Apesar da tendência global decrescente de desconfiança para com a vacinação, os apelos para que o Governo avance com um plano mais abrangente de vacinas par adultos multiplicam-se. Pessoal médico e economistas da saúde lembram os ganhos para a sociedade com menos internamentos, menos despesas com tratamentos em ambulatório e menos faltas ao trabalho por doença, embora reconhecendo que uma das principais dificuldades é como comunicar eficientemente à população estes benefícios de médio e longo prazo. Ao JE, a professora e economista da saúde, Céu Mateus, defende também a necessidade de adequar a estratégia comunicativa aos vários grupos geracionais e populações migrantes, sobretudo numa altura em que os problemas no sistema de saúde são bastante evidentes.
Em que ponto está atualmente o plano de vacinação para adultos em Portugal?
Já há vacinas de adulto incluídas no plano nacional de vacinação (PNV). Temos a vacina da gripe e da Covid-19, que são calendarizadas para adultos com mais de 65 anos de idade e os mais vulneráveis. Houve também agora um esforço para que a vacinação do tétano ocorra. A questão é como se conseguem introduzir novas vacinas no PNV e alargar para que incluam adultos. Tem havido uma preocupação maior com os grupos mais envelhecidos, mas a vacinação de adultos não é só para as pessoas com mais de 65 anos. O que se antecipa e um dos motivos ligados à necessidade de reflexão sobre este assunto prende-se com a investigação nesta área, onde se antecipa que vão aparecer cada vez mais vacinas para adultos acima dos 18 anos. Isso vai trazer constrangimentos financeiros para o sistema de saúde.
Em termos políticos, como se pode comunicar de forma eficiente os ganhos que esta política pode ter?
Acho que os benefícios têm de ser agrupados em três áreas: os direto para a saúde da população, porque quando somos vacinados e não adoecemos, obviamente, isso é bom para nós e não só – as vacinas têm externalidades positivas, o benefício para a sociedade é maior do que o individual; há um benefício também para a sociedade porque, em populações ativas, que trabalham dentro e fora de casa, não adoecendo, não faltam ao trabalho; numa outra área estão os benefícios para o sistema de saúde, porque, mesmo podendo adoecer vacinados, a severidade da infeção é muito menor. Pessoas com outras doenças crónicas, quando não são infetadas por doenças preveníveis por vacinação, também ficam menos doentes. Daí a poupança em internamentos, em cuidados de ambulatório e noutra dimensão muito importante, na redução da probabilidade de morrer.
Durante a pandemia, as farmácias foram muito importantes para fazer chegar as vacinas às populações. Vê a rede de farmácias com capacidade para continuar a desempenhar esse papel?
Acho que sim. Do ponto de vista geográfico, as farmácias têm a distribuição mais capilar possível no nosso país. Em muitas localidades, não há um centro de saúde, mas há farmácia. Fazem parte do sistema de saúde e estão presentes em todo o território, podem ser bem aproveitadas para fazer a imunização dos adultos. O farmacêutico continua a ter um grande respeito por parte da população, é importante que esse papel ocorra na vacinação das pessoas.
Como combater esta tendência global de rejeição das vacinas?
É bastante difícil inverter esta desconfiança. Isto começou com um artigo com afirmações falsas relativamente à relação entre vacinação de crianças e autismo. O artigo já foi retirado, o autor já se retratou, mas a ideia permaneceu. O que se constata é que não é suficiente argumentar com factos e evidências, porque muitas pessoas desconfiam dos benefícios da vacina e acham que não são seguras. É necessário continuar sempre a fazer uma campanha de informação, não só junto dos adultos, dos pais que precisamos que vacinem os filhos, mas também junto das crianças e dos jovens para os ajudar a formar uma opinião com base em factos. É importante que mais tarde, quando forem adultos e puderem escolher, estejam convencidos que é melhor serem vacinados do que não serem. Todos desejamos ter uma longevidade o maior possível e com qualidade de vida – as vacinas são uma forma muito barata e fácil de conseguir isso. Mas há um número crescente de pessoas na população que não acredita que são a forma mais eficaz de prevenção de doenças que nos matam. Têm de ser campanhas recorrentes de informação.
Como classificaria a perceção da população portuguesa em relação à vacinação se comparando com a maioria da Europa e com os EUA?
Estamos melhor do que a maior parte dos países. Mesmo ao nível da vacinação das crianças, temos percentagens bastante elevadas. É importante termos em consideração que a população portuguesa está a mudar. Não tem só a ver com a mudança demográfica, mas também com um grupo crescente de estrangeiros no país e uma percentagem significativa de crianças filhos de pais que não são portugueses. É importante que a estratégia de comunicação se dirija também a esses pais. A forma como essas populações olham para a vacinação, muitas vezes, não é idêntica. É importante que consigamos desenvolver materiais de comunicação que não sejam em português, temos de incluir estas pessoas nas políticas de saúde públicas.
Como é que os ganhos financeiros se conjugam com a gestão dos recursos na saúde? Teme que os contribuintes vejam aqui mais uma fonte de má gestão de recursos?
O que temos de ter em conta são os ganhos para a sociedade em geral. Um euro que gastemos em vacinas pode ter um retorno até 19 vezes. Mesmo que seja só 5 vezes, já é bastante positivo. O que é importante e que os economistas da saúde gostam de ter em consideração na avaliação de políticas não é só quanto se gasta, é o benefício adicional pela despesa adicional. Vamos ter sempre gastos em saúde, se as pessoas não forem vacinadas vão adoecer – se eu em vez de gastar esse dinheiro a tratar pessoas que adoecem e o gastar em não as deixar adoecer, quanto é o ganho em termos de internamentos evitáveis, mortes evitáveis, cuidados em ambulatório que se evita, faltas ao trabalho… a questão são os ganhos em geral para a sociedade. O maior desafio para ter mais vacinas e cativar as pessoas para serem vacinadas está relacionado com a falta de recursos humanos para a saúde e que é muito sentida pela população como uma falta de resposta; quando se diz que vamos aumentar os recursos para a vacinação as pessoas podem pensar que é uma política desadequada porque não lhes está a resolver o acesso quando estão doentes. Não precisamos de pedir um aumento do orçamento da saúde. Ele já tem crescido e grande parte desse aumento não está relacionado com as vacinas. Não é o custo a parte mais relevante ou que, do lado dos contribuintes, vá criar mais pressão.