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Mary Hopkins: “A UE deveria apoiar melhor os países que pretendem aderir, com mensagens mais consistentes e apoio tangível”

A governação democrática na Eurásia regrediu pelo 20º ano consecutivo, em 2023, segundo a Freedom House. Mary Hopkins, investigadora associada da organização, avisa que a afirmação e aprofundamento das autocracias é um problema, pela influência que tem nos outros países, e que a União Europeia deve atuar no apoio aos reformadores.

A governação democrática na Eurásia, a região que se estende da Europa Central à Ásia Central, regrediu pelo 20º ano consecutivo, em 2023, com a Freedom House a assinalar, no seu último relatório, que, dos 29 países abrangidos, 10 sofreram quedas na sua Pontuação de Democracia, enquanto apenas cinco registaram melhorias.

Em entrevista ao Jornal Económico, Mary Hopkins, investigadora associada da Freedom House para a Europa e a Eurásia, avisa que a afirmação e aprofundamento das autocracias é um problema, pela influência que tem nos outros países, e que a União Europeia (UE) deve atuar no apoio aos reformadores.

 

Como evoluíram os países dos diferentes grupos – regimes autoritários a democráticos – desde o último relatório da Freedom House?

O relatório Nações em Trânsito de 2024 concluiu que está a ocorrer uma reordenação geopolítica na região, com os países a dividirem-se em dois blocos opostos: os que estão empenhados numa ordem liberal e democrática e os que a rejeitam violentamente. Existem dois fatores que impulsionam esta reordenação. O primeiro são os 20 anos de declínio da governação democrática e o segundo é a expansão da agressão autoritária nos últimos anos, especificamente na Ucrânia e em Nagorno-Karabakh.

Este ano não foi diferente. Quatro dos oito regimes autoritários consolidados caíram ainda mais nas nossas classificações, e quatro dos cinco países que registaram melhorias na sua Pontuação de Democracia global este ano já foram categorizados como “Democracias Consolidadas” ou “Semiconsolidadas”. Globalmente, num contexto de declínio democrático regional, os países estão a avançar mais concretamente para polos opostos de democracia e autocracia.

Estamos a falar de degradação das condições nos regimes democráticos ou também no aprofundamento dessa tendência nas autocracias?

Todas as regiões e tipos de regime sentiram o impacto da erosão, mas a razão pela qual assistimos a 20 anos de declínio neste relatório deve-se à queda acentuada das pontuações em países que já eram classificados como regimes autoritários. Apesar das melhorias registadas entre as democracias e alguns regimes híbridos, o impacto do agravamento das condições nos países autoritários foi tão forte que quaisquer tendências de progresso na região foram em grande parte ofuscadas pela extensão da repressão em locais como a Rússia, a Bielorrússia, o Turquemenistão e outros.

Outra tendência de longo prazo destacada no relatório, à qual vale a pena prestar mais atenção, é o crescimento de um tipo de regime, o regime transicional ou híbrido [com características dos de democracias e autocracias]. Em 2005, havia apenas quatro países considerados híbridos; agora, são 11.

Este ano, os países híbridos ficaram presos entre blocos democráticos e autocráticos cada vez mais endurecidos, com alguns numa trajetória claramente antidemocrática – em 2024, cinco registaram um declínio geral nas suas pontuações de democracia e apenas um melhorou.

O relatório deste ano disseca ainda esta grande e diversificada categoria de países em três grupos – “híbridos autocratizantes”, “híbridos democratizantes” e “híbridos cíclicos”, de acordo com as suas trajetórias democráticas ao longo dos últimos cinco a 10 anos.

A possibilidade de futuras reformas democráticas pode depender de um país estar a evoluir no sentido de uma liderança mais autocrática (como na Hungria), de estar a investir e a prosseguir reformas democráticas (como na Ucrânia), ou de ter oscilado para frente e para trás ao longo do tempo, ao longo dos anos (como no Montenegro).

Os defensores da democracia fariam bem em reconhecer estas distinções e adaptar a política nesta região em conformidade.

Olhando para o mapa, podemos ver que todos os regimes autoritários cercam a Rússia. Existe uma influência negativa? Pode espalhar para outros estados?

Absolutamente, para ambos, e não é um processo passivo. Os autocratas de todo o mundo têm cooperado cada vez mais entre si para promover objectivos partilhados – e o Kremlin destaca-se como um dos principais facilitadores na região. Ao longo da última década, Vladimir Putin e o Kremlin ajudaram outros regimes autocráticos – da Bielorrússia ao Cazaquistão – a reprimir a oposição interna e a criar um sistema global que permite às elites autocráticas enriquecerem e permanecerem no poder. Esta rede internacional também tem sido utilizada para expandir e apoiar a agressão autoritária no estrangeiro – especialmente na Ucrânia e em Nagorno-Karabkah – o que torna o trabalho de combate à ordem mundial autoritária emergente ainda mais importante. É claro que o Kremlin não é responsável pelas decisões de política interna e externa de outros países, mas certamente permitiu-as.

O relatório menciona as eleições europeias em junho. Como poderia uma mudança para a direita influenciar as nações em trânsito?

É difícil dizer qual será o impacto dos resultados eleitorais na região. Neste momento, a UE deveria tornar uma prioridade estratégica o apoio aos esforços para reforçar a democracia e dar resposta às preocupações com o Estado de direito nos Estados-membros. Muitos candidatos a reformadores na UE estão a lutar para promover mudanças importantes através de um quadro jurídico e institucional que foi fortemente prejudicado por governos iliberais anteriores ou mesmo atuais. Além disso, a UE deveria apoiar melhor os países que pretendem aderir, com mensagens mais consistentes e apoio tangível. Independentemente do resultado, a UE deve esforçar-se por alcançar estes objectivos sem permitir que as eleições europeias perturbem o seu trabalho neste momento geopolítico precário.

Como pode a UE influenciar os regimes híbridos, especialmente nos Balcãs? Através de um processo para os trazer para a UE?

Nos Balcãs Ocidentais, não houve melhorias na pontuação este ano e quatro dos sete países diminuíram globalmente.

A Sérvia, cuja queda nas classificações foi a mais acentuada de qualquer país no relatório deste ano, estabeleceu de facto um tom preocupante para o resto dos Balcãs Ocidentais, onde a corrupção, a politização do poder judicial, a diminuição da liberdade dos meios de comunicação social e a má governação local continuaram a ser problemas persistentes em 2023.

Nos países que pretendem aderir (que são quase todos os regimes híbridos do nosso relatório), a UE deve apoiar os esforços de reforma dos governos e dos intervenientes cívicos que sejam consistentes com os princípios democráticos e o Estado de direito, especialmente com assistência financeira e programática.

Para alcançar os melhores resultados para as instituições democráticas nos candidatos a membros, a assistência, o envolvimento e as mensagens devem ser adaptados de acordo com as recentes trajetórias democráticas destes países.