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Michael Jäger: "IRC mínimo irá levar países com baixa carga fiscal a pedirem transferências da UE"

O presidente da Associação dos Contribuintes da Europa mostra-se contra um acordo para o IRC mínimo de 15%, alegando que a harmonização fiscal global arrisca transformar-se num "cartel fiscal" e irá levar países como Malta ou Chipre, com impostos baixos, a pedirem apoios a Bruxelas.

O acordo para um IRC mínimo global pode ser um passo para a cobrança de impostos pela UE, algo que contraria os seus tratados fundadores, e o excesso de regulação cria incentivos a que mais países ricos sigam o caminho britânico e optem por abandonar uma União cada vez mais centralizada, defende a Associação de Contribuintes da Europa (TAE, em inglês). O grupo fez-se representar pelo seu presidente, Michael Jäger, na primeira conferência realizada pela sua homóloga portuguesa, a Associação Portuguesa de Contribuintes (APC), onde esteve à conversa com o JE, pedindo estabilidade fiscal aos políticos portugueses, de forma a deixarem as empresas trabalhar.

 

Há agora um início de acordo para o estabelecimento de um IRS global mínimo de 15%. Teme que isto possa ser um primeiro passo para a UE tentar cobrar impostos?

Sim, há certamente esse risco. Todas as novas regulações e harmonizações levam a um risco de mais taxação e mais controlo. Isto é uma ideia vinda dos EUA, que têm um imposto mais elevado e queriam uma taxa mínima mais alta. Nós somos a favor da competitividade. Tem de ser justa, claro, mas deve ser uma decisão dos Estados, como na Bulgária, Malta, Chipre ou até Portugal. Se quiserem ter impostos mais baixos e conseguirem financiar o Estado com essa receita, deve ser uma decisão vossa. Também é uma questão de alocação: [Portugal] está muito para oeste, tem uma grande distância [ao centro da Europa] – com estes custos logísticos, porque haveria alguém de investir aqui se pode fazer o mesmo em França ou Viena? Um dos fatores será a questão fiscal. Portanto, não somos a favor da harmonização, mas sim da competitividade. Agora sugerem 15%, mas o que acontece se os próximos ministros dizem que precisamos de 18%? E a seguir 25%? É como um cartel fiscal. Só com mais oferta se garante a competitividade. A harmonização é um primeiro passo para mais impostos indiretos e não estava prevista nos tratados da UE.

Parece-lhe que esta iniciativa agrava as tensões na UE entre Norte e Sul?

Acho que o principal problema dos países do Sul é de reformas estruturais, que também começa a ver-se em países mais velhos, como a Alemanha. Quem não faz o seu trabalho de casa vai sofrer e aí teremos mais pagadores líquidos. O grande problema para todos os países é se a Alemanha continuar com estas políticas erradas. Desde que tenhamos países fortes – não necessariamente do Norte, mas fortes – fica mais fácil apoiar os países mais frágeis – não necessariamente do Sul. O sistema diz querer solidariedade, mas os princípios da UE diziam que a subsidiariedade implicava responsabilidade individual. A forma normal de fazer as coisas é resolver um problema numa aldeia, depois numa cidade, num estado, num país e na Europa; atualmente está ao contrário, tudo vem de cima, de Bruxelas. Isso está errado, perde-se imenso dinheiro. Acho que os impostos não minimizam estas diferenças. Retirar a competitividade fiscal irá levar a que certos países com baixa carga fiscal, como Chipre ou Malta, aleguem que precisam de transferências, o que deveria ser uma exceção.

E vê aqui um incentivo a que alguns países mais ricos queiram deixar a UE, como fez o Reino Unido?

Temos de nos questionar porque é que o Reino Unido decidiu sair. Foi um reflexo de algumas reformas que eles queriam. Lembro-me que, aquando do Brexit, a Comissão afirmou que tinha aprendido lições e tinham de fazer reformas – consegue dizer-me quantas foram feitas? Nenhuma. Pelo contrário, temos mais regulações, mais centralização, menos liberdade económica. Por isso, é claramente um incentivo para outros países dizerem que não querem pagar mais, não têm independência, não têm política de migração comum nem de defesa. Os grandes pilares estão a faltar e noutras áreas temos mais centralismo, por isso alguns países mais ricos podem querer sair. É um enorme risco e daí que tenhamos de reformar a UE de volta às suas raízes. Mais Europa onde é necessário e menos onde é possível.

Que tipo de medidas seriam importantes nessa reforma?

Por exemplo, um teste de impacto legislativo, um pouco como os testes de stress da banca. Quando se faz uma nova lei, deve ser provado o impacto para as pessoas e empresas. Por isso queremos levar a cabo uma campanha para reduzir a burocracia em 25% e parte disso implica testes de impacto. Se uma lei não atinge o seu objetivo, deve ser revogada. Não podemos ter um sistema mau que continua a ser renovado, é isso que se faz em Bruxelas, regulação em cima de regulação. Não se pode regular as indústrias sem falar com os seus agentes.

Parece-lhe que os legisladores em Bruxelas têm presente que estão a mexer com o dinheiro das pessoas?

Está muito distanciado. Por vezes, sentimos que os contribuintes não sabem o que se está a passar com o seu dinheiro. Um exemplo interessante: as [leis sobre] finanças verdes não foram avançadas pela Comissão, foi o sector bancário que pediu. Dizemos sempre aos agentes para não pedirem a Bruxelas que crie novas regras, porque isso inicia a máquina e não se sabe o resultado. Toda a regulação deve criar valor acrescentado. Não se pode falar em sustentabilidade ou ecologia sem uma abordagem de mercado. Se queremos ser líderes mundiais, temos de criar modelos replicáveis que outros países possam copiar. Estas soluções para salvar o planeta têm de ser guiadas pela inovação, não pela regulação. Se destruirmos o nosso mercado sem reduzirmos emissões, isso é muito estúpido.

Ao mesmo tempo, a dívida na UE disparou nos últimos anos, mantendo-se acima dos 60% definidos em Maastricht. Como vê esta dinâmica?

Os Estados têm de fazer algo em relação a isso, é óbvio. Devia ser standard os governos não assumirem mais dívida nova. E quando, por algum motivo, têm de contrair dívida, devem ser obrigados por lei a explicitar quando a vão pagar e o que vão fazer com ela. O que temos agora com o NextGenEU é precisamente o contrário, começamos a pagar daqui a uns anos e aí o parlamento e a Comissão terão de pagar o que foi usado agora. Não é justo. As gerações futuras, que se calhar nem vão ser contemporâneas destes políticos, terão de pagar as suas decisões. É um peso e uma má herança.

No caso português, que objetivos lhe parecem prioritários para a Associação?

O arranque foi bom, era uma associação necessária, mas agora tem de haver um acompanhamento. Seria fundamental haver uma discussão aberta com todos os partidos, Estado e decisores para se aperceberem que precisam de reformas. Continuando assim, isso reduzirá a vossa competitividade, o nível de vida. É sobre isso que têm de pensar e falar, como e onde o dinheiro é gasto, têm de definir prioridades. Portugal tem das taxas mais altas para as empresas e também lidera nos impostos sobre o rendimento, por isso já são um país de impostos altos. Há teorias comprovadas que defendem que, para países com taxas muito altas, baixar impostos leva a mais receita. Outra coisa: havendo mudanças no governo, deixem as empresas trabalhar. Não mudem as leis todas. Os empreendedores precisam de estabilidade.