Portugal tem um plano ambicioso para energias renováveis até 2030. O Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) foi atualizado este ano e espelha uma ainda maior ambição neste campo por parte do Governo. O documento está a ser avaliado pela Comissão Europeia em Bruxelas, antes de entrar em vigor em meados de 2024.
Analisando o documento, Christina Rentell, especialista da consultora britânica Aurora Energy Research elogia a ambição portuguesa, mas considera que as metas atualizadas vão ficar por cumprir, avisando que a entrada de muita energia renovável sem haver procura para a mesma vai provocar uma queda dos preços, afastando investidores do país.
"Penso que há ambição, o plano é ambicioso nas renováveis, mas também é ambicioso na procura. Se a procura não vier com as renováveis, para absorver essa produção, então vamos ter um crash nos preços. Ser ambicioso não é necessariamente uma coisa má. Mas é preciso reflexão. Penso que vão ficar abaixo das metas atualizadas", disse a analista sénior ao Jornal Económico.
"É um país que tem metas agressivas e o otimismo está lá. Isso é bom. Mas penso que é necessário, por outro lado, não ser demasiado ambicioso e certificarem-se que este crescimento é acompanhado de procura. Portanto, se as renováveis avançarem muito depressa e não houver procura, nos próximos anos, o que vai acontecer é um crash dos preços. O que é um sinal negativo para os investidores, em que vão dizer: 'vamos pensar no que está a acontecer... afinal, já não quero investir'. Mas se tudo acontecer em tandem [oferta e procura], o que é possível, penso que é realmente promissor, Portugal já está no caminho da descarbonização. Tem uma grande percentagem de produção de renováveis. O próximo passo é atingir carbono zero. Portugal já vai à frente nesse caminho. Obviamente, que há os assuntos regulatórios sobre os licenciamentos. Algumas coisas têm sido feitas para tentar melhorar, provavelmente mais terá de ser feito nesse sentido", declarou a analista da consultora sediada em Oxford, Reino Unido.
Até 2030, o PNEC atualizado só prevê construir dois gigawatts (GW) de energia eólica marítima (offshore) até 2030. Esta meta fica abaixo dos 10 gigawatts que têm vindo a ser anunciados pelo Governo até ao final da década. Por outro lado, a ambição na energia solar fotovoltaica disparou. Dos 7 gigas que estavam antes previstos até 2030, o Governo prevê agora construir quase 15 gigas até 2030, face à atual capacidade instalada de 1,5 gigawatts, o que representa um crescimento de quase 900% da capacidade instalada em sete anos. Até 2025, espera ter construídos 6,1 gigas. A meta anterior previa 7 gigawatts de energia até final da década.
Questionada se, na análise da consultora, os números de oferta e de procura batem certo no final da década, a responsável responde afirmativamente, mas que a capacidade de produção fica sempre abaixo do previsto no PNEC. "Na nossa previsão, sim, porque estamos a forçar o nosso modelo nesse sentido. Mas acabamos com menos capacidade do que o PNEC atualizado. Penso que o próprio plano o diz: com medidas adicionais, com o aumento da procura, então vai haver mais capacidade. Mas se prevermos procura de base, procura industrial, procura de produção de hidrogénio, veículos elétricos e bombas de calor, então vemos que toda essa procura começa a acelerar a partir de 2030. E a grande incerteza é se estivermos a inundar o sistema agora com solar, nos próximos anos até 2030", afirmou, na conversa que decorreu durante a Solar Plaza Summit em Lisboa em setembro.
E seria melhor o país ter menos ambição até ao final da década? "É preciso que esta produção esteja disponível, desacelerar é uma má ideia, mas se continuarmos com o licenciamento, se as licenças forem emitidas, se forem feitos regulamentos para armazenamento, para eletrolisadores, para tudo isso, vai permitir que a oferta e a procura cheguem quase ao mesmo tempo. Portugal e Espanha, a Península Ibérica no geral, tem um grande potencial para hidrogénio verde".
