António Costa vai ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) devido ao envolvimento do nome do primeiro-ministro por parte de suspeitos que sinalizaram ao Ministério Público (MP) a intervenção do chefe de Governo para desbloquear procedimentos em projetos de extração de lítio em Montalegre e da central de hidrogénio verde em Sines, e um outro de construção de um data center. Inquérito a Costa já deu entrada no Supremo, assegurou ao JE fonte do STJ.
Na mira da Justiça estão suspeitas dos crimes de corrupção e tráfico de influências, investigadas há quatro anos, que ontem levou a uma operação de buscas e a cinco detenções, entre as quais o chefe de gabinete do primeiro-ministro e do consultor próximo de Costa, Diogo Lacerda Machado, bem como à constituição de arguido do ministro das Infraestruturas.
O STJ vai assim analisar suspeitas de que Costa terá intervindo para “desbloquear” os negócios do lítio, hidrogénio e data center que estão a ser investigados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Na comunicação ao país em que deu conta da sua demissão, o primeiro-ministro garantiu que não era arguido, mas fontes socialistas sinalizaram ao JE só indícios fortes levariam MP a remeter suspeitas sobre primeiro-ministro para Supremo, por ser o foro competente para investigar o chefe de Governo. E que a detenção do seu chefe de gabinete “não aponta para nada de bom”.
De acordo com o Código de Processo Penal, o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República podem apenas ser investigados e/ou julgados pelo STJ, cujo presidente tem, por sua vez, competência exclusiva para validar ou mandar destruir escutas àquelas três figuras de Estado. Segundo o jornal Expresso, Costa foi apanhado em quatro escutas com Matos Fernandes, mas só uma foi considerada suspeita numa conversa com o então ministro do Ambiente, ainda em plena pandemia, onde o primeiro-ministro sinalizou que o negócio do lítio e do hidrogénio verde que, na perspetiva do executivo, poderia atrair a Portugal milhares de milhões de euros.
O comunicado da PGR não esclarece se o inquérito já foi aberto ou se será aberto com base numa certidão que terá de ser extraída. Diz que as “referências” a Costa “serão autonomamente analisadas”, mas avança que tal análise é feita no “âmbito do inquérito instaurado” no STJ. O JE questionou a PGR se o aludido inquérito já foi aberto, mas fonte oficial avançou que “e momento, nada a acrescentar à informação constante da nota para a comunicação social oportunamente emitida”.
Já fonte oficial do STJ remeteu, por sua vez, este mesmo esclarecimento para o MP.
As suspeitas do MP
A Procuradoria-Geral da República (PGR) avançou nesta terça-feira, 7 de novembro, que “no decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”.
Em causa poderão estar, designadamente, “factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência”, estando, segundo a PGR, a ser investigados factos relacionados com: as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas); um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI); o projeto de construção de “data center” desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade “Start Campus”.
A PGR confirmou ontem mais de 40 buscas e cinco detenções no caso do lítio que envolve membros do Governo e que levou o primeiro-ministro logo pela manhã de ontem a Belém, a pedido de Costa, onde esteve cerca de meia hora na Presidência da República. Marcelo Rebelo de Sousa acabaria por receber depois a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, tendo António Costa voltado a Belém para um curto encontro onde apresentou a demissão.
Galamba e Lacasta arguidos
O ministro das Infraestruturas, João Galamba, e o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, foram constituídos arguidos no âmbito da investigação a negócios de hidrogénio e lítio em Portugal que remonta a 2019 com suspeitas de favorecimento ao consórcio da EDP, Galp e REN. Foram detidos o chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, o consultor próximo de Costa, Diogo Lacerda Machado, o presidente da Câmara de Sines, e ainda dois administradores da sociedade “Start Campus” e de um advogado/consultor contratado por esta sociedade, Diogo Lacerda Machado.
Em comunicado, deu conta que no âmbito de inquérito dirigido pelo Ministério Público, foram realizadas diligências de busca para “identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse apara a descoberta da verdade”, tendo sido ordenadas/autorizadas 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicilio de advogado e 20 buscas não domiciliárias, designadamente em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do primeiro-ministro; no Ministério do Ambiente e da Ação Climática, no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima; na Câmara Municipal de Sines; e na sede/espaços de outras entidades públicas e de empresas.
Participam nas buscas 17 magistrados do Ministério Público, três magistrados judiciais, dois representantes da Ordem dos Advogados, cerca de 145 elementos da PSP e nove da AT.
De relembrar que Galamba é o atual ministro das Infraestruturas, Matos Fernandes é o antigo ministro do Ambiente e Ação Climática. Diogo Lacerda Machado é o empresário conhecido como “melhor amigo” de António Costa.
DCIAP confirmou investigação em janeiro
Em janeiro, o Ministério Público confirmou o avanço da investigação aos negócios de hidrogénio e lítio em Portugal, que se encontra em segredo de justiça, e que ainda não existiam arguidos. A investigação, que acontece desde 2019, analisou os contratos realizados para a exploração de lítio em Montalegre e do projeto de hidrogénio verde em Sines.
O esclarecimento da PGR surgia dias depois de João Galamba, que liderou os dois negócios, ter sido nomeado ministro das Infraestruturas com a sua nomeação a causar polémica por, enquanto secretário de Estado da Energia, ter liderado estes dois dossiês sensíveis que já na altura levantaram várias dúvidas.
Sobre o atual ministro João Galamba e os ex-ministros Matos Fernandes e Siza Vieira recaíram suspeitas de tráfico de influências e corrupção por alegados favorecimentos à EDP, Galp e REN, empresas responsáveis pelas explorações.
Segundo foi noticiado no ano passado, no inquérito estavam em causa eventuais “indícios de tráfico de influências e de corrupção, entre outros crimes económico-financeiros”, tendo na mira um alegado favorecimento do consórcio “EDP/Galp/REN” no milionário projeto do hidrogénio verde para Sines. Um projeto que viria depois a ser cancelado.
Já quanto ao negócio do lítio, estará em causa à legalidade do contrato para a concessão da exploração do lítio, em Montalegre, à empresa Lusorecursos por 35 anos, uma empresa criada apenas três dias antes da assinatura do contrato, com um capital social de 50 mil euros e que iria assegurar um negócio potencial de cerca de 380 milhões de euros.