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Governo acaba com regime excecional para vistos a imigrantes e passa a exigir contratos de trabalho

Luís Montenegro colocou um fim no regime excecional que permitia a um estrangeiro entrar em Portugal e só depois pedir autorização de residência. O regime especial para os países CPLP será reforçado, ao mesmo que o Governo tenta promover um sistema eficaz para os que querem entrar em Portugal mas também musculado na fiscalização e no combate aos abusos.

A cinco dias das eleições para o Parlamento Europeu, o Governo apresentou as 41 medidas que formam o Plano de Ação para as Migrações – e onde avulta o fim do regime excecional que permitia a um estrangeiro entrar em Portugal e só depois pedir autorização de residência. O sistema, criado pelo anterior governo em outubro de 2022 – conhecido por visto para procura de trabalho – é considerado pelo Executivo de Luís Montenegro como o principal causador da desorganização em que caiu o acolhimento de imigrantes em Portugal e causador de um desequilíbrio entre oferta e procura que vai contra as necessidades internas de imigrantes mas também contra a dignidade de que procura o país para encontrar uma nova vida.

O plano ontem aprovado inclui a criação de uma “estrutura de missão, com recursos humanos, materiais e financeiros adicionais, viabilizados por medidas extraordinárias de contratação, que integre funcionários da AIMA, inspetores do ex-SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e outros profissionais a recrutar”. À nova estrutura caberá a responsabilidade pela “apreciação expedita dos pedidos” e um reforço do atendimento presencial para resolver as pendências existentes. Como enfatizou o primeiro-ministro na apresentação do documento – depois detalhado pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro – “não ter resposta é muitas vezes pior que ter um ‘não’ como resposta”.

Neste contexto, o plano prevê a “intervenção urgente nas infraestruturas, sistemas informáticos e bases de dados do controlo de fronteiras existentes”, a recuperação do atraso na implementação dos novos sistemas de controlo de fronteiras (‘smart borders’) e um “sistema de atração de capital humano”, que inclui a colaboração com “confederações e associações empresariais” para trazer trabalhadores necessários para o tecido económico português, embora sem nunca referir qualquer política de quotas.

O Governo anunciou ainda a criação de uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF) na PSP para fiscalizar a presença de imigrantes e criar centros de atendimento de emergência. No Plano pode ler-se que é criada “a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF) na PSP, atribuindo-lhe as competências do controlo de fronteira, de retorno (hoje na AIMA) e de fiscalização no território nacional”.

O Governo anunciou ainda, na sequência de um Conselho de Ministros especialmente dedicado ao tema – que não vai acabar com o chamado visto CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – também ciado pelo executivo de António Costa – as vai alterar-lhe um conjunto de pressupostos, entre eles o que impedia os aderentes de saírem de Portugal. O Executivo anunciou também a criação de uma estrutura de missão para regularizar processos pendentes, estimados em 400 mil – mas que algumas fontes dizem já terem chegado aos 600 mil.

No Plano de Ação para as Migrações, o documento aprovado pelo Conselho de Ministros, consta o “fim do regime excecional que passou a permitir uma entrada sem regras, extinguindo o designado procedimento de manifestações de interesse”, considerada uma “porta aberta e fonte de grande parte de pendências”. A partir de agora, um estrangeiro com visto de turista já não poderá tratar da sua regularização em Portugal, necessitando de um contrato de trabalho ou de outra solução tratada previamente na rede consular portuguesa.

O plano contempla o “reforço da capacidade de resposta e processamento dos postos consulares identificados como prioritários”, com o reforço de 45 elementos em 15 países, uma lista que inclui todos os países da CPLP. A revogação dos artigos 88 e 89 da Lei de Estrangeiros, que permitiam a legalização a partir de Portugal, será seguida de uma “revisão da lei [geral] em sede parlamentar” nos próximos meses. Com uma ressalva: todos os pedidos já apresentados serão processados, desde que “tenham sido instruídos corretamente” ou tenham “mais de um ano de descontos para a segurança social”.

O plano contempla também a “agilização e priorização dos canais de entrada de imigrantes” para reagrupamento familiar, jovens estudantes, profissionais qualificados e nacionais dos países da CPLP. O Governo compromete-se a renovar os documentos a expirar, cujos prazos começam a terminar este mês, e a “agilizar os procedimentos de concessão de vistos e autorizações de residentes” aos restantes cidadãos lusófonos.

Recorde-se que, com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em outubro de 2023 – genericamente considerada um desastre por quase todas as forças políticas –, foi criada na PSP a unidade de segurança aéreo portuária e controlo fronteiriço. Esta “transformação não envolve a transferência de [outras] competências administrativas de regularização da AIMA para a PSP” e “implica o apoio e articulação da Polícia Judiciária e respetivos inspetores que transitaram do SEF, e o aprofundamento da articulação com as competências de coordenação da Unidade de Coordenação da Fronteiras e Estrangeiros (UCFE) do Sistema de Segurança Interna”.

