Está tudo nas mãos do Governo português. Em entrevista ao Jornal Económico, Gregoire Verdeaux, vice-presidente para os Assuntos Externos da Philip Morris International (PMI), proprietária da Tabaqueira, lançou um desafio ao Governo: o investimento em alternativas ao tabaco na fábrica portuguesa está dependente de um forte compromisso do Executivo no sentido de ajudar a comunicar junto dos consumidores da existência destas alternativas.
Sobre as medidas referentes à nova lei do tabaco, este responsável alerta que estas alterações devem ter em conta os fumadores e que, em muitos países, como França (onde se consome metade dos cigarros ilícitos de toda a União Europeia) as medidas mais restritivas acabaram por ter o efeito contrário.
Se em Portugal não se coloca a questão do consumo ilícito daquele que é o bem mais contrabandeado do mundo (200 milhões de cigarros ilícitos foram consumidos em Portugal em 2022, um consumo total de 2,1%, um dos valores mais baixos da União Europeia mas que mesmo assim levou a uma perda de 32 milhões de euros de receita fiscal no ano passado), é bem mais preocupante a prevalência no consumo de tabaco: 1,5 milhões de fumadores, ou seja, 19% da população.
A PMI, através da Tabaqueira, quer deixar de produzir cigarros e dedicar-se em exclusivo às alternativas sem fumo. E é aí que entram os Governos de cada um dos países. E em que posição está Portugal? “Está do vosso lado”, destaca este alto responsável da PMI.
Portugal tem 1,5 milhões de fumadores. O que pode o país fazer para baixar esses valores?
É necessária que haja a adoção de medidas tradicionais como a prevenção e cessação tabágica. A prevenção no sentido de impedir que as pessoas comecem a fumar e a cessação implica que aqueles que fumem possam parar de o fazer. A efetividade destas medidas tradicionais não é perfeita e nem sempre colhe os devidos resultados: e essa é a razão pela qual a taxa de fumadores em Portugal está estimada em 19% da população. É muito alta, é demasiado alta. E se percebermos que em Portugal existe uma taxa relativamente baixa de consumo ilícito de tabaco (2,1% do consumo total, um dos valores mais baixos da União Europeia, segundo o relatório de 2022 da KPMG; sendo que esta taxa já foi de 7%), esse é um dado muito positivo. Mas é preciso que chegue a informação às pessoas que, caso não consigam deixar de fumar, existem alternativas. Portugal tem feito um bom trabalho no sentido de manter o seu mercado de tabaco legal mas fica muito aquém na redução da prevalência tabágica.
No atual contexto económico, a prevalência tabágica em Portugal pode fazer com que o mercado ilícito possa ganhar preponderância em Portugal?
É preciso que haja um progresso gradual (porque não pode ser feito de um momento para o outro) no sentido de afastar os fumadores dos cigarros. E num cenário ideal, esse movimento gradual idealmente deveria levar a pessoa a deixar de fumar, até do ponto de vista da saúde pública. Mas é preciso ser muito otimista para passar de uma taxa significativa de prevalência tabágica para um cenário de nicotina zero. A nossa proposta junto das autoridades governamentais portuguesas é que o país está numa excelente posição para iniciar uma política ambiciosa para acabar com os cigarros.
A PMI tem feito um esforço junto das autoridades policiais portuguesas no sentido de reduzir o mercado ilícito de tabaco.
É muito importante para a PMI continuar a colaborar com as autoridades policiais e não o fazemos apenas por imposição legal mas sim de forma deliberada e com o objetivo de poder contribuir para esse combate.
Portugal está a preparar uma nova lei do tabaco, vista por muitos como muito dura nalguns aspetos. Como encaram esta situação?
É muito importante que se ouça o consumidor de tabaco e que se possa aprender alguma coisa a partir do seu comportamento. Se não se acautela a forma como os fumadores se comportam, é possível que não obtenha os resultados desejados. As medidas que estão em estudo foram adotadas em muitos países, como a França e a Bélgica. Em muitos casos, essas medidas não tiveram qualquer efeito nos objetivos que se pretendia atingir. Bem pelo contrário. Ao nível do agravamento fiscal, essa medida levou os fumadores a optar pelo consumo ilícito de tabaco. Aquilo que incentivamos os Governos a fazer é que tenham em conta o ponto de vista do consumidor, que se evite uma espécie de castigo ao fumador e acima de tudo, que se dê ao fumador uma saída fácil para o problema. Tem de se perceber o que se quer fazer com a vasta percentagem de pessoas que não consegue deixar de fumar. E é aqui que entra o tema das alternativas ao tabaco. No fundo, trata-se de coragem política: é virtuoso tentar acabar com o consumo de tabaco mas deixa de o ser se não se pensar nas consequências. Tem que se pensar o que vão fazer essas pessoas que não vão conseguir deixar de fumar. É preciso que haja uma oferta e priorizar alternativas sem qualquer reticência. E é um sinal de que se está aberto à inovação sendo que Portugal é um mercado que não tem qualquer problema com a adoção de inovações em vários sectores. Por isso, estou confiante que mais tarde ou mais cedo, o Governo vai adotar essa abordagem inovadora. Creio que o ‘timing’ é agora porque vários países estão a adotar essas abordagens mais inovadoras.
Aumentar a carga fiscal do tabaco é um perigo?
A taxação em excesso mata a taxação. Por isso, há que ter alguma cautela nessa abordagem fiscal porque isso pode levar a que os fumadores não tenham alternativa senão virar-se para o mercado ilícito. A moderação e o pragmatismo são essenciais.
A PMI tem previstos investimentos para Portugal?
Através da Tabaqueira temos uma presença muito sólida em Portugal. Temos orgulho no trabalho que temos feito em Portugal. Estamos num ponto de viragem vanguardista na transformação na indústria do tabaco e nicotina, um universo que durante muito tempo apenas comercializou um produto apenas: o cigarro. Queremos deixar os cigarros para trás e que os Governos sejam nossos parceiros nesse objetivo. Se queremos que as pessoas deixem os cigarros e olhando para o universo dos que tentaram deixar e não conseguiram, precisamos que os produtos alternativos estejam disponíveis e que o público saiba dessas alternativas, de comunicar-lhes essas alternativas e que haja uma cadeia envolvida nesse processo. Nada disto pode ser atingido sem uma parceria com os Governos. Nesse sentido, os Governos que têm essa parceria connosco são os países para os quais priorizamos os investimentos em alternativas sem fumo. A lógica é essa. Não vamos apostar o futuro da nossa empresa (cuja transformação está a acontecer) em países em que os Governos estejam em negação de que isto é uma oportunidade.
E como está Portugal nessa avaliação?
O tempo de Portugal abraçar essas políticas é agora. Está do vosso lado.