Apesar de ter trocado a consultoria internacional em full-time pela construção customizada e pela reparação de barcos de recreio de luxo, há sete anos, Jorge Martins manteve a ligação às tecnologias de informação, à estratégia empresarial e ao desenvolvimento de negócios. “Há empresas que ainda solicitam a minha colaboração em algumas áreas”, diz ao Jornal Económico (JE), para acrescentar que continua a ter um interesse pessoal no acompanhamento dos movimentos que dão forma ao mundo.
“Há tendências que afetam claramente a vida de todos nós e podem ter impacto direto na vida das empresas também”, aponta. Hoje, o motor da transformação é a inteligência artificial. “Vai aumentar cada vez mais e as pessoas e as empresas têm de se habituar cada vez mais à sua existência no dia a dia”, avisa.
Jorge Martins considera que as empresas ainda não estão a ter em conta este potencial e, assim, arriscam deixar passar oportunidade. “Acho que falta aos empresários a medição dos impactos que isso pode trazer. Há empresas que podem navegar muito bem à boleia de ferramentas novas que existem, provavelmente até fazendo pequenos ajustes aos seus modelos negócio, mas há claramente potencial”, diz.
A questão da formação, do reforço conhecimento das novas tecnologias e a perceção do impacto que podem ter na atividade das empresas é recorrente quando se aborda a inteligência artificial. “A consciencialização destes fenómenos de aparecimento de novas tecnologias tem de chegar a todos”, diz Martins. “Enquanto empresário, aconselho outros empresários a estarem mais por dentro daquilo que hoje são as ferramentas que estão à sua disposição, o que é que elas fazem, pensarem bocadinho e refletirem no que é podem fazer nas suas empresas com essas soluções e com essas ferramentas, e não delegar estes processos porque isto deixa de ser uma atividade delegável para ser uma atividade estratégica”, afirma. “Se nós estamos completamente por fora destes circuitos, enquanto decisores, não conseguimos ser suficientemente expeditos na interpretação de que isto são temas críticos”, defende. “Enquanto empresário, acho que os empresários têm de ter essa curiosidade, mesmo que não tenham isso de forma inata, para estudarem, perderem mais tempo a verem a tecnologia, a ver o que é que há, a perguntarem”, acrescenta.
O risco, diz Jorge Martins, é perderem o comboio para acelerar o desenvolvimento das empresas.
Formação, formação
A transição digital e o processo de adoção de novas tecnologias, exacerbados pelo período de pandemia de covid-19, levou a uma maior procura por conhecimento especializado, gerando, para muitos agentes, escassez no mercado. Jorge Martins tem uma visão diferente: “Eu acho que nós não temos nenhum problema de talento”, afirma. “A questão do talento não se pode medir pela facilidade com que pessoas trabalham e programam ou não programam, porque hoje não tem nada a ver com programação. Hoje, as ferramentas estão criadas. Hoje, o que nós precisamos é de massa cinzenta. Precisamos de pessoas que investiguem, pessoas que tenham sentido lógico na cabeça, pessoas que venham de setores mais especializado, pode ser física, pode ser química, pode ser astrofísica, pode ser biotecnologia”, defende. “Nós precisamos de pessoas que consigam perceber o que é que as ferramentas hoje têm para dar e como é que nós podemos utilizar essas ferramentas em benefício da nossa empresa”, sublinha.
“Eu acho é que as empresas têm preguiça de procurar essas pessoas, por um lado. Em segundo, não dão a confiança necessária para que as pessoas que tenham vontade de aprender e de trabalhar possam ir para as organizações”, sustenta.
O exemplo que dá é do seu setor, da construção, reabilitação e manutenção de barcos de recreio de luxo. “No meu setor tenho tecnologia, mas também tenho carpinteiros, tenho pintores, tenho eletricistas, são os meus programadores que eu tenho agora. Eu não consigo ir buscar um eletricista ao mercado, saído da faculdade, que perceba alguma coisa de eletricidade, tenho de o formar. O que faço é, primeiro, perguntar se tenho vontade de aprender, sim ou não; se tenho vontade de aprender, eu diria que já tenho 50 % das competências básicas. E os outros 50% é se a pessoa tem vontade de trabalhar. E esse é que para mim pode ser o principal problema, não é tanto o primeiro. Mas, se tiver os dois, eu diria que isso completa os 100 % da minha exigência e, a partir daí, a pessoa está dentro da empresa e é ensinada. Nós ensinamos as pessoas a trabalhar, ensinamos as pessoas com as competências certas, ensinamos as pessoas sobre o que é o tema da eletricidade”, conta. “As empresas têm de ter vontade de consumir o seu tempo na formação das pessoas, mas têm de ser pessoas que têm vontade de trabalhar”, sublinha.
Jorge Martins deixou a Capgemini em 2017, para fundar a ROM Boats e a Neptune Devotion Yacht Refit Services, dedicadas ao fabrico de barcos de luxo customizados e à reabilitação, reparação e manutenção, num investimento de três milhões de euros.