Quando o anterior Governo criou a AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), incorporou funções da SEF e do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), mas a medida criticada pelo PSD – e vários socialistas admitiram entretanto que a mudança de um para outro organismo esteve longe de correr bem. Assim, o plano prevê a “reestruturação da AIMA, retirando-lhe as competências de instrução e decisão dos processos de retorno, autonomizando o Conselho para as Migrações e Asilo, clarificando as competências de atração de imigrantes qualificados (capital humano), sedimentando o Observatório para as Migrações e redefinindo a localização” dos espaços de atendimento”.

A AIMA passará a ter responsabilidade pelo atendimento presencial dos pedidos de renovação de autorização de residência, atualmente no Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), concentrando na instituição “o tratamento e decisão de todos os pedidos de documentação de cidadãos estrangeiros”. Em paralelo, o Governo promete “reforçar a capacidade operacional da AIMA, nomeadamente dos recursos humanos e tecnológicos”, procurando criar “um inventivo à produtividade e desempenho” dos funcionários, classificar o Observatório das Migrações como organismo do Estado para apoio à política pública, “em articulação com o Conselho para as Migrações e Asilo”, que se irá autonomizar.

O plano prevê um reforço orçamental de 15 milhões para o sector. No total, o plano vai custar cerca de 80 milhões de euros, que incluem o acréscimo orçamental, verbas de fundos comunitários relacionados com o Pacto para as Migrações europeu e projetos de segurança fronteiriça, mas também receitas próprias da AIMA.

Entre as 41 medidas, é de salientar também a redefinição e autonomização do Conselho para as Migrações e Asilo, enquanto órgão consultivo do Governo, assim como a criação de instrumentos de canalização de capital privado para investimento social em projetos de integração de imigrantes. Mas não só: o executivo tem também em vista promover a integração profissional de imigrantes no mercado de trabalho nacional e realizar um levantamento de necessidades laborais, “alinhando a oferta e a procura de trabalhadores estrangeiros e o seu acolhimento programado”.

Perfil do trabalhador estrangeiro

Os trabalhadores estrangeiros por conta de outrem aumentaram 35,5% em 2023, para 495.200, representando 13,4% do total, com os brasileiros a representar 42,3% dos estrangeiros registados na Segurança Social, segundo dados do Banco de Portugal (BdP). “Em 2014, o número médio de trabalhadores estrangeiros era de 55,6 mil, tendo aumentado para 495,2 mil em 2023, o que representou 2,1% e 13,4% do número total de trabalhadores por conta de outrem em cada um destes anos”, concluiu o BdP. “Nos últimos dois anos, voltou a acentuar-se com taxas de crescimento de 41% em 2022 e 35,5% em 2023”, destacou o BdP.

As seguintes quatro nacionalidades com maior número de trabalhadores por conta de outrem registados são a indiana (41 mil), nepalesa (26,9 mil), cabo-verdiana (22,7 mil) e bengali (18,8 mil), que no seu conjunto representaram 22,1% do total (em 2023). Em 2023, 22,2% das empresas tinham trabalhadores com nacionalidade estrangeira, o que compara com 7% em 2014.

Quanto à remuneração, a mediana das remunerações mensais dos trabalhadores estrangeiros em 2023 foi muito próxima do salário mínimo nacional (760 euros), situando-se em 769 euros nos trabalhadores jovens e em 781 euros nos trabalhadores com mais de 35 anos, enquanto para os trabalhadores nacionais, as remunerações medianas foram de 902 e 945 euros, respetivamente.

Por outro lado, os imigrantes passaram há anos a ser contribuintes líquidos para os cofres da Segurança Social, com um saldo positivo, em 2023, de 1,6 mil milhões de euros – entraram por via dos imigrantes 1,8 mil milhões e saíram apenas 200 milhões, o que com certeza atesta que a perceção de que os imigrantes vêm para Portugal para viverem à custa da Segurança Social e dos subsídios resulta de uma falsidade. Mesmo assim, o Governo considera que a ação fiscalizadora da própria Segurança Social tem de ser reforçada.

Mais ainda, como enfatizou Luís Montenegro – no que foi secundado por Leitão Amaro – “não há qualquer evidência de que o aumento do número de imigrantes tenha levado a um aumento da criminalidade. “Não vale a pena estigmatizar as comunidades de imigrantes”, porque nada do que se diz sobre imigração e clandestinidade é sustentado por estatísticas credíveis. Quero entender os imigrantes como os novos portugueses”, concluiu.

A população estrangeira em Portugal aumentou cerca de 33% no ano passado, totalizando mais de um milhão de imigrantes a viver legalmente no país, segundo documento apresentado pelo Governo: “a população imigrante aumentou de forma significativa no último ano”, passando de 781.247 em 2022 para 1.040.000 em 2023.

Seja como for, o Governo não se furtou a críticas por ter escolhido as vésperas das eleições para o Parlamento Europeu para anunciar o seu plano para os imigrantes. Sendo um dos temas mais em foco nestas eleições, o Governo é acusado por alguns analistas de ser um dos que, na direita moderada, está a usar um tema caro à extrema-direita com o intuito de ganhar votos. O quadro geral é conhecido: a extrema-direita conseguiu ‘vender’ e impor a perceção de que à imigração corresponde o aumento da insegurança (e também do desemprego entre os autóctones), fator que tem alavancado as intenções de voto nos partidos europeus daquele lado do espectro político.