Quando, por fim, o ritmo da vida abrandava, o presidente do ISEG bateu-lhe à porta para o retirar do sossego. Francisco Velez Roxo aceitou o repto e aos 70 anos de idade tornou-se CEO do ISEG Executive Education, a escola de formação executiva da centenária Escola do Quelhas. Formado em Gestão no ISEG em 1977, aí ensinou, mas também foi docente no ISCTE e na Universidade Católica. Como gestor trabalhou em várias organizações e empresas privadas e públicas - CTT, Altitude Software, SIBS, UNICRE, ANCP e vários hospitais públicos, liderando no final da sua carreira executiva o hospital Amadora-Sintra. Professor e gestor, alia o lado prático das coisas e o saber-fazer à reflexão e debate que muito valoriza. É membro da SEDES, Associação para o Desenvolvimento Económico e Social.
Lidera o ISEG Executive Education há seis meses. O que o trouxe de volta à academia?
Quando decidi aceitar esta missão, fi-lo com base na emoção, mais do que na razão. Na emoção, porque foi o regressar à Escola onde me licenciei e já tinha ensinado, deixando a situação em que me encontrava, calmamente reformado aos 70 anos. Aceitei vir para um trabalho em equipa, com visão holística ao serviço da executive education a nível nacional, perfeitamente sintonizado com aquilo que é a missão e a visão do ISEG a nível internacional. A situação do ISEG Executive Education era boa, continua boa, mas pretendemos melhorá-la. Fazer mais e melhor é a prioridade do ISEG Executive Education.
Que balanço faz destes seis meses iniciais?
Muitas das nossas tarefas, nestes seis meses, visaram fundamentalmente um ajustamento de funcionamento com base naquilo que existia e na forma como as equipas podiam melhorar na sua organização e desempenho, nomeadamente no que respeita ao centrar-se nos alunos, a interação entre professores, alunos, ex-alunos e empresas que são clientes. Na oferta e na sua coerência dinâmica havia aspetos a limar e a tal demos inicio. Procuramos internamente que o ajuste dessa oferta não vá contra a história de sucesso da formação pós-graduada do ISEG Executive Education nem contra os programas mais curtos (abertos e customizados), mas que vá ao encontro de uma perspetiva que é, digamos assim, o que está em causa no país: o desenvolvimento de competências inovadoras. Precisamos de ter novas competências, sobretudo agregando nessas competências os hard skills e os soft skills num mundo que está em grande transformação.
Fizeram mais intervenções?
Um aspeto que era muito importante afinar é o dos chamados suportes físicos, que diz respeito a instalações e equipamentos. O ISEG é uma escola muito bem localizada na cidade, mas com acessos ainda com alguns estrangulamentos. Infelizmente, o Metro só vai chegar aqui em Março de 2025, de acordo com a reprogramação de obras anunciada, mas havia aspectos de otimização de utilização de espaços que valia a pena equacionar e provocar mudanças. O fundamental é que no presente imediato e no futuro próximo os alunos utilizem os espaços do ISEG como espaços do domínio público partilhado. Que se veja gente que vive por aqui, circula por aqui, facilmente se desloca aqui a ver a Escola mais do que como, apenas, um local de aulas, mas um espaço de Cultura citadina. A acessibilidade e a centralidade são muito importantes numa Escola. E especialmente para a combinação entre estudantes pré-graduados e alunos de programas executivos. E do cidadão comum.
Também queremos atuar e começámos a atuar na melhoria dos processos de trabalho, no sistema organizativo interno. Para que a oferta de cursos funcione melhor e para que as pessoas (pessoal docente e de apoio) apoiados em suportes físicos adequados se dinamizem integradamente. O ISEG Executive Education tinha e ainda tem ainda um gap que é o do desenvolvimento de processos com a transformação digital no seu âmago, visando melhorar a relação dos alunos com a Escola.
Em síntese, dir-lhe-ei que, nestes seis meses, centrei-me muito em procurar desenvolver o processo de transformação para facilitar sobretudo a vida aos alunos, aos participantes dos cursos e à interação entre professores e alunos.
Na área da transformação digital, o que tem em marcha?
