Os partidos sul-coreanos da oposição – maioritários no parlamento do país – apresentaram formalmente uma moção para impeachment do presidente Yoon Suk-yeol, na sequência da imposição, por cerca de seis horas e de forma sem precedentes em décadas, da lei marcial. Os deputados apresentaram ao parlamento uma moção de impeachment alegando que Yoon "violou grave e extensivamente a constituição e a lei", segundo pode ler-se nas agências internacionais, e acusando-o de impor a lei marcial "com a intenção inconstitucional e ilegal de evitar investigações iminentes por supostos atos ilegais envolvendo-o a ele e à sua família", nomeadamente a mulher.
A votação pode ocorrer já esta sexta-feira, mas, para ser eficaz, o Partido Democrata – que a leva avante – precisa dos votos de oito deputados do Partido do Poder Popular (de Yoon), que, evidentemente, já disse que se opõe à medida. A tentativa de impeachment decorre depois de Yoon ter negado que renunciaria ao cargo – apesar de toda a história da lei marcial parecer ser, como dizem vários críticos, uma espécie de piada de mau gosto. O Partido Democrata, que detém a maioria no Parlamento de 300 lugares (169 contra 115 do Poder Popular), exigiu a renúncia de Yoon, mas não foi ouvido.
"A declaração de lei marcial do presidente Yoon Suk-yeol foi uma clara violação da constituição. Não cumpriu nenhum requisito para ser declarada", disse o Partido Democrata em comunicado. "Foi um grave ato de rebelião e fornece motivos perfeitos para o impeachment".
Recorde-se que, na quarta-feira, o ministro da Defesa, Kim Yong-hyun, renunciou ao cargo depois de ser confrontado com a possibilidade de também ter de se haver com um processo de impeachment.
A tentativa de Yoon de impor o estado de lei marcial mergulhou o país no caos, ao mesmo tempo que transmitiu para o exterior a sensação de que estaria em curso um qualquer problema grave entre as duas Coreias. O facto de a comunidade internacional estar atenta aos avatares do regime da Coreia do Norte depois de se saber que o seu exército enviou soldados para lutarem na Ucrânia ao lado da Rússia tornava plausível que a Península da Coreia estivesse ‘a pegar fogo’. Afinal, como rapidamente ficou claro, não era nada disso que se passava – e o problema é meramente interno, decorrendo do choque político entre a maioria democrata no Parlamento e o presidente conservador.
Nas eleições de abril passado, o Partido Democrata aumentou a maioria que já detinha antes, mas o conjunto dos partidos que orbitam em seu redor não conseguiu uma maioria de dois terços (tem apenas 192) – que seria suficiente para alterar a Constituição e demover Yoon do cargo. Eleito em 2022, o presidente e o Parlamento tiveram um entendimento difícil desde a primeira hora, que culminou (ou continua) no episódio da lei marcial. Uma primeira consequência do inesperado acontecimento é a possível suspensão de uma visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, à Coreia do Sul – que deveria acontecer na próxima semana – o que revela que a administração Biden terá dúvidas sobre a sobrevivência política de Yoon e a ‘bondade’ da decisão em torno da lei marcial. Um grupo de deputados japoneses liderado pelo ex-primeiro-ministro Yoshihide Suga também cancelou uma visita a Seul marcada para meados deste mês.
Segundo a imprensa, o maior sindicato do país também convocou uma "greve geral por tempo indeterminado" até que Yoon renuncie.
Segundo a “The Guardian”, se a assembleia nacional votar pelo impeachment de Yoon, a decisão deve ser confirmada por pelo menos seis dos nove juízes do Tribunal Constitucional. O atual presidente pode ter a mesma sorte de Park Geun-hye, que sofreu um impeachment em 2017 por questões de corrupção, quando Yoon era procurador-geral e liderou a investigação do caso.
Para além das manifestações anti-Yoon que se vão multiplicando nas ruas, os jornais de todos os quadrantes foram extremamente críticos da iniciativa do presidente, não lhe perdoando que, por causa de alegados casos pessoais, tenha invocado o maior medo da sociedade sul-coreana: o regime da Coreia do Norte. Recorde-se que, para provar a necessidade da lei marcial, o presidente disse que a impunha “para proteger uma Coreia do Sul liberal das ameaças representadas pelas forças comunistas da Coreia do Norte e para eliminar elementos anti-Estado que saqueiam a liberdade e a felicidade das pessoas”.
Recorde-se que a primeira-dama, Kim Keon-hee, mulher de Yoon Suk-yeol, envolveu-se numa série de escândalos onde se incluem alegações de manipulação de ações e falsificação de currículos para pedidos de emprego. Vários analistas consideram que este é um dos verdadeiros motivos de mais uma crise política patrocinada pelo presidente Yoon.