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Miguel Santo Amaro: "Fazia sentido ser possível baixar o salário bruto e trocar por benefícios sociais"

O CEO da Coverflex diz que está a tentar falar com o Governo para propor para o país algo que, para este investidor e empreendedor, faz sentido repensar: um conceito que, em Espanha, se chama de "sacrifício salarial" e pode beneficiar trabalhadores e empresas.

A Coverflex arranca 2024 com a formalização da entrada em Espanha. Era uma solicitação das empresas?

Temos cerca de 350 clientes em Portugal com operações em Espanha que viam mais-valias em ter Coverflex em Espanha: Glovo, Revolut, Visa, WPP, PwC… Começámos a internacionalização por Itália, porque no mercado de benefícios sociais, Itália é, provavelmente, o mais interessante a par com França, que é ainda maior em termos de volume de negócio e extremamente competitivo, porque tem várias marcas estabelecidas, como a Sodexo ou a Edenred. Em Portugal já nos queixamos bastante da TSU a 23% e da carga fiscal do lado do colaborador, mas em Itália é mais de 40% na empresa entre 40 e 50% do lado do colaborador. Os modelos tradicionais estavam a ser um bocadinho abutres na forma como operavam porque nunca tiveram a obrigação de criar uma melhor experiência para o cliente final. Mesmo o leque de ofertas que davam em termos de benefícios sociais era bastante restrito.

E em Portugal?

Estou até a tentar falar com o Governo português, porque acho que há algo em Portugal que, para mim, faz sentido repensarmos: o conceito que, em Espanha, se chama de sacrifício salarial. No fundo, a consequência disso é a retribuição flexível. Em Portugal, para remunerar alguém com 30 mil euros, quando coloco isso no contrato de trabalho, depois é anticonstitucional negociarmos com o colaborador e baixar esse rendimento bruto. Nunca se pode baixar o rendimento bruto, numa perspetiva de salvaguarda o interesse do colaborador.

Onde é que nota erros?

Infelizmente, pela forma como foi criado, o que isto faz é não possibilitar - por exemplo, alguém que não tinha filhos quando foi contratado e passados dois anos tem dois filhos – otimizar o seu rendimento bruto. Não consigo baixá-lo e trocar um diferencial, por exemplo, por vales sociais de infância, que são tributados a 100%. Logo, prejudica o colaborador, porque para lhe darem um vale de infância teria de envolver um aumento salarial, um aumento da retribuição, e dar-lhe esse diferencial em benefício social. Se fosse possível baixar um pouco esse rendimento, com o mesmo custo para a empresa, o colaborador teria mais rendimento líquido no final do mês.

Acha viável em Portugal?

É algo possível em Espanha e gostávamos de trabalhar com o Governo e com as várias instituições para o garantir também em Portugal. Ainda estamos a tentar… O colaborador teria sempre a hipótese de escolher. Estamos a trabalhar com a Startup Portugal, com o ex-ministro da Economia Manuel Cabral, para garantir que os colaboradores das startups podem ter melhores benefícios sociais no regime das stock options. Não se é rico a trabalhar em startups, mas depois quando há um caso de sucesso as pessoas acabam por pagar mais impostos sobre as stock options do que rendimento retirado das stock options.

O que é que achou da tão aguardada lei das startups?

Tenho muito orgulho em fazer parte do Conselho Estratégico da Startup Portugal para garantir que estamos a melhorar. Já foi uma melhoria interessante em relação ao que tínhamos antes: definir o estatuto de startup e scale-up na sociedade e fazer com que depois haja políticas concretas para a contratação. Na parte fiscal, era um problema ter de pagar impostos antes de haver qualquer nível de liquidez na startup. Infelizmente, como quase em tudo, é insuficiente.

Neste sector, um dos vouchers mais sonantes nos últimos tempos, foram os das competências digitais, mas por vezes ouve-se que é difícil operacionalizar. Já utilizaram?

