Num quadro em que o governo de Michel Barnier ‘passou à história’ – fica em gestão até haver uma alternativa, após a moção de censura proposta pela Nova Frente Popular ter sido favoravelmente votada por 331 deputados (em 577) – o presidente francês, Emmanuel Macron, deverá tentar a mesma estratégia que antes da escolha de Barnier, mas desta vez com o outro lado da oposição: a esquerda.
Vários analistas opinaram que esta é a única hipótese de continuidade – uma vez que a alternativa de Macron resignar foi descartada, já que ele afirmou que não o fará. Vale a pena recordar que a escolha de Michel Barnier foi uma tentativa de Macron de convencer a extrema-direita a aceitar a proposta; o ex-Comissário Europeu é um declarado conservador, oriundo da direita e sem intenção de fazer concessões à esquerda. Marine Le Pen e Jordan Bardella, líderes do Rassemblement National, aceitaram o desafio, mas por pouco tempo, já que o projeto de Orçamento para 2025 proposto por Barnier não agradou à extrema-direita.
Agora, segundo vários observadores, resta a Macron fazer o mesmo com a esquerda. Ou seja, encontrar entre os ‘macronistas’ alguém que aceite ‘arriscar-se’ a ser primeiro-ministro e que possa estabelecer uma ponte com a Nova Frente Popular. O problema é que, no seio dessa frente (que não tem incidência parlamentar), alguns líderes guardam um ‘ódio de estimação’ a Emmanuel Macron. Os mais evidentes são os líderes do Partido Socialista francês – o partido de onde o presidente é oriundo (ele foi ministro das Finanças de François Hollande) e que se divertiu a delapidar quando optou por seguir outra via. Muitos consideram altamente provável que os socialistas franceses passem ‘um cheque em branco’ ao homem que consideram ter sido profundamente traídos.
Quanto ao líder do França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, as dificuldades também serão muitas, mas nada é impossível. De qualquer modo, talvez a melhor ‘porta de entrada’ no bloco de esquerda seja mesmo pela via dos Verdes, que já deixaram claro que estarão disponíveis, ao menos, para ouvirem o que Macron terá a dizer.
Sabendo-se que o presidente não pode convocar novas eleições parlamentares até junho do próximo ano – e tendo a Constituição mecanismos que permitem a gestão do país numa lógica de duodécimos quando não há um orçamento aprovado – Macron tem muito pouco tempo para tomar uma decisão. Ou, mais propriamente, para encontrar uma opção. Para já, uma ronda pela imprensa francesa revela que não há um único nome que possa ser isolado como a provável escolha do presidente – o que diz bastante sobre a crise do país.
O primeiro-ministro entregará sua renúncia a Emmanuel Macron. O governo Barnier é o segundo da Quinta República a ser derrubado, após o de Georges Pompidou em 1962. A renúncia do primeiro-ministro é automática após o voto de censura, de acordo com o artigo 50 da Constituição.
"Não considero isto uma vitória", disse Marine Le Pen poucos minutos após a votação. "Tínhamos uma escolha a fazer e a escolha que fizemos é proteger os franceses", explicou a líder dos deputados da União Nacional (RN), lamentando ter sido "forçada a somar os meus votos aos de La France Insoumise". "As nossas instituições são feitas de granito", afirmou Le Pen, quando questionada sobre um possível aumento de impostos sem a adoção do projeto de lei de finanças até o final de dezembro. "Haverá uma lei especial que permitirá a continuidade da vida da nação. E então haverá a nomeação de um primeiro-ministro e ele próprio trabalhará com um orçamento", disse.
Mathilde Panot, da La France Insoumise, afirmou que "o governo Barnier terá tido desonra e censura". A líder dos deputados de La France Insoumise disse que o governo Barnier "foi uma provocação" após a votação na segunda volta das eleições legislativas de 7 de julho, que colocou a coligação de esquerda da Nova Frente Popular na liderança. "O único soberano numa república é o povo", continuou, vendo no executivo Barnier o "governo mais efémero de toda a Quinta República". No final, "o governo Barnier terá tido tanta desonra" por ter feito várias concessões à União Nacional de Le Pen durante o debate orçamental para se manter a todo o custo.