O fim do regime dos Residentes Não Habituais (RNH) já está a provocar o afastamento dos promotores internacionais do mercado imobiliário português. Na capital um promotor suíço já tinha planeado um investimento superior a 100 milhões de euros, mas com a decisão do Governo acabou por cancelar o processo.
"Tudo isto aconteceu na semana passada. Tínhamos um projeto de 150 unidades residenciais para portugueses da classe média, média-alta no centro de Lisboa e o investidor suíço que ia avançar connosco disse-nos que tinha perdido a confiança no mercado português e que estão muito preocupados com o efeito que esta decisão vai ter no mercado. Era um investimento superior a 100 milhões de euros", revela ao Jornal Económico (JE), Pedro Vicente, CEO da promotora Overseas.
Para o responsável esta é uma das provas do efeito dominó que irá impactar o mercado imobiliário com o fim deste regime. Um sentimento que é partilhado por José Cardoso Botelho, CEO da promotora Vanguard Properties (VP) e que afirma ao JE, que o regime do Residente Não Habitual não tem só impacto no mercado imobiliário, mas em toda a economia. "Ao contrário do que se diz, fica a percepção de que o Estado está a contribuir todos os anos com um cheque para os residentes não habituais e não é nada disso. Ao abdicarmos dos residentes não habituais vamos é perder receita fiscal", salienta, dando o exemplo do que acontece com o seu sócio Claude Berda.
"É um residente não habitual e já investiu centenas de milhões de euros em Portugal, já pagou mais de 100 milhões de euros em impostos. Neste momento os residentes não habituais devem ser mais de 65 mil e pensar que estas pessoas não trazem qualquer valor para o país é ridículo", sublinha.
O CEO da VP assume que os promotores internacionais que estão em Portugal provavelmente vão-se embora e os que estavam a pensar vir já não o vão fazer, ao mesmo tempo que deixa um alerta sobre o arrefecimento no norte da Europa no sector imobiliário, que não é igual a Portugal por razões diferentes.
"As exportações não estão fáceis, a Alemanha está com problemas e sabemos o peso que o país tem. O Reino Unido para onde exportavamos muito, a situação também não está fácil. Com este novo conflito em Israel há novamente uma possibilidade dos preços dos combustíveis voltarem a subir, o que significa que poderemos voltar a ter pressão nos preços, nomeadamente da construção", enfatiza.
Isto porque, no entender de José Cardoso Botelho as pessoas têm uma percepção errada do que é na realidade um imóvel. "Acham que é um especulador ou promotor que faz um prédio. Só que esquecem-se que por de trás está uma fileira industrial gigantesca, com mão-de-obra, fornecedores e incorporadores muitas vezes nacionais, e é isso que está a ser colocado em causa", explica.
"Medida verdadeiramente estúpida e não consigo perceber qual é o seu alcance"
José Cardoso Botelho relembra que Portugal tem um problema gravíssimo com a saída dos mais jovens por questões fiscais e salários baixos e com este programa o país estava a atrair alguns portugueses que ao fim de alguns anos lá fora voltavam para Portugal com este benefício.
"Se já pagamos salários bastante inferiores e se ainda por cima não criamos condições que para quem está lá fora possa vir para Portugal com um nível de taxação mais baixa, essas pessoas pura e simplesmente não voltam. Acho que esta é uma medida verdadeiramente estúpida e não consigo perceber qual é o seu alcance", assume.
O CEO salienta ainda que existe algo que faz muita confusão aos investidores internacionais e com o qual se questionam e que é o facto destas decisões não parecerem ser tomadas com base em estudos. "Os golden visa, segundo se sabe os estudos que existiam apontam exatamente para o oposto. Aliás, o estudo publicado pela Fundação Manuel dos Santos indica que quer os golden visa, quer os residentes não habituais não têm impacto no tema da habitação", afirma.
De resto, José Cardoso Botelho recorda que os golden visa já estavam proibidos nas regiões de Lisboa e Porto desde 2022 e não foi por isso que os preços deixaram de subir. "Depois foi a medida do Alojamento Local, que vai ser outra asneira e agora os residentes não habituais. E as pessoas perguntam o que virá a seguir? O problema da habitação não se vai resolver, vai piorar porque aquilo que causa o aumento dos preços não tem nada a ver com nenhum destes três elementos", refere.