Sobre o armazenamento em centrais solares (as baterias armazenam energia para ser injetada durante a noite quando não há produção), destaca que o "armazenamento vai ser bastante necessário. E penso que é importante diversificar o mix de produção energético, e diversificar o portefólio de armazenamento. Portanto, queremos uma mistura de produção de duração curta e longa. E também queremos uma mistura de hibridizição e ativos solos, porque os benefícios de ambos pode providenciar coisas diferentes. Um ativo solo pode providenciar serviços à rede para ajudar a resolver a congestão de rede, enquanto a hibridização pode ajudar a mitigar a canibalização ou o curtailment [redução forçada de consumo de eletricidade] naquela central solar específica e ajudar a fomentar o investimento. Penso que é crítico. Agora, falta certeza sobre as receitas e sobre o licenciamento e regulação sobre estes ativos".
Sobre as lições a tirar do leilão eólico offshore no Reino Unido que teve lugar este ano e que ficou deserto, considera que a "lição principal a tirar é que realmente importante estarmos atentos ao contexto atual. Se os preços estão a subir e se existem preços máximos, então isso precisa de ser ajustado, e o Governo precisa de pensar cuidadosamente sobre quanto está disposto a pagar. Talvez o Governo britânico não estivesse disposto a pagar aquele montante, e é preciso aceitar que não vai haver eólicas offshore neste leilão. Penso que a lição principal é ficar atento, e ter a certeza de que os parametros nos leilões são ajustados apropriadamente e que os preços sejam claros, como é que o leilão vai funcionar".
"Ouvimos falar dos leilões em Portugal, e penso que é importante os promotores prepararem-se para isto,é muito importante para os promotores perceberem no que se estão a meter, e os custos, para termos os bancos e o financiamento, para tudo acontecer ao mesmo tempo. É muito importante", afirma a especialista espanhola.
Recorde-se que a armada espanhola lidera no assalto ao mar português, sendo o país com mais demonstrações de interesse em participar no leilão eólico offshore, entre as empresas com origem em 17 nações. Com 14 empresas interessadas, entre gigantes do sector energético e empresas desconhecidas, é de terras hispânicas que vêm o maior número de companhias. Segue-se Portugal, com 11 empresas interessadas, algumas relativamente desconhecidas, outras do sector da engenharia e da construção, e as energéticas Galp, EDP Renováveis ou Finerge.
Seguem-se as empresas francesas (7), Reino Unido (5), Alemanha (3), Austrália, Países Baixos, Noruega e Japão (cada uma com duas), e vários países com uma empresa cada (Dinamarca, Itália, Bélgica, EUA, Irlanda, Canadá, Suíça e China). O Governo tinha previsto lançar a primeira fase do leilão eólico offshore no início de 2024, mas com as eleições antecipadas, o ministério do Ambiente ainda está a equacionar se avança no processo antes das eleições: “encontra-se em avaliação”, respondeu recentemente fonte oficial da Rua do Século ao JE.
Já a especialista em energia também destacou algum tempo a falar sobre o problema do licenciamento de projetos. "O licenciamento é um grande tema em muitos países. Penso que um dos grandes temas é fazer os processos em paralelo e decidir quando certas coisas sao estritamente necessárias e quando não são. Portugal tem feito algumas coisas para mudar isso. Mas estamos agora á espera da rede elétrica. A rede precisa de ter o tamanho adequado, precisa de haver claridade sobre a capacidade disponível. Espanha também publicou a sua capacidade disponível, é muito claro onde existe, sendo relevante para planear. Mas Espanha não publica uma lista de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) que foram aprovadas, o que Portugal faz, por exemplo. Mas penso que o que é importante aqui é a otimização e a eficiência dos processos, tal como em qualquer negócio, e isso pode ser definitivamente melhorado com diferentes entidades, com o Governo, ou órgãos regulatórios, que devem atuar em paralelo".
Em relação aos problemas nas cadeias de abastecimento, que estão a provocar um disparo nos preços dos componentes da energia renovável, conclui que "as eólicas e a baterias vão ser as mais afetadas. O solar já era muito barato, se houver um aumento não será tão sentido, mas no caso das eólicas, que já é um mercado muito apertado, alguns produtores na Europa já sentiram aumentos dos preços, alguns até a irem quase à falência. E também as baterias em centrais solares, porque o Capex das primeiras supera muito o Capex das segundas, o que afeta a rentabilidade dos projetos, o que acontece devido ao preço do lítio, que tem tido preços altos e que precisa de descer para a transição energética. E vai haver mais concorrência, mais veículos elétricos, tudo isto vai precisar de mais baterias, vai haver muita concorrência pelos minérios críticos, cujos preços podem não descer no curto prazo. Poderemos ver uma normalização a partir de 2027".