Os últimos anos têm sido de correção das contas públicas, com o país numa trajetória assinalável de redução da dívida (começada ainda na legislatura liderada por Pedro Passos Coelho) que permitiu o retorno a rácios abaixo de 100% e um crescimento baseado na dinâmica de consumo interna, sustentada pelo emprego em níveis históricos e pela componente externa. O outro lado da moeda mostra, porém, uma falta de investimento que tem levado à perda de qualidade dos serviços públicos. Mas a herança macroeconómica que o novo governo herdará será indiscutivelmente mais leve do que tem sido hábito na última década.
Sendo um país da periferia sul-europeia, Portugal almeja a convergência com o resto da moeda única, mantendo-se, em 2022, 21% abaixo do PIB per capita médio da UE em paridade de poder de compra, com 78,7% deste valor.
Ainda assim, foi uma melhoria em relação ao ano anterior, quando Portugal registava apenas 75,3% do valor médio europeu – uma melhoria, contudo, insuficiente para retirar a economia nacional do 16.º lugar entre os 19 países da zona euro.
Os últimos dois anos foram de crescimento acima da média europeia, isto após a queda mais expressiva do que no resto do bloco europeu causada pela pandemia, em 2020, quando o PIB nacional recuou 8,3%, o que compara com 6,4% na zona euro. Portugal cresceu 5,5% e 6,8% nos dois anos seguintes, ou seja, acima dos 5,3% e 3,5%, respetivamente, da moeda única.
Os dados de 2023 ainda não são definitivos, mas tudo aponta para que a economia nacional tenha avançado 2,3% face aos anémicos 0,5% de avanço da zona euro, num ano em que a atividade europeia foi fortemente castigada pela falta de dinamismo do motor industrial do bloco, a Alemanha.
A convergir mas pouco
Para 2024, o governo demissionário previa um avanço de 1,5%, uma projeção mais otimista do que as da generalidade das instituições internacionais e domésticas. A exceção mais clara é o Conselho das Finanças Públicas (CFP), que antecipa um crescimento de 1,6%, embora a previsão tenha sido feita há meio ano, em setembro de 2023; já o Banco de Portugal (BdP), a Comissão Europeia e a OCDE apontam todos a 1,2%, o limite superior o intervalo de projeções para a zona euro.
Tal significa que este ano deve ser novamente de convergência, pelo menos formal, com o resto do bloco europeu. Ainda assim, a este ritmo de aproximação levará várias décadas para que a economia nacional atinja níveis de riqueza equiparáveis à média europeia, algo para que o Fórum para a Competitividade vem alertando há algum tempo. “Mesmo havendo umas décimas de convergência, não é convergência [real], porque implica décadas, mais de 50 anos, a convergir com a Europa. Vamos ser ultrapassados por todos os outros países que estão em processos de convergência nítidos, seja na produtividade, no PIB, tudo”, explica Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.
“Essas décimas são só aritmeticamente verdade; em termos económicos, não são substanciais”, continua, falando num certo cherry-picking dos anos que o governo escolhe para convergir e lembrando que os “últimos anos têm sido ainda de resquícios da recuperação” após a pandemia, quando Portugal registou “das maiores quedas” na zona euro.
O consumo privado tem sido um dos motores deste crescimento, embora o seu contributo para a evolução do PIB tenha caído em 2023. Depois de colapsar 7% em 2020, com a pandemia, esta componente acelerou 4,7% em 2021 e 5,6% em 2022, antes de crescer apenas 1,6% no ano passado. Já os gastos públicos subiram 4,5% em 2021, abrandando para 1,4% e 1,2% nos dois anos seguintes.
As exportações têm assumido um papel cada vez mais importante nesta dinâmica de crescimento, sobretudo quando incluem os serviços, o que abrange o sector do turismo. Desde a pandemia, as vendas ao exterior cresceram 12,3% em 2021 (beneficiando de um efeito de base forte), uns assinaláveis 17,4% em 2022 e 4,2% no ano passado. De estacar a subida em 2022 de 40,8% nas exportações de serviços. Olhando para o indicador líquido, este até caiu 0,3% em 2021, antes de crescer 2,3% e 0,9%, respetivamente, em 2022 e 2023.
O investimento tem sido o calcanhar de Aquiles dos governos socialistas, apesar do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) lançado pela Comissão Europeia, após a pandemia trazer ao país somas sem correspondência histórica em democracia para a revitalização da economia. Tal tem significado uma deterioração dos serviços públicos, mas também acaba por ajudar às contas públicas, sobretudo do lado dos saldos orçamentais.
E se há um aspeto em que a governação do PS se tem destacado é precisamente na obtenção de excedentes orçamentais, algo raro na história democrática portuguesa. Depois de conseguir um superavit de 0,1% em 2019, ainda no tempo de Mário Centeno como ministro das Finanças, 2023 fechou com um excedente orçamental de 4,33 mil milhões de euros em contabilidade pública, o que deverá traduzir-se num rácio superior aos 0,8% do PIB projetados pelo governo em contabilidade nacional.
