O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português Luís Amado defendeu esta segunda-feira, em Lisboa, que o Brasil e Portugal juntos podem ter um papel "muito importante" na mediação para a estabilização do mundo, que vive uma "guerra fria sem regras".
"Nós estamos já num ambiente de guerra fria, sem regras, sem estruturas e sem os mecanismos que garantiram a estabilidade do sistema [mundial] na primeira guerra fria", afirmou Luís Amado, ao intervir no segundo painel do seminário “O Brasil na nova ordem mundial”, que decorre entre hoje e terça-feira na sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e que abordou o pensamento geoestratégico daquele país da América do Sul.
Para o político, a atual situação de "alto risco" vai ter de ser ultrapassada pelas três grandes potências nucleares, Rússia, China e Estados Unidos da América, "com diálogo e concertação", porque não há possibilidade de controlar "a concorrência, a competição e a confrontação, sem regras e sem diálogo e concertação e sem negociação entre si".
Neste cenário mundial "complexo", países como o Brasil, a África do Sul, a Nigéria, a Índia, a Indonésia e, "eventualmente, a Turquia, com uma função diferente", estarão em condições de "ter um papel e uma função absolutamente fundamentais para garantirem a estabilidade do sistema internacional, a paz e o desenvolvimento durante as próximas décadas", considerou.
Para isso, no entender do antigo chefe da diplomacia portuguesa de governos socialistas, estes países precisam de preservar a sua "autonomia estratégica, a sua capacidade de diferenciação no espaço multipolar, de que o Brasil de alguma maneira já está a beneficiar" pelo trabalho desenvolvido durante algumas décadas.
Luís Amado defendeu que, por isso, "o processo ambicioso de interação e de cooperação estratégica" entre os Governos português e do Brasil, "no plano bilateral, tem uma atualidade muitíssimo grande".
No seu entender, "de alguma maneira", os executivos dos dois países já "estão a definir agendas que (...) convergem nesse sentido”, perspetivando a necessidade de “manter e preservar uma dinâmica de interação comercial, económica e de investimento” e não quererem “hipotecar ou ficar reféns dessa confrontação estratégica entre dois blocos".
Essa confrontação, do seu ponto de vista, "cristalizará o sistema internacional durante pelo menos duas décadas".
"Se Portugal e o Brasil se entenderem numa agenda em que possam desempenhar uma função importante de mediação de toda esta complexa situação internacional (...) sem dúvida que teremos uma agenda de funcionamento bilateral muito importante", frisou.
O antigo MNE recordou que o mundo está "com três frentes de guerra", não sabendo quantas terá mais: "Estamos com uma situação no Médio Oriente apocalíptica, estamos num contexto de proliferação nuclear (...), de migrações descontroladas, de aumento exponencial da pobreza e das desigualdades à escala global e num contexto ainda mais perigoso de corrida aos armamentos", salientou.
Para estabilizar o sistema internacional "a voz de um país do norte, membro da União Europeia e da Nato, como é o caso de Portugal, e um membro do sul e dos BRIC, do G20, como o Brasil, podem e devem desenvolver uma agenda bilateral de cooperação para a agenda multilateral de estabilização do sistema internacional”, concluiu.
O seminário é uma iniciativa da Academia Internacional da Cultura Portuguesa (AICP) em parceria com a Missão diplomática do Brasil Junto à CPLP e contou também com o apoio desta organização.