Há três aspetos que normalmente devem ser ponderados, neste domínio. O primeiro é o hardware e isso existe. Os investimentos que o ISEG tem feito neste campo são muito fortes. No software, um segundo domínio, o objetivo é tentar que novos sistemas (CRM, por exemplo) sejam mais utilizados. Para isso, porém, é necessário que as bases de dados estejam preparadas. O terceiro domínio e, para mim, o mais importante, são os processos de trabalho, onde achei que havia necessidade de um esforço mais vigoroso. A gestão de processos é uma técnica com muitos anos, mas encontrava-se aqui ainda com algumas insuficiências. Desde as operações ao marketing.
Coisas que não se veem a olho nu, mas têm resultado prático.
Claramente. No domínio dos processos, o nosso objetivo para os primeiros seis meses está quase concluído. Em marcha temos também o plano e o orçamento para 2024 que se encaixa no plano estratégico 2020/2025. Esse plano aponta a uma melhoria significativa da oferta em termos qualitativos, cursos com mais qualidade, mais rigor, mais inovação.
Que avaliação pessoal faz desta sua tarefa?
Vejo a minha chegada e a continuação do meu trabalho no ISEG Executive Education como um processo de otimização muito feito com o coração, mas sobretudo com muitas horas de trabalho. Ao longo da minha vida trabalhei em três escolas: ISEG, quando ainda se chamava Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, ISCTE e Universidade Católica e em todas tive sempre prazer no que fazia e sempre me dei bem, o que me leva a ter sobre o executive education, em particular, aquele princípio do Padre Américo de que “não há rapazes maus”. Quero com isto dizer, que não há escolas más, mas acrescento, com a permissão do padre Américo, que há umas escolas melhores do que outras na forma como conseguem diferenciar-se. Isto é, na chamada gestão dos pormenores e na visão de futuro com base na história e nos seus "pormaiores".
Em Portugal há, pelo menos, cinco belíssimas escolas de gestão e negócios
Sim, muito boas na gestão dos "pormaiores", mas não tão boas na gestão dos pormenores no contexto internacional. Os 112 anos do ISEG permitem dizer que não é uma escola nova, mas é uma escola que está a ser progressivamente renovada. Já a Universidade Nova de Lisboa ou a Porto Business School são escolas novas, na idade, e vivem do elã de serem novas, na imagem. Mas a idade do ISEG é um ativo muito prestigiante e, além disso, temos o ISEG Executive Education, com 25 anos de boa performance, com cursos de pós-graduação que têm edições todos os anos e sempre cheios. Só que nos pormenores, por vezes, não somos suficientemente bons. E temos de o ser.
Olhemos para o futuro e para essa estratégia de gestão de pormenores. Fale-nos dela.
Aposto muito numa visão partilhada entre escolas, entre temas e entre competências. Temos uma visão holística que pressupõe que haja trabalho, muito trabalho. Um curso de executive education não é um desfile de vedetas professores, é algo muito estruturado que tem que ter diferentes apports e que sejam sobretudo integrados e integradores. Este modelo tem algumas dificuldades no âmbito universitário, porque há professores que são excelentes como académicos, mas como pedagogos não têm boas capacidades e em termos de coordenação não se envolvem muito. Tive na vida, e há já alguns anos, a sorte de trabalhar com um professor francês, Bernard Dubois, de HEC, que tinha feito o doutoramento nos Estados Unidos, na Kelloggs University, com o professor Philip Kotler, e com quem aprendi muito sobre os ambientes universitários e sobretudo os desafios que se colocam à educação executiva neste meio. Dizia-me ele: há duas coisas que nunca podes esquecer: Os egos dos professores levam, muitas vezes, a que as coisas não sejam devidamente equacionadas e solucionadas, e na executive education a ligação às empresas, segundo o modelo anglo-saxónico, é a sempre a solução mais adequada par estar na frente e inovar.
A ligação da universidade com as empresas é fundamental?
Portugal tem uma boa rede de universidades e politécnicos, temos muitos doutorados nessa rede e a questão, afinal, parece que não é académica. O problema é que nas empresas não se verifica a interação positiva academia-empresa que é crítica nos negócios modernos.
O problema está na dificuldade de transformar conhecimento em riqueza para o país. Há aqui uma falha?
Exatamente. Um académico, um doutorado que esteja numa empresa é um grande elemento de respeito, mas só por si não chega: a questão está em saber como é que a inovação que daí resulta se vai desenvolver sustentadamente. Eu acreditei vivamente que o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), em particular através das Agendas Mobilizadoras, pudesse trazer um grande dinamismo a esse nível, e estou com alguma expectativa, porque na verdade, as competências e as novas formas organizativas do trabalho pressupõem essa interação entre o académico e o prático. O Executivo Education do ISEG, neste momento, também está nessa fase. E muito atento ao futuro próximo.
