O Fonplata - banco de desenvolvimento detido pelo Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai - quer duplicar o capital em 10 anos e procura quatro novos sócios, dois na Europa e dois na América do Sul, como conta em entrevista ao Jornal Económico Luciana Botafogo, presidente executiva da instituição financeira (com mandato até 2028).
Os primeiros contactos com Portugal começaram na semana passada, revela Luciana Botafogo, que de Lisboa partiu para Madrid, para iniciar contactos em Espanha.
Os dois candidatos sul-americanos a integrar o capital do banco de desenvolvimento são a Colômbia e o Peru, revela a gestora.
A CEO considera que Portugal poderia beneficiar com a aliança, porque permitiria às empresas portuguesas participarem nos concursos de obras de infraestruturas do Fonplata. Portugal pode ajudar ao desenvolvimento dos países do Mercosul e as suas empresas poderiam participar nos projetos.
O Fonplata tem uma carteira total de empréstimos da ordem de 1,9 mil milhões de dólares e classificação de risco A pela Standard & Poor's e A2 pela Moody’s.
O que é o Fonplata e o que vos traz a Portugal?
Nós somos um banco do Mercosul. Digamos que é um banco dos cinco países membros, agora que a Bolívia formalizou sua integração no Mercosul. O Fonplata é um banco de desenvolvimento detido por estes cinco países e decidiu agora abrir o seu capital a outros países, como Portugal e Espanha.
Mas que interesse pode ter para Portugal participar no capital de um banco de desenvolvimento que, na prática, faz o financiamento através de empréstimos e subvenções para promover o desenvolvimento económico e social dos seus países-membros?
Por um lado, pode melhorar a relação de Portugal com o Mercosul, que é um produtor de grãos, minério e de energia limpa. A vantagem competitiva do Fonplata é que é bastante ágil e consegue chegar à "última milha". Trabalhamos junto dos municípios e dos cidadãos nos projetos mais isolados, mais distantes, onde os outros bancos não conseguem chegar.
Neste momento de aumento de capital e abertura a outros países, Portugal poderia ser um sócio muito estratégico do Fonplata no apoio ao desenvolvimento desses países no que concerne a algumas empresas portuguesas de alguns sectores, como energia renovável, meio ambiente, mas em projetos de menor dimensão. Os outros bancos só estão nas grandes obras de infraestruturas e fica sempre a faltar alguém fazer chegar essas infraestruturas à população que vive nas zonas mais afastadas, na chamada "última milha".
As empresas portuguesas poderiam participar em soluções inovadoras nesses projetos.
A ideia é fazer Portugal acionista do Fonplata? Com que percentagem?
Nós estamos a abrir o capital e queremos ter até quatro novos países, que inclui um ou dois países da região e um ou dois países fora da região. Por isso, a participação que poderia caber a Portugal rondaria os 8% a 10%. Mas o mais importante não é o capital, é estar como membro do Fonplata para poder tomar as decisões, sentar-se no nosso board. Desta forma, as empresas portuguesas poderiam participar nos nossos projetos e nos nossos concursos, que hoje, por Portugal não ser membro, não o podem fazer.
Qual é o capital atual do Fonplata?
O capital hoje é de 3,14 mil milhões de dólares, só que já temos autorização para aumentar o capital para até 6,5 mil milhões de dólares ao longo de 10 anos. Estamos a discutir com os nossos governadores quanto desse novo capital vai ser subscrito pelos cinco países fundadores (que querem manter a maioria do capital) e quanto é que se vai destinar aos novos países. A Argentina tem 33%, o Brasil tem 33% e os outros três países têm os outros 33% (cada um com 11%). O que está previsto é que os novos países que entrem tenham uma participação inferior a cada um dos países fundadores.
A nossa ideia é fazer a capitalização em duas etapas, cada uma de cinco anos.
O que é que financia o Fonplata?
Financiamos o sector público nos cinco países membros, então Portugal teria acesso ao benefício desses projetos. Por exemplo o Estado de Mato Grosso no Brasil é o maior produtor de grãos do mundo [soja e milho], faz fronteira com o norte da Bolívia, mas há uma enorme dificuldade em fazer a exportação de grãos para a Ásia, que é um dos continentes maiores importadores, porque no trecho da Bolívia falta uma estrada de 300 kms para terminar a conexão entre Mato Grosso e os portos de Chile. Há um pedido para que o Fonplata e outros bancos possam financiar essa estrada. Quando estiver construída essa estrada, Mato Grosso pode exportar grãos, e no regresso o camião que volta da Bolívia pode trazer fertilizantes, mas aí não basta apenas a estrada é preciso energia. É preciso que empresas se instalem na Bolívia para produzir fertilizantes com o gás abundante que existe nesse país. Então em toda essa conexão o Fonplata pode ajudar, nessa última milha mais isolada, onde os grandes bancos não chegam.
O Fonplata pode ajudar na integração, desenvolvimento das cidades, levar energia, infraestruturas de conexão, para as empresas que querem ir produzir nesses países, o poderem fazer.
Através de que entidade é que Portugal poderia entrar no capital do Fonplata?
