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João Portugal Ramos: "A nível europeu cai bem o Governo português continuar a taxar bebidas espirituosas"

O produtor de vinhos assume total desacordo com a decisão do Executivo e defende que podiam ter sido tomadas outras opções, como taxar as bebidas alcoólicas que não são feitas em Portugal. "Acho que é daqueles impostos que se calhar não é tão alarmante ou as pessoas não, se indignam tanto, mas a pouco e pouco vai asfixiando um sector importante para a economia portuguesa", refere.

O imposto de 10% sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA) inserido no Imposto Especial sobre o Consumo (IEC) continua a gerar polémica e indignação no sector, que teme ver esta medida que integra o Orçamento do Estado para 2024 ser prolongada aos vinhos. Em entrevista ao Jornal Económico (JE), o produtor João Portugal Ramos, alerta para a importância desta área de atividade para a economia nacional.

Acompanhado nesta entrevista por dois dos seus filhos (João Maria e Filipa Portugal Ramos) que integram também da estrutura da empresa, o fundador faz um balanço de um 2023 particularmente difícil no segundo semestre e traça os objetivos e perspetivas para o próximo ano, que defende terá de continuar a ser de consolidação.

Que balanço fazem de 2023?

As previsões de crescimento em relação ao ano passado são de 3%. Foi um ano que sentimos mais difícil no segundo semestre, nomeadamente a nível interno. O poder de compra dos portugueses não está fácil. A concorrência é muito grande também. Depois também se previa uma vindima generosa, como tal não ajuda a subir preços. Por outro lado, também a pressão do que temos vindo a sentir em 2022 e ainda em parte 2023, com a pressão dos secos. No fundo há mais produtores a mais se quiser e vinho a mais.

Mas é mau para o mercado haver essa competitividade e demasiados produtores?

É bom para o consumidor. Para o mercado não é bom. Há muita oferta e, principalmente, se houvesse muito canal de escoamento era mais fácil, mas no fundo são muitos produzir e poucos a comprar em Portugal. Basicamente isso é que dificulta. É tudo a entrar pelo funil no fundo.

Este segundo semestre difícil a nível interno, também se deveu a essa competitividade?

Acho que são efeitos conjuntos. O menor poder de compra. Todos nós sentimos que há uma crise a começar e todos os portugueses sentiram e começam a ter outras opções. O vinho é um bem alimentar. Eu não consigo, mas há quem consiga viver sem beber vinho. Portanto, as pessoas têm as suas opções, têm que fazer bem contas. Mas Portugal não é dos países que mais sofre com o consumo de vinho, não vai alterar muito, pode haver um downgrade a um preço inferior e nós não estamos nesse preço inferior.

Pensam de alguma forma adaptar os preços face à situação económica do país?

Não é o nosso target. Nós temos vinhos com vários preços. Tentamos abarcar bastantes frentes, mas 80% do consumo faz-se até aos dois euros ou 2,5 euros e nós não estamos nesse patamar.

Qual é o vosso principal consumidor atualmente?

Vendemos para 50 países. É muito disperso, alguns mais fortes, digamos, nomeadamente no norte da Europa, Estados Unidos, Brasil, Canadá, Angola, onde também temos uma presença muito importante. Diria que o Marquês de Borba é a marca de referência de qualidade do vinho português em Angola.

No mercado nacional tínhamos aqui uma almofada boa, que foi um primeiro excelente primeiro semestre. Acho que a crise foi mais sentida ali a meio do verão ou após, mas mesmo assim, o balanço do ano em Portugal vai acabar positivo. Não tão positivo como na exportação, mas vai acabar positivo em relação ao ano passado, o que já é um aspeto diferenciador de muitos dos nossos concorrentes. E o termo de comparação deve ser 2019 que foi o último ano normal.

Há um dado curioso em Portugal na marca CRS, nós já éramos líderes na categoria de aguardentes, chamemos-lhe standard até 40 euros o preço por litro e com a CRS reserva extra é a primeira vez desde que trabalhamos a marca que ganhamos a liderança no segmento premium, portanto, mais de 50 euros por litro.

Este aumento de 10% que o Governo decidiu colocar para as bebidas espirituosas. Como olha para isto?

A aguardente no fundo é um derivado de vinho. Quando se está a agravar um produto que no fundo é um derivado do vinho também estamos a afetar um sector tão importante para a economia portuguesa. Não posso estar mais em desacordo e quando vimos as contas, o que se paga de impostos numa garrafa de 20 euros, nove euros são de imposto direto.

Porque acham que o Governo tomou esta decisão neste sector e não em outros?