Por outras palavras…
Estamos, neste momento, a procurar dinamizar fortemente a interação académica com a realidade prática e ao mesmo tempo a olhar para o futuro numa visão transformacional e internacional. É nesse processo de mudança em que estamos fortemente empenhados.
Isso inclui os rankings?
É importante e prestigiante e mediaticamente tem impacto, mas o viver em função dos rankings, do sobe e desce não pode ser uma forma de vida universitária. Os rankings são bons quando se sobe, mas são maus quando se desce. Como se justifica uma descida…!? Depois, também, a concorrência é cada vez mais larga. A concorrência, no online, de cursos prestigiados, como Harvard, MIT, London Business School é enorme. Não concebo um curso online só feito com alguém “dentro de uma câmara” a dar umas aulas… é preciso uma visão overtime e multimédia avançada. Voltamos outra vez aos pormenores. Como transpomos os "pormaiores", ou seja, a missão, visão para as competências concretas nesta ótica? Quando vivemos numa época de Inteligência Artificial, a questão tem que ser muito mais profunda e sobretudo por maior e mais rigorosa gestão dos pormenores.
Quer atrair ao ISEG os antigos alunos que estão à frente de empresas a criar riqueza para o país para que ajudem quem cá vem aprender a "saber-fazer"?
A chamada rede de alumni é uma riqueza para qualquer escola. A relação do ISEG com os antigos alunos, quer com a professora Clara Raposo, no mandato anterior, quer com o professor João Duque, agora, tem dado um bom salto em frente. Estamos a trabalhar no sentido de que haja uma boa interação entre aquilo que é académico e aquilo que é prático e os antigos alunos têm um papel-chave neste domínio, que é um domínio de relações muito próximas e profissionais. Dou-lhe um exemplo. Eu estudei cá nos anos setenta do século XX, mas o que acha que continha a base de dados do ISEG sobre mim…!? Digo-lhe: o meu nome, a minha morada da altura e pouco mais. Foi preciso inscrever-me na associação dos antigos alunos para que os meus dados ficassem atualizados.
As bases de dados do ISEG não estavam atualizadas e atualizá-las é um trabalho titânico. Neste momento, todo o ISEG, incluindo o ISEG Executive Education, estamos a tratar de trazer os alumni para cá. Tem havido bons resultados.
Como é que a sua perspetiva estratégica para o ISEG Executive Education entra na Universidade de Lisboa?
O ISEG, desde que houve a integração entre a Universidade Técnica e a Universidade Clássica, está na Universidade de Lisboa, que é efetivamente uma grande universidade, a maior do país. E o ISEG Executive Education é a mais antiga de todas as escolas de executive education com o mais antigo MBA do país. O que está em causa é a transformação desse potencial numa interação dentro da Universidade de Lisboa que permita, por exemplo, que entre o Instituto Superior Técnico, a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e outras faculdades, haja uma boa cooperação e uma boa integração a todos os níveis dos saberes e conhecimento.
Está a avançar nesse processo?
Sim. Estamos a trabalhar nesse sentido com várias interações, incluindo o Instituto Superior Técnico e o Técnico +, que é a área do Técnico que se dedica à executive education. Com a Faculdade de Medicina vamos fazer contactos na pós-graduação em Gestão em Organizações de Saúde inovadora, visando os hospitais, centros sociais e outros organismos públicos e privados. Há também interação com o Instituto Superior de Agronomia e iremos fazê-la com a Faculdade de Farmácia. É pouco. Mas é um início urgente.
O que está previsto a curto prazo nesse campo?
Em 2024, queremos ir claramente para uma maior oferta alargada no que eu chamo a cooperação no quadro da Universidade de Lisboa nas áreas de economia e gestão especializadas.
Além dos antigos alunos que estão em empresas, a aposta passa por atrair pessoas que estão no terreno?
Exatamente. A nossa perspetiva, a nossa ótica estratégica é ter cada vez mais pessoas identificadas com boa preparação académica, mas que estão no terreno, conhecem a realidade, metem as mãos no concreto. Queremos que venham interagir connosco, mas para isso também precisamos ter aqui uma organização bem preparada para que os práticos não venham apenas falar durante duas ou três horas. E depois não voltem.
