Os três detidos no âmbito da investigação por suspeitas de corrupção na Madeira vão ficar em liberdade com termo de identidade e residência (TIR), após o Ministério Público (MP) ter pedido prisão preventiva para o ex-presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e para os empresários Avelino Farinha e Custódio Correia. As medidas de coação foram anunciadas pelo juiz de instrução nesta quarta-feira, 14 de fevereiro, indeferindo a promoção do MP e coincidindo com a terceira semana desde que os três arguidos foram detidos no Funchal na mega-operação que aterrou na Madeira a 24 de janeiro de 2024 na sequência da investigação que descobriu uma teia de relações entre o mundo dos negócios e da política. Na mira da Justiça estão concursos públicos e adjudicações no valor de centenas de milhões de euros.
No âmbito da investigação do MP, o ex-presidente da Câmara do Funchal é suspeito de corrupção passiva. Já os dois empresários detidos estão indiciados por corrupção ativa. O Ministério Público diz que, neste caso, poderão também estar em causa os crimes de prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poderes e tráfico de influência. Com as medidas de coação agora conhecidas, o juiz Jorge Bernardes Melo não terá valorado os indícios recolhidos pelo Ministério Público como fortemente indiciados.
Na passada sexta-feira, o Ministério Público pediu a prisão preventiva para Pedro Calado, Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA; e Custódio Correia, principal acionista da empresa de construção SociCorreia, detidos desde 24 de janeiro. Na altura, o advogado do ex-presidente da Câmara do Funchal recusou antecipar qual seria a decisão do juiz, tendo Paulo Sá e Cunha voltado a considerar não ter “nenhum cabimento a prisão preventiva” dos suspeitos e salientando, a propósito do tempo que levou toda esta fase do processo, que se “resultar em proveito das defesas”, não será “tempo perdido”, apesar de ser “tempo que é penoso” para quem está privado da liberdade.
Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia foram detidos a 24 de janeiro, na sequência de cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias efetuadas pela PJ sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.
A operação também atingiu o presidente do Governo Regional (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, que foi constituído arguido e oficializou a 29 de janeiro a renúncia ao cargo.
De acordo com documentos judiciais a que o JE teve acesso, o Ministério Público refere que o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque (PSD), o ex-presidente da Câmara Municipal do Funchal Pedro Calado (PSD) e o líder do grupo de construção AFA, Avelino Farinha, estabeleceram, “ao longo do tempo, uma relação de particular proximidade e confiança” que terá beneficiado aquele grupo empresarial “ao arrepio das regras da livre concorrência e da contratação pública”.
MP investiga “elevado número” de contratos de empreitada
Estas investigações estão ligadas à Região Autónoma da Madeira e incidem, sobretudo, sobre a área da contratação pública, essencialmente sobre o “elevado número” de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da Região Autónoma com empresas da região.
Na mira da Justiça estão suspeitas de que as sociedades visadas tenham tido “conhecimento prévio” de projetos e dos critérios definidos para a adjudicação, assim como “acesso privilegiado” às propostas e valores apresentados pelas suas concorrentes diretas nos concursos, o que lhes terá possibilitado a apresentação de “propostas mais vantajosas e adequadas aos requisitos” pré-determinados.
Em investigação está ainda um conjunto de projetos aprovados na Região Autónoma da Madeira, ligados às áreas do imobiliário e do turismo, que envolvem contratação pública regional e/ou autorizações e pareceres a serem emitidos por entidades regionais e municipais, relativamente aos quais se suspeita de “favorecimento dos adjudicatários e concessionários selecionados, de violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações diretas de empresas adjudicatárias”.
“Dubai Madeira”, teleférico do Curral e patrocínio do rali na mira da justiça
Entre os contratos alvo de investigação criminal, de acordo com os documentos judiciais estão a concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros na ilha da Madeira, a concessão do Teleférico do Curral das Freiras e o projeto imobiliário de luxo Formosa Residences que junta os empresários, Cristiano Ronaldo e Dionísio Pestana e o maior investimento privado imobiliário de sempre na Região: o 'Dubai Madeira', onde o consórcio Varino, Socicorreia e AFA, vão investir 300 milhões de euros.
O JE sabe que estes são alguns dos projetos e alegadas contrapartidas que constam dos três inquéritos que investigam suspeitas de crimes de corrupção, entre outros, e que têm todos ligação à Madeira, envolvendo, nomeadamente, os grupos AFA, Pestana e SociCorreia.
Um dos negócios suspeitos que levou a PJ à Madeira é o licenciamento de um projeto hoteleiro que pode colocar em causa a última grande praia de acesso livre do Funchal: a Praia Formosa. O "Formosa Residences" é o novo projeto do grupo Pestana que prevê a construção de seis prédios com nove andares cada, e cerca de 550 apartamentos que já se encontram a ser vendidos, em área protegida pelo Plano Diretor Municipal (PDM) do Funchal que foi suspenso.
Segundo o mandado de busca e apreensão de prova, a que o JE teve acesso, um dos suspeitos que foi alvo de buscas é Paulo Prada, administrador do grupo Pestana há mais de 20 anos e que gere toda a operação na Madeira, incluindo o imobiliário. Também a sua mulher Susana Prada, ex-secretária Regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climática, consta na lista dos oito suspeitos que constam do mandado. O DCIAP acredita que a construção dos apartamentos em zona protegida só foi possível com aprovação do Governo Regional da Madeira, através de intervenção direta de Miguel Albuquerque e de Susana Prada em “conluio” com Pedro Calado que foi vice-presidente do governo regional até ter assumido a liderança da câmara, em 2021. Antes, trabalhara para o grupo empresarial AFA, que detém os hotéis Savoy.
Em investigação está ainda o projeto da construção de um ‘Sistema de Teleféricos e Parque Aventura de Curral das Freiras – Madeira’, que tem como promotor o Governo Regional, que autorizou o projeto em novembro de 2022, num investimento de 31 milhões. Este projeto tem motivado contestação de vários setores, nomeadamente associações ambientalistas e forças partidárias, tendo sido interposta uma ação no Tribunal. Administrativo e Fiscal do Funchal. Já a oposição da autarquia do Funchal tem questionado que a população curraleira apenas receberá uma renda anual de 24 mil euros enquanto a empresa que ganhou a concessão de 60 anos - a Inspire Capital Atlantic - receberá 5,2 milhões por ano.
O MP suspeita também que o financiamento à equipa de ralis de Pedro Calado servia de moeda de troca de favores imobiliários. A equipa do ex-autarca terá recebido milhares de euros em patrocínios, agora investigados pela Justiça, em troca dos concursos e adjudicações municipais favoráveis ao Grupo AFA e a outras sociedades de construção civil, pela autarquia do Funchal e do Governo Regional da Madeira (GRM).
A investigação inclui também atuações que visariam “condicionar/evitar” a publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são suscetíveis de consubstanciar “violação” da liberdade de imprensa.