Não utilizamos. Vemos com bons olhos. É um bom incentivo. Não só estamos na cauda da Europa na questão da literacia financeira como nos estamos a conseguir colocar, enquanto país e Lisboa capital, no topo da inovação. No entanto, depois não temos o talento técnico de que precisávamos. Acho que há muita gente que poderia beneficiar disso. Por exemplo, a Academia. Código fez um excelente trabalho nos últimos anos. O Daniel Francisco foi a primeira pessoa da Academia de Código que beneficiou dos bootcamps e depois entrou na Uniplaces. Há outras empresas a dar esse acesso, como a Student Finance.

Por falar em Uniplaces. Que relação é que ainda mantém com a empresa? Parece que estamos novamente no ano em que fundou a startup, 2012, porque o problema que a fez nascer é o mesmo: não há casas para estudantes.

É verdade. Em 2019, passei a pasta ao Cyril Jessua com muito agrado. Lidera essa equipa, é francês e conseguimos trazê-lo para Portugal ao abrigo do RNH [Residente Não Habitual]. Era quem estava à frente da Groupon na Europa e no Canadá. Atualmente, está a fazer um excelente trabalho na Uniplaces e, graças a ele, consigo focar-me na Coverflex. Faço um acompanhamento enquanto acionista e no conselho de administração, mas é só.

Já só acompanho a Uniplaces enquanto acionista e no conselho de administração

Na perspetiva do Governo, Portugal já beneficiou q.b. do RNH e acaba por ser uma política injusta para os portugueses, portanto é preciso nivelar por baixo em vez de nivelar por cima. Em vez de conseguimos garantir que toda a gente tem o mesmo tipo de taxa, «vamos abolir o benefício». No fim, vamos todos ser prejudicados. Por exemplo, no hub de apoio a serviços da Google, que conseguimos atrair para Portugal, a maioria das pessoas contratadas foi nesse regime. Não acho que tenha sido pelo RNH que as casas ficaram mais caras. Não construímos foi casas suficientes, portanto, não há oferta e os preços sobem. Construiu-se nos media a ideia de que isto é o Dubai, que se paga zero % de impostos, mas não é. Itália até tem um regime muito mais interessante.

E na Coverflex?

Não temos muitos casos de RNH. A maioria das pessoas são portuguesa, mas acabamos por conseguir captar talento estrangeiro, que se calhar ia para a Itália, Espanha, França ou Alemanha. O país é fantástico em termos de acessos e clima.

Quantas categorias de benefícios têm à data?

Neste momento temos a categoria do cartão de refeição, dos benefícios sociais, onde se inserem os vales de educação, de infância e também seniores ou o reembolso do passe social. Há também uma área de despesas corporativas, em que temos uma parceria com a Apple e queremos estabelecer com outras organizações, e a dos seguros (acidentes de trabalho e saúde). Estamos a lançar agora o nosso seguro de vida. Queremos também entrar na lógica dos PPR [Plano Poupança Reforma] e dos fundos de pensão.

Já estão a negociar com as seguradoras?

Sim e temos também uma resseguradora grande, a SCOR Re que é a maior francesa e foi nossa investidora na última ronda de capital. Vai-nos permitir criar produtos mais inovadores e flexíveis. Além disso, queremos trabalhar com benchmarking salarial para as empresas para as podermos ajudar a garantir que estão a remunerar bem ou saberem em que nível estão a remunerar e os colaboradores também terem essa perceção.

Queremos trabalhar com benchmarking salarial para as empresas para as podermos ajudar a garantir que estão a remunerar bem

Há benefícios no vosso cartão que são tributados…

Benefícios sociais não são remuneração. São benefícios sociais. Portanto, há um valor base que, ao contrário de Espanha – onde com o sacrifício salarial eu posso trocar até 30% do valor – no qual eu posso mexer. Só posso olhar para valores variáveis e adicionar valores nos benefícios sociais. Aí sim, esses benefícios nunca são tributados em sede de Segurança Social, nem para a empresa nem para o colaborador, mas depois há alguns valores que são tributados em sede de IRS do lado colaborador. É o que acontece em dois exemplos próximos e distantes, ao mesmo tempo: o vale infância, das creches até aos sete anos, e o vale educação, para a partir dos oito aos dez anos. O que fazemos na Coverflex é promover essa gestão dos pagamentos, da tributação, diretamente com a empresa. Em vez de obrigarmos o colaborador a fazer uma pré-escolha pode fazê-la à posteriori.