Também aqui a inflação acabou por ajudar o executivo, ao fazer crescer automaticamente a receita fiscal, que disparou 12,5%. Por outro lado, “a surpresa da inflação não foi completamente compensada” do lado dos rendimentos da função pública e pensões, sublinha Pedro Braz Teixeira, pelo que “houve uma quebra nos valores reais que aliviou a despesa”.
É, contudo, inegável a melhoria dos saldos orçamentais portugueses. De um défice de 7,4% em 2014, a economia nacional conseguiu registar melhorias nos dois anos seguintes, chegando a um saldo ainda negativo, mas de apenas 1,9% do PIB. Em 2017, este valor voltou a deteriorar-se, caindo para 3%, recuperando para um défice de 0,3% no ano seguinte, antes do excedente de 2019.
Depois disso, os anos da pandemia trouxeram défices de 5,8% em 2020 e 2,9% em 2021; e 2022 fechou com apenas 0,3% de saldo negativo, isto na antecâmara do maior excedente registado em democracia no país.
Excedentes históricos
Estes saldos orçamentais ajudaram e muito à redução da dívida pública, outro dos indicadores que acabaram por oscilar bastante na última década, mas que fecha este ciclo governativo com uma melhoria clara. Pela primeira vez desde 2009, Portugal consegue um rácio de dívida pública abaixo dos 100%, uma barreira psicológica que dá uma segurança reforçada às contas nacionais, sobretudo quando comparado com grandes economias europeias, como a francesa.
O endividamento público português disparou após 2009 e agravou-se ainda mais com a chegada da troika, mantendo-se acima dos 100% desde então. A trajetória de subida verificou-se até 2014, quando o indicador estabilizou em torno de 132% do PIB, começando a recuar de forma sustentada a partir de 2016 até 2019, quando chegou a 116,6%.
A covid-19 obrigou o Estado a endividar-se a um ritmo não antes visto, causando novo salto no indicador, que assim chegou a 134,5%, um novo máximo absoluto nas finanças nacionais. Desde então, a descida tem sido assinalável, mas, uma vez mais, a inflação deu um importante contributo.
Por um lado, a subida das receitas e os saldos orçamentais positivos ajudaram a abater a dívida, mas o país vinha já fazendo há vários anos um esforço para refinanciar estes títulos a prazos mais alargados, fazendo uso do ambiente de taxas negativas decretadas pelo Banco Central Europeu (BCE). Com a subida inesperada da inflação, esta dívida acaba desvalorizada, um movimento automático que beneficiou as contas públicas.
“No entanto, se compararmos com outros países, de facto, a nossa dívida evolui de forma mais favorável. Estes efeitos estiveram quase todos presentes, de forma mais ou menos intensa, noutros países, mas em Portugal foram mais usados do que noutros”, ressalva Pedro Braz Teixeira. Tal ajuda a explicar a passagem de Portugal como o terceiro país mais endividado da zona euro, atrás apenas da Grécia e de Itália, para sexto, ultrapassado por Espanha, França e Bélgica.
Esta melhoria valeu também ao país a recuperação, volvidos 13 anos, de classificações “A” nas quatro principais agências de notação financeira internacional (a saber, Moody’s, Fitch, DBRS e S&P), o que permite menores custos de financiamento ao país. Segundo os cálculos do governo, serão menos 3.300 milhões de euros a gastar nos próximos dez anos, decorrentes da redução em termos absolutos de 9.400 milhões no stock de dívida pública.
Emprego perto de máximos anima, mas há mais jovens sem trabalho e precariedade
Apesar da prestação globalmente positiva no campo das finanças públicas, o emprego tem sido claramente o aspeto mais animador face a algumas oscilações e pontos fracos na economia nacional. A taxa de desemprego até subiu no final de 2023, fechando o ano em 6,6%, tal como se havia registado no final do ano anterior, mas o emprego também, chegando a máximos de 2011 no arranque do ano. Eram 4.978,5 milhões de pessoas empregadas, embora haja aspetos menos positivos: o desemprego jovem continua a ser dos mais elevados da UE, subindo em janeiro deste ano para 23,3%, enquanto os contratos precários também aumentaram 0,9 pontos percentuais em termos homólogos, sublinhando um dos grandes problemas no país: a qualidade e estabilidade dos vínculos laborais. Na mesma linha, os salários continuam a ser dos mais baixos no espaço europeu, apesar da subida sustentada do salário mínimo, que é agora de 820 euros – aproximando-se perigosamente do salário médio. Em 2023, o salário médio reportado à Segurança Social foi de 1.463 euros.