Que áreas críticas vão explorar na formação executiva?
A Inteligência Artificial (AI, na sigla em inglês) nos negócios será uma delas. Há por aí “N” cursos sobre a Inteligência Artificial, mas a minha pergunta é simples: as pessoas sabem alguma coisa do tema a sério…!? Os motores de busca estão carregados, o problema é saber se aquilo que lá está, está testado e como está organizado e como pode resultar em termos de melhoria. Queremos dar um salto em frente nesta área contribuindo para a descodificação do medo da AI.
Que outros grandes temas societais vão priorizar em 2024?
Está equacionada uma nova pós-graduação em Gestão do Turismo 2.0 e cursos executivos mais curtos ligados ao Turismo. Está também equacionada uma renovada pós-graduação em Saúde e novos cursos executivos nesta área, abrangendo sempre o domínio do impacto das tecnologias. O nosso foco está também nos cursos de Gestão Internacional (já existiu, mas teve um hiato) e também na Economia da Defesa, para o chamado cluster da Defesa. Num momento que se vive um contexto crescente de uma economia de guerra em algumas partes da Europa, é evidente que este tema tem toda a acuidade.
Os temas que referiu são programas abertos?
Exatamente. O que não quer dizer que os programas abertos não permitam depois que haja programas customizados para empresas que querem fazer trabalho connosco. O trabalho deste tipo, com as empresas, tem sido muito gratificante.
A formação para empresas está a crescer?
Sim. tem crescido muito. Até 2015, o ISEG era muito orientado para os indivíduos, para as pessoas individualmente que vinham fazer pós-graduações. Não tinha cursos customizados para empresas. Essa área dinamizou-se fortemente nos últimos anos e temos hoje muitos clientes que reconhecem o ISEG competências para fazerem formação dos seus quadros, tendo não apenas professores internos mas também diferentes profissionais devidamente enquadrados que vem colaborar e fazer um mix educacional positivo com esses professores.
O que pedem as empresas à formação executiva do ISEG?
Pedem apoio no desenvolvimento das suas competências integradas nas áreas da gestão geral ou da gestão funcional, na Transformação Digital e Energética. As empresas querem melhorar o equilíbrio entre as competências técnicas e as competências comportamentais, o velho mix hard skills/soft skills otimizado para os tempos em que vivemos. Em última instância, se quiser, o que está em causa são as novas competências exigidas pelo mercado de trabalho, que têm muito que ver com os próprios sistemas de trabalho, o teletrabalho, por exemplo, a dinamização de novas formas de interação entre o trabalho e o lazer, entre a qualidade de vida no trabalho e a qualidade de vida fora do trabalho. As empresas, hoje, estão muito confrontadas com a rotação de pessoas. Também nos pedem para olharmos e sobretudo discutir o futuro neste domínio. Olhar para o futuro e pensar o futuro não é apenas dizer: vamos lá fazer previsões do tipo estatístico, quantitativo sobre o que aí vem ou pode vir, é olhar para o futuro sob a forma de cenários de trabalho tanto a nível individual como de equipa. E ajudar a programar mudanças.
Ajudar com prospetiva para também desta forma contribuir para a prosperidade do País?
Exato. A regionalização, por exemplo. Na área de Lisboa, as CCDR (Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) são os órgãos que fazem a coordenação técnica, nomeadamente ao nível dos fundos para os investimentos, e no caso da área em que estamos localizados a AML (Área Metropolitana de Lisboa) que congrega os municípios, têm carências formativas enormes em muitas áreas, não apenas do ponto de vista administrativo, mas também relacionados com a gestão de processos, legalizações várias, PDMs (Plano Diretor Municipal), etc. Há aqui um campo de evolução prospetiva muito forte.
Quero ver se consigo com outras escolas da Universidade de Lisboa, incentivar um grande trabalho neste domínio. Por exemplo: se trabalharmos com a Faculdade de Direito podemos mergulhar profundamente na contratação pública, um tema difícil, muito polémico e que levanta muitas restrições ao ponto de até se dizer que não se conseguem fazer os projetos e as obras porque a contratação pública não o permite. Essa zona em Portugal foi muito abandonada na executive education em áreas de economia e gestão. Estamos a procurar uma articulação no quadro da Universidade de Lisboa com a AML e a CCDR e já está em desenvolvimento, com reuniões no terreno. Sempre com uma mensagem muito clara: sinergia, sinergia, sinergia.