O Governo manteve o crescimento da economia portuguesa em 1,5% este ano, a mesma evolução do Produto Interno Bruto (PIB) que foi projetada no Orçamento do Estado para 2024 e apenas uma décima abaixo das previsões macroeconómicas da Aliança Democrática (AD) no programa eleitoral. E estima um excedente orçamental de 0,3% sem impacto de novas medidas, ligeiramente acima dos 0,2% inscritos no OE, o que perfaz mais cerca de 300 milhões de euros de margem orçamental para o novo Executivo. As projeções constam do Programa de Estabilidade (PE) 2024-2028 entregue nesta segunda-feira,15 de abril pelo Governo ao Parlamento e que será enviado à Comissão Europeia até ao final do mês.
A versão agora entregue é muito próxima daquela que o anterior ministro das Finanças, Fernando Medina, deixou, para adiantar trabalho ao sucessor, sendo o cenário macroeconómico apresentado pelo Executivo de Luis Montenegro desenhado numa base de políticas invariantes, não refletindo os impactos orçamentais das medidas previstas no programa do Governo. Em setembro, terá, no entanto, de ser apresentado um Plano Nacional Orçamental de Médio Prazo, como determinam as novas regras europeias, refletindo já as opções políticas do atual Governo.
O Ministério das Finanças prevê, assim, um crescimento do PIB de 1,5% este ano, 1,9% em 2025, 2% em 2026, 1,5% em 2027 e 1,8% em 2028, tendo por base a informação disponível até 31 de março com base nas medidas traçadas pelo anterior Executivo, pelo que os níveis de crescimento da economia se fixam abaixo das taxas acima de 2% em 2025 e 2026 e aquém das projeções de 3% e 3,4% nos anos seguintes, previstas no programa da AD.
Ao nível do saldo global, prevê um excedente orçamental de 0,3% do PIB este ano e em 2025, seguido de 0,1% em 2026, 0,6% em 2027 e 0,4% em 2028.
Os números do saldo global do cenário agora apresentado pelo Governo estão abaixo dos que foram divulgados ainda na semana passada pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) ao prever um excedente de 0,5% do PIB para este ano, que equivale a cerca de 1,4 mil milhões, contra os cerca de 800 milhões agora apresentados pelas Finanças. Mas acima dos 0,2% orçamentados (cerca de 500 milhões).
“Em 2024, espera-se que o saldo orçamental se situe em 0,3% do PIB, em linha com o apresentado na proposta de Orçamento do Estado para 2024, dado que, apesar de o resultado de 2023 ter sido melhor do que o previsto, o saldo de 2024 reflete a revisão do cenário macroeconómico e informação atualizada a abril de 2024”, refere o Programa de Estabilidade.
Nos programas eleitorais, a AD estimava para este ano um excedente orçamental de 0,8% do PIB e o PS de 0,4%. Já no Orçamento do Estado de 2024 (OE 2024), que foi aprovado e está em vigor, está previsto um excedente de 0,2%, pelo que a projeção do saldo global de 0,3% para este ano fica 0,1 pontos percentuais acima do que previa o anterior Governo, o que representa mais cerca de 300 milhões de euros. Isto porque, assumindo que o PIB nominal deste ano possa rondar os 270 mil a 278 mil milhões de euros, aquela diferença de 0,2% para 0,3% do PIB oscila entre 270 a 278 milhões de euros.
Com base nestas estimativas do Programa de Estabilidade, o Executivo de Montenegro fica com uma margem orçamental global superior a 800 milhões de euros (entre 810 e 834 milhões de euros) este ano (referente aos 0,3% de excedente orçamental), contra os cerca de 550 milhões que representam o excedente de 0,2% previsto no OE2024 (mais cerca de 300 milhões de euros) e que pode ser canalizado para as medidas de política, que incluem alívio fiscal do IRS que deverá custar cerca de 200 milhões de euros, sinalizados na semana passada pelo Ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.
O programa estima, também, que a economia portuguesa cresça 1,5% este ano, mas que o ritmo de crescimento acelere até 2%, em 2026, puxada pelo investimento e pelo crescimento das exportações.
Em 2027, prevê-se uma quebra de 0,5 pontos percentuais no ritmo de expansão do PIB, coincidente com o fim do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para 1,5%, seguido de uma aceleração para 1,8%, em 2028.
