Não há duas sem três, já diz o povo. E o especialista em comunicação política Luís Paixão Martins acredita que Marcelo Rebelo de Sousa vai dissolver o Parlamento uma terceira vez. Esta contabilidade começa com o fim da geringonça em 2021, a dissolução já prevista depois da aprovação do Orçamento do Estado para 2024 (após a demissão de António Costa), e uma terceira num futuro não muito longínquo após as eleições legislativas antecipadas de março de 2024.
O consultor de comunicação - fundador da agência LPM - diz estar retirado e garante que não vai regressar ao ativo nesta campanha eleitoral. O seu tempo é passado agora entre a capital, o seu negócio turístico na raia e os comentários televisivos.
O consultor responsável por ter feito parte das campanhas que deram duas maiorias absolutas ao PS (José Sócrates e António Costa) e pela primeira vitória presidencial de Cavaco Silva lançou agora o livro Como mentem as sondagens, onde aborda porque é que falharam, aparentemente, no caso das eleições legislativas de 2022. No início de 2023, já tinha lançado Como perder uma eleição, onde aborda precisamente as três campanhas em que esteve envolvido.
A entrevista foi feita a dois tempos depois de ter perdido, inesperadamente, a sua atualidade com a demissão surpresa de António Costa perante as investigações judiciais do caso Influencer, e com o país a quatro meses de voltar às urnas.
Uma sondagem recente [Aximage para TVI/CNN (13 de novembro) - PS 26%/PSD 25%/Chega 17%] aponta para uma proximidade entre o PS e o PSD. Os eleitores ainda não absorveram bem o choque das notícias mais recentes? São irredutíveis do PS?
As sondagens atuais refletem sobretudo a posição daquilo a que se chama os eleitores fãs. São os incondicionais do PSD e os incondicionais do PS. Portanto, é natural que haja uma certa proximidade entre os dois partidos. Já vinha de antes e continua agora. Não é isso o que vai definir as eleições depois, são os eleitores de oportunidade que ainda não se expressaram.
Sobre estes eleitores de oportunidade, estamos a falar de quantas pessoas?
Depende de eleição para eleição. Nas últimas eleições, o Partido Socialista teve quase um milhão de eleitores de oportunidade. Parece-me que as próximas eleições tenderão a ter mais abstenção do que as anteriores, quando um grupo de eleitores decidiu votar a favor da governabilidade. A esta distância, tenho a impressão que quando chegarmos ao final da campanha eleitoral vai ser difícil mobilizar esses eleitores.
No PS quem é que lhe parece ter mais hipóteses de uma eventual vitória?
Eu tenho a ideia que no Partido Socialista só o Pedro Nuno Santos é que está a disputar a liderança. Eu acho que o José Luís Carneiro está a mobilizar alguma notoriedade, talvez com outros objectivos, como por exemplo, uma candidatura à Câmara Municipal do Porto, porque as suas acções de comunicação têm sido mais dirigidas para fora do partido do que para dentro do partido. Porque nas eleições que estão em causa agora para líder do partido, só votam mesmo as claques, os militantes do partido. Portanto, a comunicação tem que ser muito centrada nesse objetivo. Depois, Pedro Nuno Santos encontrou ali uma fórmula para apelar ao legado de António Costa, introduzindo atributos pessoais. Encontrou uma fórmula: 'eu invoco o legado de António Costa' e até selecionou aquilo que lhe pareceu mais interessante, que é a história do emprego. Num momento em que Portugal tem cinco milhões de postos de trabalho, coisa que nunca aconteceu na nossa história. E, ao mesmo tempo, introduziu alguns atributos pessoais, o que certamente vai marcar a sua posição daqui até às eleições.
Uma eventual vitória do PSD ou uma eventual vitória do PS dependerá sempre de parceiros minoritários para governar?
A esta distância é difícil dizer isso, mas é muito difícil prever agora que seja possível qualquer um dos dois partidos engrossar o eleitorado de forma a ter uma maioria absoluta, independentemente das suas estratégias serem autónomas. Eu acho que o PS já definiu que vai ter uma autonomia estratégica na sua campanha. E o PSD tentou fazer uma aliança com Iniciativa Liberal e com o CDS, que não aconteceu e não terá outro remédio senão fazer uma campanha com autonomia estratégica. Esse problema é mais complicado à direita do que à esquerda, por razões que não são exclusivamente políticas. Quando a gente fala da extrema esquerda, PCP e Bloco de Esquerda, e da extrema direita, Chega, não se pode comparar as duas coisas do ponto de vista da rejeição dos eleitores: não há uma simetria porque os eleitores não rejeitam tanto o PCP e o Bloco de Esquerda, que são partidos já acomodados ao nosso sistema constitucional, e rejeitam em muito maior percentagem o Chega, incluindo muitos eleitores que votam no PSD. É um problema muito complicado de resolver. Tudo indica que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vai conseguir ficar na nossa história por ter dissolvido três vezes a Assembleia da República. Vamos iniciar um ciclo político curto.
