem os retalhistas com quem lutou. Nem os proprietários de veículos que ignoraram os seus automóveis", disse à "Bloomberg" Erik Gordon, professor na Universidade do Michigan.
Já o professor David Bailey, da Birmingham Business School, considera que a situação na América do Norte foi chave para a saída de Carlos Tavares. "Tem tido resultados abaixo do esperado, com produtos datados, inventários a crescer e uma quota de mercado a recuar, com todos os stakeholders envolvidos - fornecedores, vendedores, trabalhadores, investidores - a estarem muito infelizes. Isto chegou à administração e tornou a sua posição insustentável", disse o académico à "BBC".
No final de setembro, a marca reviu em baixa a sua previsão de lucros para este ano, com a sua margem operacional a recuar dos dois dígitos para os 5,5%-7%, e o free cash flow a recuar de um valor positivo para 5-10 mil milhões de euros negativos.
Isto levou a empresa a despedir gestores de topo da companhia, nomeando um novo administrador financeiro e um novo responsável pela operação norte-americana, deixando Carlos Tavares de fora. Até agora, aguentou mais dois meses no cargo.