Isto é um sector muito importante para a economia portuguesa, não só diretamente como indiretamente toda a cadeia de valor é importante. Acho que vem muito em linha com as diretrizes europeias com esta preocupação pela saúde. Não sei se isto é muito politicamente correto de se dizer, mas a nível europeu cai bem o Governo português continuar a taxar tudo o que é bebidas espirituosas. Metem no orçamento que o consumo aumenta, portanto, aumentam 10% o imposto e a receita não só aumenta derivada desse aumento de imposto, mas também vai aumentar supostamente no Orçamento de Estado por aumento de consumo. Não sei onde é que vão buscar esse aumento de consumo, mas depois esquecem-se da proximidade a Espanha e do online. Uma pessoa hoje em dia se quiser fazer uma festa em casa manda vir vodka, whisky, uma aguardente da vizinha Espanha. Paga quase menos 50% de imposto dos portes online e acaba por compensar.

Não sei que contas foram feitas. Acho que é daqueles impostos que se calhar não é tão alarmante ou as pessoas não, se indignam tanto, mas a pouco e pouco vai asfixiando um sector importante para a economia portuguesa. Podiam ter feito outra opção que era taxar as bebidas alcoólicas que não são feitas em Portugal, proteger a produção nacional.

Receiam que esta taxa se possa estender aos vinhos?

Receio claro, mas tenho a esperança que não. O vinho está a sofrer uma crise evidente e até para proteger o tecido vitícola nacional, que está muito disperso, acho que não se pode sobrecarregar mais o sector porque corre o risco de definhar a área vitícola e nós para todos os efeitos, Portugal sendo um país pequeno em tanto vetores, digamos assim, porque no vinho estamos nos dez primeiros. Não há muitas indústrias em que Portugal esteja no top-10 mundial e número quatro na Europa.

Uma eventual mudança de Governo em março pode acabar com esta taxa?

Não sei o que vem a seguir, mas acho que os 10% já não muda. Também estamos envolvidos no negócio da distribuição de bebidas alcoólicas em Portugal e obviamente estamos preocupados, mas acho que no vinho para já, não temos qualquer indício que venha a sofrer um aumento de imposto desta dimensão.

Que objetivos estão traçados para 2024?

O nosso objetivo é ter os pés bem assentes na terra, crescer e principalmente consolidar. Sabemos que é difícil crescer organicamente. Há um grande movimento do sector de consolidação, empresas que querem ser maiores, faz sentido, nós estamos sempre, mas não estamos numa procura desesperada por acrescentar, digamos, mais negócio por aquisição.

Estamos numa fase de alguma expectativa para saber o que vai acontecer ao sector. Seria bom que resultasse este novo movimento tão acentuado que tem aparecido nos últimos tempos. Acho que nunca tivemos numa fase tão dinâmica e tão evidente de consolidação de empresas quererem ser maiores. Faz sentido também porque as empresas pequenas também neste environment, vão ter algumas dificuldades. Ou têm produtos muito diferenciadores ou não vão conseguir resistir porque não tem escala, tem que se ter o mínimo de escala.

Ou se tem um produto muito diferenciado e escala aí é menos importante ou se vem para o mercado com coisas iguais e que todos fazem não é fácil. Em termos de perspetivas, se há ano difícil de fazer orçamento é o próximo ano. Temos perspetivas para crescer. Claro que sim. Esperemos que essas perspetivas não sejam defraudadas com piores situações a nível mundial. Primeiro foi o Covid, agora as guerras, não tem sido fácil os últimos anos.

Não houve nenhum ano normal. Considero que é uma vitória acabarmos este ano a crescer na ordem dos 3%. No próximo ano esse crescimento, claro que é ambicionado principalmente através da exportação. Nós temos 70% da nossa faturação lá fora e acreditamos que num ano que se adivinha muito difícil para os portugueses, só apostando e continuando a apostar fortemente na exportação é que conseguimos a cumprir a ambição de continuar a crescer ano após ano.

O que vos torna diferentes de outros produtores?

O sector do vinho é muito peculiar. É um negócio de gerações em que é bonito e atrativo as famílias estarem envolvidas. A nossa família está não só não só muito envolvida, como só envolvida nesta atividade, portanto, é um perfil de produtor que inspira confiança.

Sabemos que há muitas empresas concorrentes com ambições muito grandes que não têm o nosso ADN de vinhos. A maior parte, não têm, nem nunca tiveram, vêm porque querem complementar, diversificar investimentos, como toda a gente acha sexy o sector dos vinhos, mas não têm este ADN. Eu sou agrónomo tal como o meu filho, sempre fiz isto, nunca fiz mais nada. A minha família fazia vinho há três gerações, temos este perfil.

Foi fácil trazer os seus filhos para este negócio, não foi preciso ‘obrigá-los’.

Não, mas também lhe digo, se não tivesse vindo esta nova geração, eu tinha equacionado, aliás, tive imensas propostas para vender e tinha vendido. Para que queria isto se não fosse para os meus filhos continuarem? Mas às vezes penso se terei feito bem em ter puxado os meus filhos que considero muito capazes para um sector tão difícil, com margens que não são espetaculares. Há negócios muito mais interessantes em termos de rentabilidade. Este é um negócio de gerações, é uma coisa diferente.

O jornalista viajou a convite da João Portugal Ramos à sua herdade em Estremoz.