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“Este ano teremos forte atividade na área das reestruturações de empresas”

O líder da consultora considera que este ano haverá um aumento da atividade nas reestruturações, com o fim das “medidas artificiais” que foram implementadas pelos governos europeus nos últimos anos e que permitiram a muitas empresas adiar esse passo. Imobiliário, construção e turismo serão alguns dos sectores onde haverá mais operações de reestruturação, segundo Rui Pedro Almeida.

Em 2023 houve um aumento das reestruturações e insolvências, devido a fatores como a subida das taxas de juro, os problemas nas cadeias logísticas e outros elementos que condicionaram a atividade das empresas?
Sim. Já o ano de 2022 trouxe sentimentos mistos a muitos setores e indústrias. No ano de recuperação do COVID, um fulgor consumista que sucedia um período de isolamento foi perturbado por um contexto de guerra na Europa. Com o passar do tempo, em finais de 2022 e princípio de 2023, consolidou-se a perceção de que estas perturbações tinham vindo para ficar. O aumento do preço da energia, o crescimento generalizado dos custos com os fatores de produção (designadamente o fator trabalho) e a perturbação nas cadeias de abastecimento, colocaram as atividades económicas sob uma enorme pressão quanto à sua rendibilidade e sustentabilidade. As empresas portuguesas, tradicionalmente alavancadas em excesso e com falta de capital, começaram, pois, a sentir dificuldades acrescidas, o que levou a que em 2023 disparassem as insolvências.

 

Quais as perspetivas para 2024?
Não espero que em 2024 venhamos a ter um cenário de grande agravamento. Penso que já se encontram assimilados os impactos da guerra na Ucrânia, nomeadamente ao nível das cadeias de abastecimento, mas também em termos de uma maior autonomia energética. Por outro lado, o controlo da inflação parece estar já assegurado. Seguir-se-á a descida da taxa de juro, que será paulatina, mas espera-se que consistente e sem retrocessos, aliviando o endividamento das empresas e a sua capacidade de cumprir.
 
E em relação a operações
de reestruturação?
Em 2024, penso que teremos uma forte atividade na área das reestruturações. Foi sendo sucessivamente adiado este momento, fruto de medidas artificiais de apoio dados pelos Estados pela Europa fora, que possibilitaram salvar muitas empresas e postos de trabalho, num período mais delicado da economia, durante e no imediatamente pós-pandemia. Agora, as empresas ver-se-ão confrontadas com a realidade pós-crise sanitária e dentro de uma outra crise política e económica, em que terão de se adaptar.


Em que sectores esperam ter mais atividade neste domínio?
Quanto aos setores mais expostos, diria desde logo que o da construção e da promoção imobiliária, mas também o do turismo e todas as atividades conexas. Espero, sinceramente, que possamos ter algum retrocesso em medidas autofágicas, puramente ideológicas, tomadas pelo anterior Governo, como a extinção dos Golden Visa ou a revisão do Regime do Residente Não Habitual, que prejudicaram a competitividade e a atratividade do país. Setores já agravados pelo aumento das taxas de juro e que se viram assim ainda mais prejudicadas com um contexto criado por decisões políticas sem qualquer fundamento razoável.
 
Voltando às insolvências,
o que falta fazer em Portugal para tornar os processos de insolvência mais rápidos?
Na minha opinião, a lentidão nos processos de insolvência em Portugal acontece devido a duas razões principais. Em primeiro lugar, a predominância de estruturas empresariais familiares na nossa economia muitas vezes leva à confusão entre o património pessoal e familiar com o património empresarial. Isso faz com que a gestão familiar retarde a tomada de decisões, só considerando o processo de insolvência e a aceitação das suas dificuldades quando a empresa já não é viável. Em segundo lugar, a falta de eficácia dos tribunais também contribui para a paralisia e estagnação da economia. O nosso sistema jurídico-administrativo. Frequentemente. não consegue proporcionar respostas rápidas e eficientes. Assim, se a primeira das razões é de difícil resolução imediata, em face de o tecido empresarial necessitar de ser profissionalizado e consolidado, o que levará décadas, já a segunda das causas poderia ser mitigada, porquanto seja feita a tão aguardada e necessária reforma da justiça.


Em Portugal as insolvências continuam a ter associado um impacto reputacional negativo, quando comparado com outros países onde são encaradas de outra forma menos fatalista?
Em Portugal, as insolvências são geralmente vistas como eventos negativos que têm um impacto reputacional significativo. Em contraste, em países como os Estados Unidos, as insolvências são encaradas de forma menos fatalista, sendo consideradas parte do processo empreendedor. Por outro lado, como aludi anteriormente, o facto de grande parte do tecido empresarial português ser composto por microempresas, muitas delas familiares e que correspondem na realidade a fenómenos de autoemprego, onde a confundibilidade entre património pessoal e empresarial é total, leva a que haja uma retração natural em assumir o insucesso. Já nos EUA, o fracasso nos negócios é visto como uma etapa natural de aprendizagem, e o sistema legal oferece oportunidades para os empresários se reerguerem e iniciarem novos empreendimentos. Temos, pois, uma dimensão cultural que nos leva a ter aversão ao risco e à assunção de que se falhou. Nos EUA a aceitação do risco e do insucesso, mas também a capacidade de um empresário ou empresa se reerguerem e de superarem uma adversidade é manifestamente superior e está no seu ADN cultural.
 
Que conselho dá a um empresário que tem uma empresa em dificuldades e que hesita nas medidas a tomar?
Deve fazer uma reflexão profunda sobre a sua empresa, o meio envolvente, as oportunidades e desafios no curto, médio e longo prazo e deve, sobretudo, agir por antecipação. Os processos de reestruturações empresarial são momentos de reorganização estrutural na vida das empresas, tendo como objetivo a melhoria da performance operacional e financeira. Assim, sugiro que o empresário avalie de forma rigorosa e racional a situação da empresa, sempre com o apoio de um consultor, profissional e independente, que o ajude a estabelecer metas claras e realistas para um plano de reestruturação. Agir atempadamente pode salvar a empresa de um caminho sem retorno!