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Hertz quer 25% de eletrificação até 2024. "Transição não pode ser brusca porque há vários obstáculos"

A Hertz Portugal foi distinguida pelo Turismo Portugal no âmbito do impacto das métricas ESG. Em entrevista ao Jornal Económico, Duarte Guedes, CEO da Hertz Portugal, explica de que forma a rent-a-car está a tentar mudar o paradigma de uma indústria poluente e como as metas de transição energética não podem ser "escritas na pedra".

A Hertz tem estado muito focada na sustentabilidade mas tem apostado bastante na eletrificação, não é?
A sustentabilidade é um conceito muito abrangente. No nosso sector, como lidamos com carros, os elétricos estão muito à frente na regulação, é um mudança de paradigma face aos veículos de combustão interna.

Mas sim, estamos muito focado em sustentabilidade. Para nós, envolve muito mais áreas que a eletrificação dos automóveis. Por exemplo, lavamos um grande número de carros por dia para os deixarmos prontos para os clientes, isso envolve utilização de água. Também toda a componente do ESG (Environmental, Social and Governance), que envolve as medidas menos faladas da parte social e governance. 

Mas, na parte de environment, temos a descarbonização, gestão de água, gestão de resíduos. Nós medimos isto tudo, por essa razão é que também fomos distinguidos pelo Turismo de Portugal distinguida no programa 'Empresas Turismo 360', onde avaliamos os impactos da atividade do rent-a-car.

Nós tínhamos uma atividade de car-sharing em Portugal, criada em 2017, mas tivemos de a fechar na pandemia porque não havia condições de garantir a higienização controlada. O modelo de free float não é fácil de operar e vários operadores saíram do mercado porque a mobilidade dentro das cidades tem que se lhe diga. Nesta malha, que também entra na sustentabilidade, que é a partilha e operabilidade dos transportes faz com que use diversos meios para garantir a deslocação. 

Por isso é que a Hertz tem feito uma grande aposta nos elétricos nos últimos anos?
Há uns anos, a Hertz internacional fez uma grande aquisição de veículos da Tesla. Nós fomos com a onda porque sabemos que o mercado caminha para aí, há uma regulação a ser feita sobre a eletrificação, mas esta é uma transição. Não pode ser uma mudança brusca de um dia para o outro, por isso é que a transição implica uma série de obstáculos: postos de carregamento, custos dos automóveis. 

Tenho receio quando as coisas são impostas e criam outros constrangimentos. Nós trabalhamos com turistas, que não são clientes locais e têm outras ânsias. Imagine-se os pontos de carregamento: ficam um bocado perdidos à procura. Investimentos bastante em educar e criar plataformas para mostrar a rede de carregamento em Portugal, mas é uma transição. 

No caso do rent-a-car, onde as frotas são recentes e rodadas todos os anos, acabamos por refletir um bocado do que é o mercado automóvel com um ligeiro atraso. Porquê? Os fabricantes já nos vêm propor negócios tendo isso em mente. Num prazo, vamos acabar por refletir as vendas dos fabricantes. Temos de aprender porque somos operadores logísticos e isto implica um paradigma diferente. O carro entra no nosso parque no aeroporto, é lavado em três minutos e vai para o próximo cliente. Há uma bomba de gasolina próxima e coloca-se combustível. Nos elétricos, o turn around é diferente e representa outro tipo de desafios. 

Temos de ter cuidado quando as transições são demasiado rápidas porque podem minar outros fatores relacionados com sustentabilidade.

Como tem sido a transição?

Temos feito a transição de forma confortável. O que me assusta são as metas escritas na pedra, que em 2030 ou 2025 se tem de fazer isto. Óbvio que há lobbies lá fora com bons intuitos, mas depois desconhecem a operação.

São metas, guidelines ou estrelas polares. O que lhes quisermos chamar, mas isso não quer dizer que não sejam adaptáveis e possamos dizer que 'se calhar foi demasiado ambicioso'. Pedimos alguma flexibilidade nesta transição para não colocar em causa vários objetivos. 

Alguns objetivos serão ambiciosos, especialmente porque há cidades em que as pessoas utilizam muito os carros, como Lisboa. 

Exato. Esse movimento das cidades acontece, e percebo que aconteça. Quem não se lembra aquilo que era o Terreiro do Paço antigamente? Eram autocarros e estacionamento. Todos gostamos mais da oferta atual, até por motivos turísticos. E percebo isso, e concordo, mas acho que isso não pode significar uma guerra ao automóvel. 

O automóvel é uma ferramenta fundamental da classe média em Portugal. Temos de evoluir em termos de transportes públicos e tudo mais.