O trabalho para o Programa de Estabilidade foi feito pelo Gabinete de Estudos e Relações Internacionais (GPEARI) do Ministério das Finanças e tem um tom mais cauteloso do que anteriormente, incorporando algum atraso na concretização do PRR e incerteza na evolução economia internacional.
O documento será discutido no Parlamento, a 24 de abril, e entregue em Bruxelas, mas a Comissão Europeia já sinalizou que não o avaliará. Também o português Conselho das Finanças Públicas não o analisará.
Apesar disto, o Governo optou por aprovar e levar a debate um documento minimalista, que tem por bases políticas invariantes.
Novas regras de Bruxelas forçam ajustes
É a última vez que o documento tem de ser aprovado e enviado para Bruxelas. Com a reforma orçamental, vai ser substituído ainda este ano por outro programa, a entregar em setembro.
O Programa de Estabilidade foi aprovado na quarta-feira da semana passada, tendo na altura o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, sinalizado que após diálogo com as instituições da União Europeia, o cenário e o conteúdo do Programa de Estabilidade baseiam-se “em políticas invariantes, não refletindo por isso as opções e medidas discricionárias” previstas no Programa de Governo, entregue no dia 10 de abril no parlamento.
Em causa está uma versão simplificada do documento com o cenário de políticas invariantes, que contempla as medidas já legisladas e previstas, ficando, assim, de fora o impacto orçamental das medidas de política previstas pelo Executivo como o alívio do IRS.
O Parlamento tem agora 10 dias para votar e aprovar o Programa de Estabilidade, que tem de chegar a Bruxelas até ao final de abril. Este processo vai, assim, repetir-se excecionalmente este ano, porque até 20 de setembro os Estados-membros já têm de entregar o novo “Programa Nacional Orçamental Estrutural de Médio Prazo”, como avançou recentemente o coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e sinalizou a presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP). Esta entidade confirmou ontem o seu entendimento que o Programa de Estabilidade, num cenário em políticas invariantes, “não é suscetível de Parecer para efeitos de endosso”. Ou seja, o documento não terá de ter a avaliação do CFP.
Mas futuramente terá irá incluir o impacto orçamental das medidas do novo executivo e tem de ter em conta os limites da despesa, porque a disciplina orçamental está de regresso, após ter estado suspensa pela pandemia.
O comissário europeu da Economia sinalizou em fevereiro esperar que as novas regras orçamentais da UE entrem em vigor já em 2025, dada a concordância dos Estados-membros, o que implicaria que apresentassem planos plurianuais (a quatro ou sete anos] a partir de setembro deste ano. Estas regras de disciplina financeira terão, pois, de constar no Programa Nacional Orçamental Estrutural de Médio Prazo, cujo documento o Executivo da AD terá de entregar à Comissão Europeia. Será este plano que terá de o adaptar ao seu plano orçamental, exigindo-se maior detalhe nas medidas de política do que o Programa de Estabilidade (PE), entregue agora no Parlamento.
A decisão de Bruxelas surge na sequência do acordo sobre a reforma das regras orçamentais do bloco, visando garantir a recuperação das finanças públicas e a preservar simultaneamente o investimento. Em causa está a prevista retoma destas regras orçamentais, após a suspensão devido à pandemia de covid-19 e à guerra da Ucrânia, com nova formulação, apesar dos habituais tetos de 60% do PIB para a dívida pública e de 3% do PIB para o défice.
No acordo foi fixada a diminuição da dívida de, pelo menos, um ponto percentual ao ano para os países com um rácio da dívida superior a 90% do PIB (como é o caso de Portugal) e de meio ponto percentual para os que estão entre este teto e o patamar de 60% do PIB.
Caberá aos Estados-membros preparar os seus planos nacionais, tendo Montenegro de apresentar o novo plano orçamental de médio prazo que vai ter de respeitar os tetos de despesa determinados por Bruxelas sob pena de violação das normas.
No discurso da tomada de posse como primeiro-ministro, Luís Montenegro mostrou estar ciente destes desafios. Assegurou que vai cumprir as promessas de desagravamento fiscal, de valorização dos salários e das pensões, de reestruturação dos serviços públicos e modernização do Estado. Mas deixou uma garantia: “vamos fazê-lo não à sombra da ilusão de um excedente, mas antes com a âncora de uma economia mais produtiva e competitiva e um Estado renovado e eficiente”.