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Especialistas em Direito divergem sobre constitucionalidade das medidas de combate à Covid-19

Governo Regional publicou resolução que recomenda a apresentação cumulativa de teste antigénio e certificado de vacinação para permitir aceder a vários locais e serviços. Aplicação prática pode ser contestada.

As medidas de combate à Covid-19 anunciadas pelo Governo Regional da Madeira dividem os especialistas da área do Direito. O especialista em Direito Constitucional e professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Luís Heleno Terrinha, defende que as recomendações de apresentação de teste antigénio e de certificado de vacinação não podem ser impostas e que a sua obrigatoriedade é inconstitucional. Já o doutorado especializado em Ciências Jurídico-Políticas, e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Domingos Soares Farinho sublinha que “é perfeitamente possível que medidas decorrentes do estado de contingência sejam circunscritas geograficamente, por exemplo a regiões autónomas”, vincando que “a Lei de Bases da Proteção Civil, em que o quadro regional se funda, permite isso mesmo”.

O Governo Regional da Madeira publicou uma resolução no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira a 19 de novembro que recomenda a apresentação de teste rápido de antigénio (TRAg) feito nos últimos sete dias e de certificado de vacinação Covid-19 da União Europeia (ou de documento que certifique que o portador foi vacinado contra a Covid-19) cumulativamente para aceder a ginásios, estabelecimentos de jogos de fortuna e azar, cinemas, atividades noturnas, bares e discotecas, restaurantes, eventos culturais, sociais e desportivos, cabeleireiros e similares a todas estas atividades. Já no caso de outros serviços e locais, como supermercados, mercearias, grandes superfícies, farmácias, serviços médicos e de apoio social, CTT, serviços de atendimento ao público, igrejas e outros locais de culto e postos de combustível, o governo madeirense estabelece a apresentação alternativa de certificado de vacinação ou teste TRAg realizado nos sete dias anteriores. Contudo, apesar de o n.º 5 da resolução só recomendar a apresentação cumulativa de teste e certificado de vacinação no caso dos bares e discotecas, o n.º 27 estabelece a respetiva obrigatoriedade para o acesso a estes estabelecimentos.

Luís Heleno Terrinha realça que as recomendações não têm “eficácia jurídica”, pelo que “não impõem qualquer dever jurídico aos cidadãos, que permanecem livres de as seguir ou não”. “Em parte, o próprio Governo Regional da Madeira parece estar consciente da não obrigatoriedade das recomendações. Só isso me parece explicar que o que aparece como recomendado no n.º 5 para bares e discotecas, seja depois regulado como obrigatório no n.º 27”, diz. Por outro lado, num cenário em que as recomendações passem a ser exigidas “são vários e severos os problemas jurídicos que levantam”, destaca, especialmente quando se venha a exigir apresentação cumulativa de certificado de vacinação e teste.

O especialista refere que o problema jurídico fundamental prende-se com o facto de as medidas restringirem direitos fundamentais, algo que a Constituição da República Portuguesa reserva à Assembleia da República (ou ao Governo da República se autorizado pela Assembleia da República) e sempre através de ato legislativo, já que, na prática, uma medida que exija apresentação cumulativa de certificado de vacinação e teste para entrar num conjunto amplo de estabelecimentos e serviços “está a impor reflexa ou indiretamente um dever de vacinação”, criando-se “uma obrigação de vacinação encapotada”.

Terrinha frisa que tais restrições não podem ser feitas constitucionalmente a nível regional, “e muito menos por um governo regional através de mera resolução”. Desta forma, indica que o n.º 27 da resolução, que obriga a apresentação de certificado de vacinação e teste cumulativamente, “também é inconstitucional e não pode ser feito cumprir pelas autoridades públicas”.

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