Nós acreditamos que a nossa atividade faz parte da sustentabilidade. Ou seja, há uma macro tendência que é a diminuição da propriedade dos carros: comprar um carro e só usar quando é preciso. Se calhar até existem transportes à porta, mas vamos precisando do automóvel. Na Hertz achamos que estamos numa macro tendência boa.

Achamos que esta tendencia é positiva para a nossa atividade, que é a partilha. A partilha é sustentável. O sharing é um aluguer ao minuto, mas também pode ser de um dia, um fim de semana. Não devia haver este tratamento diferenciado no rent-a-car. 

Então, de que forma é que a atividade da Hertz contribui para, simultaneamente, a descarbonização e o turismo?

Somos uma atividade de partilha mas também de turismo. Se abrirmos o leque, faz sentido achar que o rent-a-car não é sustentável quando é o rent-a-car que permite que os turistas vão ao centro do país? Os turistas vão de carro desenvolver o interior do país e o seu turismo.

Aqui falamos de vários tipos de sustentabilidade, nomeadamente o social. Começa a fazer sentido pensar em nós como a solução de alguns problemas. 

Os carros a hidrogénio podem vir a ser uma possibilidade num futuro próximo?

Sim, embora não saiba até que ponto próximo. Uma das vantagens é o custo energético poder ser tendencialmente zero. Acho que é possível, mas ainda está longe. 

Outra solução são os híbridos plug-in, porque há incentivo fiscal e muitas empresas têm metas a atingir. Mas depois o carregamento não é efetivo porque são precisos carregadores em casa ou no trabalho, senão andasse sempre a gasolina. É andar com o elétrico do plug-in que se poupa, mas as pessoas também não querem parar meia hora para abastecer eletricidade.

Se tivermos um carregador em casa ou no trabalho é muito prático porque acabamos por usar menos combustível. Mas a tecnologia está aí, faz sentido para as pessoas, mas falta infraestrutura. Ainda assim, Portugal é um dos melhores em termos de densidade de infraestrutura. 

A adoção tem sido significativa mas a infraestrutura não chega.

É isso. Podem dizer que há postos nas autoestradas, mas não servem nestes sítios. Dá mais jeito em casa ou no trabalho, é aqui que está o ganho. 

A desvantagem nos plug-in é o peso. Como são mais pesados, gastam mais combustível e as pessoas não se apercebem que isso representa um gasto maior. O problema está na infraestrutura porque os plug-in permitem, de uma forma relativamente económica, responder às necessidades e ansiedades, porque é possível poupar com isso. 

Cerca de 20% da vossa frota já é eletricidade, mas querem aumentar para os 25% até ao fim do próximo ano. De que investimento estamos a falar?

São sempre uns milhões, porque são vários automóveis. Temos de fazer as contas, porque se um automóvel custa 30 ou 40 mil euros e comprarmos 200 carros novos já estou na casa dos milhões. São investimentos relevantes.

Mas também não queremos colocar uma bandeira nos investimentos. Correspondemos às metas dos fabricantes. Sabíamos, em 2017, que esta seria uma mudança grande. Temos dois carregadores autorizados pela ANA Aeroportos em Lisboa, isso também conta como investimento na eletrificação. 

No entanto, em termos de frota, podemos ir além do aumento de 5%. Porque temos os veículos 100% elétricos, híbridos plug-in e híbridos, dependendo do que considerarmos uma frota 'verde'. Também depende do que o mercado nos oferecer. Temos pressão para não fazer uma expansão muito grande em carros elétricos, porque são mais caros, o mercado de usados ainda não está completamente desenvolvido, turistas têm a ansiedade dos carregamentos, mesmo os clientes locais com carros de substituição querem o equivalente aos seus. 

São estas dores de crescimento que temos de ir gerindo, mas vamos andando. Liderámos um bocadinho quando colocámos os Tesla e Polestar na frota. Foi uma decisão nossa, nada nos foi imposto. E também temos algumas franjas de fabricantes genéricos e vamos enriquecendo a organização à realidade elétrica. 

Mas esta pressão influencia os vossos níveis ESG?

Temos de medir as emissões de CO2 dos nossos carros ao longo do ano. Por isso, quantos mais elétricos e plug-in tivermos melhor é. Mas o importa é que saibamos medir e criarmos metas. 

Mas na parte dos automóveis, acreditamos que a transição é a palavra-chave. E vamos fazendo essa transição de forma gradual, senão colocamos outros fatores em risco. Vamos medindo e reportamos os dados.