Um ano?
Não sei quanto tempo, mas as próximas eleições, no meu ponto de vista, não introduzirão estabilidade e serão mais um passo de um período de instabilidade que estamos a viver. Estou muito pessimista em relação ao que vai resultar das próximas eleições.
E acredita que isso acontece tanto com uma vitória à esquerda como à direita?
Penso que à direita ainda é mais complicado.
Refere-se a divergências entre os eventuais partidos de uma coligação?
É que tudo indica que à esquerda haverá um partido que vai sobressair em termos eleitorais, dos outros dois ou dos outros três, porque é possível que o Livre também tenha um grupo parlamentar pequeno, enquanto que à direita é difícil hoje em dia o PSD destacar-se do Chega. E a campanha eleitoral não é necessariamente algo que o vai ajudar, porque, como temos visto, o Chega vai fazer uma campanha eleitoral como se fosse o PSD, uma campanha moderada. E o PSD tem feito uma comunicação quase como se fosse o Chega: uma certa radicalização. E isto, em vez de fazer engrossar o PSD, faz aproximar o Chega do PSD. Não há nada pior do que uma aliança entre partidos que têm votações semelhantes. Uma aliança para funcionar bem tem que ter um partido destacado em relação aos outros. Como acontecia no passado com o PSD e o CDS, ou como a geringonça que era uma aliança parlamentar em que havia um partido que cumpria o seu programa e depois, em dois ou três temas, concertou-se com os outros dois mais pequenos.
Pedro Nuno Santos, se for o candidato do PS, vai ter que apelar mais aos votos ao centro e piscar o olho à direita?
Eu penso que vai fazer uma campanha parecida com aquela que fez António Costa e que é a de autonomia estratégica. A expressão é esta. Não é um problema de apelar à direita ou à esquerda É de apelar ao programa do Partido Socialista. Os eleitores depois é que se movem, não são os partidos que se movem, são os eleitores. Vai fazer uma campanha de autonomia estratégica.
No livro também tem destacado que deve se olhar não tanto aqui para o resultado das sondagens, mas para os candidatos em si...
Não é só isso. Se os eleitores acharem que das eleições não sai um partido de governo maioritário, é natural que haja uma dispersão maior de votos e isso favorece os partidos mais pequenos. Se a campanha não for tão dramática em relação à maioria para formar Governo como foi a anterior, é possível que partidos mais pequenos como o Livre, consigam fortalecer a base eleitoral.
António Costa tinha outra alternativa senão demitir se?
Acho que não tinha. Do meu ponto de vista, ele fez corretamente a sua demissão. Foi o único movimento que podia ter em face daquele comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR). E uns dias depois fez uma comunicação com grande impacto, teve três milhões de espectadores em que procurou controlar a narrativa, explicando que muitas das acusações que eram feitas pelo Ministério Público não eram nada. Os governos devem atrair investimento estrangeiro, devem facilitar a vida às empresas. E isso foi o que resultou deste processo. Ou seja, quem ouviu a comunicação do primeiro ministro não ficou surpreendido com o acórdão do juiz. Separou aquilo que é, digamos, uma prática legítima de todos os governos, da eventualidade de haver aqui ou ali, algum ato ilícito, Embora para mim eu fico chocado com considerar se uma vantagem ilegal uma empresa oferecer dois ou três almoços a membros do governo. Eu mesmo assim, fiquei chocado.
Os governos devem atrair investimento estrangeiro, devem facilitar a vida às empresas
O juiz separou aquilo que é, digamos, uma prática legítima de todos os governos, da eventualidade de haver, aqui ou ali, algum ato ilícito
Eu fico chocado com considerar se uma vantagem ilegal uma empresa oferecer dois ou três almoços a membros do governo
Foi agora convidado para alguma campanha?
Eu tive um contrato com o Partido Socialista durante três ou quatro meses este ano e no final desse contrato foi me proposto uma renovação e eu não aceitei. Agora, não quero voltar a fazer campanhas políticas, estou velho, estou idoso.
Nas eleições da Madeira, estou convencido que a coligação do PSD não teve maioria absoluta porque durante toda a campanha foram sendo tornadas públicas sondagens que diziam que iam ter maioria absoluta