Aqui seria através do Ministério das Finanças, que capitalizaria ao longo dos próximo cinco a 10 anos. Portugal, ao participar no Fonplata estaria a contribuir para o desenvolvimento do Mercosul e da relação com a União Europeia (e com Portugal especificamente). A entrada no capital pode ser através de uma entidade pública que compraria ações do Fonplata.
Que reuniões é que já tiveram em Portugal?
Tivemos uma reunião com o Gabinete de Relações internacionais do Ministério das Finanças e com a presidente do Banco Português de Fomento. O primeiro passo é dar a conhecer o Fonplata, os seus projetos, o seu pipeline de investimentos, trocar experiências e ver onde é que Portugal poderia ter interesse em participar, seja para as suas empresas, seja para a relação Portugal-Brasil.
O Mercosul ganha importância num contexto de guerra na Ucrânia.
Fazer do Mercosul um mercado alternativo à Rússia e Ucrânia como fornecedor de algumas matérias primas...
Exato, ou como local de produção também. É importante para o Mercosul receber empresas que possam aportar tecnologia e inovação.
Como é que entrando o Estado português no capital do Fonplata iria ajudar as empresas portuguesas?
Ajudaria nos projetos de infraestruturas ou de desenvolvimento que sejam de interesse dessas empresas. Pois poria as empresas a poderem participar nos concursos locais de obras de infraestruturas do Fonplata.
O Fonplata é um banco de desenvolvimento, como o Banco Mundial, como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ou o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), ou como o Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD).
No ano passado o Fonplata assinou com o BEI um Memorando de Entendimento. Em que consiste?
Temos um acordo com o Banco Europeu de Investimentos, porque o Fonplata financia-se com outros bancos multilaterais. Somos um banco pequeno e para termos recursos para investir nos nossos projetos, porque as solicitações de projetos superam a nossa capacidade e portanto financiamo-nos quer no mercado, emitimos obrigações sustentáveis no Japão, na Suíça, no México, mas também nos financiamos com outros bancos multilaterais, como o BEI.
Com o BEI acordámos uma linha de financiamento que já foi toda utilizada, mas também fazemos acordos de financiamento e de co-financiamento com a francesa AFD (Agence Française de Développement), com o espanhol Instituto de Crédito Oficial (ICO), com o KFW alemão, com o NDB dos BRICS. Juntamos os bancos para poder fazer projetos de maior envergadura. Fizemos um projeto de energia renovável e coleta de água em áreas isoladas da Bolívia com o BEI.
O BEI financiou-nos, mas foi o Fonplata que desenvolveu o projeto, porque o BEI jamais vai conseguir chegar ao interior da Bolívia para pôr energia fotovoltaica em casas em zonas isoladas.
Se Portugal tiver empresas de energia interessadas em entrar nesses projetos, ou em parceria com empresas locais esta seria uma oportunidade. É o Fonplata que assegura que os painéis fotovoltaicos chegam à casa do camponês no interior da Bolívia. É preciso, para isso, a articulação com o poder público local que consegue fazer chegar esse projeto ao destino. O Fonplata é especializado em chegar a esses projetos de pequeno porte.
Falou em quatro países, além de Portugal. Quais são os outros que estão a convidar para entrar no capital do banco de desenvolvimento?
Portugal e Espanha são os primeiro países contactados. Na região os possíveis novos parceiros seriam a Columbia e o Peru. Queremos continuar focados no Mercosul e nas relações do Mercosul com outros países.
De que forma a ligação histórica de Portugal ao Brasil pode ajudar a que haja interesse em associar-se ao Fonplata?
Começámos na Europa por Portugal e Espanha justamente por causa dessa proximidade história aos países do Mercosul.
Lembro que começámos como o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) mas hoje estamos nos cinco países de forma integral.
Qual a dimensão dos últimos projetos em que participaram?
O nosso ticket médio de um projeto é de 40 a 50 milhões de dólares, mas temos projetos de infraestruturas até 300 milhões de dólares, por exemplo, a construção de um trecho da rota bioceânico no norte do Panamá. Depois há os dois corredores no norte da bacia do Prata, na Bolívia, que implica não só financiar a estrada já que são precisas as conexões e o desenvolvimento das cidades e dos munícipios circundantes. Há uma grande oportunidade no Mercosul de desenvolver as cadeias produtivas.
Que tipo de colaboração esperam ter com o Banco de Fomento em Portugal?
Acho que podemos começar por uma parceria com o Banco Português de Fomento, à semelhança do que já temos com outros. Há várias opções, uma pode ser investimento em projetos em co-financiamento, ou uma cooperação técnica, podemos juntar recursos para fazer eventos ou divulgar empresas portuguesas e identificar oportunidades de negócio no Brasil.
É importante que Portugal identifique as oportunidades na região.
O Fonplata pode também ter relações de cooperação com o Instituto Camões (que executa dezenas de programas e projetos em vários países parceiros).
A relação do Mercosul com a União Europeia como está a evoluir?
Está parada há 20 anos.
Qual é expectativa do Fonplata sobre o interesse de Portugal?
Estamos a construir uma relação, vamos voltar a Portugal e vamos convidar as instituições a irem às nossas instalações. A nossa sede é em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, mas temos escritórios nos cinco países.
Se Portugal entrasse no capital abririam em Portugal um escritório?
Não temos nada previsto nesse sentido.