O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) completou 20 anos em março, mas em pouco se assemelha ao texto inicial. Desde 2004, houve mais de uma dezena de alterações ao diploma. O advogado Nuno Gundar da Cruz, que coordena a equipa de reestruturação e insolvência da Morais Leitão (ML), defende a criação de uma comissão para avaliar a eventualidade de um novo código.
“Eu tendo a crer que pensar num código novo pode ser a melhor solução. Ou, pelo menos, criar uma comissão para estudar essa hipótese. Ainda que 20 anos, para um diploma que consubstancia um código, não seja assim tanto. O Código Civil é de 1967 e está perfeitamente atualizado, porque a revisão de 2013 não o mudou todo. A verdade é que a legislação de insolvência e reestruturação é uma especialmente suficiente suscetível às dinâmicas e políticas económicas, sendo a razão pela qual sofre tantas alterações”, explica ao Jornal Económico (JE).
O advogado da ML não só antecipa mais alterações à legislação como acredita que, mais tarde ou mais cedo, se avançará para a elaboração de um novo código. Porquê? Para evitar dois problemas: tornar-se, desnecessariamente, uma “manta de retalhos” e confuso, tendo em conta que, inicialmente, foi pensado para uma economia diferente - e que tínhamos há 20 anos - e para a liquidação das sociedades em insolvência, quando quer o próprio processo de insolvência quer os outros instrumentos disponíveis (PER, PEVE, RERE, PEAP…) neste momento estão direcionados para recuperação.
A sociedade de advogados Uría Menéndez também organizou um encontro dedicado a este tema, no qual David Sequeira Dinis foi o “mestre de cerimónias”. Em declarações ao JE, o sócio de contencioso, insolvência e situações de crise contou que a maior conclusão foi a necessidade de se apostar na recuperação da empresa. Como “Não há caminhos únicos nem fórmulas sagradas. Procurámos demonstrar que uma venda em liquidação, desde que célere e ágil, pode ser uma forma de vender o estabelecimento comercial e assegurar a viabilidade do projeto empresarial, ainda que nas mãos de um novo dono. Procurámos também chamar à atenção para o facto de que, fruto das novas regras do PER, é preciso ser, cada vez mais, profissional na preparação destes processos, porque a margem para erro é cada vez menor”, esclareceu.
Novo aumento nas falências
Portugal registou um aumento das insolvências em agosto, que deverá continuar nos próximos meses. Segundo os dados da consultora Iberinform e da Allianz Trade, as falências subiram, em termos homólogos, entre os 8% a 11%, no mês passado. Num país marcado por casos sonantes, como Groundforce ou Inapa, é expectável que a trajetória ascendente de insolvências se mantenha último trimestre de 2024.
De acordo com David Sequeira Dinis, a atividade do escritório nos sectores da indústria, tanto em reestruturações como insolvência, é um “bom barómetro” da situação. “A indústria não beneficiou da reestruturação forçada que ocorreu no sector do imobiliário e do turismo da última grande crise financeira, não beneficiou (como o imobiliário e o turismo) do aumento dos preços e da vinda de vários estrangeiros para Portugal e ainda tem que enfrentar vários desafios, como o aumento dos custos da energia (agora estabilizado), o aumento dos custos das matérias primas, o encerramento dos mercados de Leste fruto da guerra na Ucrânia, as dificuldades do setor automóvel e industrial da Alemanha (muito relevante) e, por fim, a concorrência da China (também muito relevante)”, enumera.
Nuno Gundar da Cruz diz que com estas taxas de juro, os “investidores globalmente desconfiados” num contexto de eleições presidenciais dos Estados Unidos este ano e legislativas na Alemanha em 2025, guerras na Ucrânia e no Médio Oriente e desaparecimento quase por inteiro dos apoios relacionados com a pandemia, criam-se fatores que “reduzem o investimento, portanto há operadores menos sustentáveis no seu negócio que vão ao ar”
“Será inevitável [aumentarem as insolvências] até que haja novos fatores que possam dinamizar a economia e o investimento e facilitar o financiamento”, prevê o advogado que também parte do conselho consultivo do projeto de investigação IN-SOLVENS (ver páginas anteriores).