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O estranho caso da multiplicação de traições

Uma onda de demissões varreu o poder ucraniano, o que, em tempo de guerra, é um mau sinal. Estará Zelensky rodeado de traidores ou quer apenas manter o comando nas mãos?

Ivan Bakanov, comandante do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), e Iryna Venediktova, procuradora-geral, foram os primeiros elementos do topo da hierarquia do poder ucraniano a serem despedidos dos seus cargos por decisão, influência ou sugestão do Presidente Volodymyr Zelensky. Depois deles, seguiram-se, logo no dia seguinte, em 19 de julho, mais 28 responsáveis dos serviços de segurança – num contexto em que, diz o próprio Presidente ucraniano há 651 casos já em aberto de suspeita de traição e colaboração com a Rússia ou com elementos ligados à Rússia por parte de funcionários do Ministério Público, órgãos de investigação e outras agências judiciais.

Sendo assim, a explicação parece simples: Bakanov não encontrou forma de estancar o surto de traições e Venediktova não foi suficientemente expedita em levar os alegados traidores à barra dos tribunais. Mas, segundo os observadores internacionais, parece haver mais qualquer coisa por trás da inesperada onda de demissões.

“Mexer no topo de uma equipa em tempo de guerra é a última coisa que se deve fazer”, refere o embaixador Francisco Seixas da Costa em declarações ao JE, para recordar que, em geral, estas alterações podem transmitir ao inimigo a sensação de que o poder na Ucrânia está a passar por dificuldades. Zelensky teria tido todo o interesse em ser bem mais discreto.

Além de Bakanov, a estrutura dos SBU foi atingida com a demissão da chefia de cinco extensões regionais da organização e de e um seu vice-chefe. Segundo relatos da imprensa vindos da Ucrânia, as notícias abalaram a política interna do país e, pior, transmitiram à população o aumento da perceção da insegurança em que vivem todos os dias.

Ivan Bakanov, amigo de infância do Presidente, e Iryna Venediktova, ex-conselheira de Zelensky, podem ser a face visível de um problema mais profundo. Citado pelos jornais, Vitaly Shabunin, presidente do conselho do Centro Anticorrupção da Ucrânia, as demissões conferem o monopólio do poder a uma pessoa: Olge Tatarov, vice-chefe do Gabinete do Presidente. “A verdadeira razão da demissão de Bakanov e de Venediktova é a entrega da procuradoria-geral e dos serviços de segurança a Oleg Tatarov”, refere, citado por vários jornais.

Mas nem todos têm a mesma opinião, segundo as mesmas fontes, o jornalista e analista militar Yuriy Butusov diz que as demissões são um sinal da concentração de poderes nas mãos do chefe do Gabinete do Presidente, Andriy Yermak.

Duas opiniões que se juntam àquela que parece ser a mais óbvia (o que não quer dizer que seja a verdadeira): as demissões servem para fortalecer o controlo de Zelensky sobre o exército, as agências de segurança e, em geral, sobre toda a cadeia de comando do país.

Os casos assumiram um contexto de escândalo, a tal ponto que a própria Casa Branca se viu confrontada com a necessidade de comentar. Segundo a imprensa norte-americana, Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, disse que Washington não discute nomes mas sim instituições e é a Zelensky que assiste “a lógica para fazer mudanças de pessoas”. Os Estados Unidos afirmam que o país continuará a trabalhar com Kiev na investigação de crimes de guerra e a artilhar informação – uma vez que “a inteligência é um elemento importante da assistência que estamos a fornecer aos nossos parceiros ucranianos em um esforço para ajudá-los na defesa”, disse Price.

Entretanto, Zelensky nomeou o primeiro vice-chefe da SBU, Vasyl Maliuk, para a liderança interina da agência, o que permite assegurar que não ruturas na cadeia de comando. Mas o certo é que o episódio demonstra que o Presidente ucraniano pode estar a ter problemas internos que não são ainda claros para os observadores internacionais.

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