Bruxelas e Washington divulgaram, esta quinta-feira, a declaração conjunta que selou o acordo comercial celebrado há quase um mês, confirmando que os automóveis, os semicondutores e os produtos farmacêuticos estarão sujeitos a uma taxa máxima de 15% para entrarem nos Estados Unidos. A declaração, que, à semelhança do acordo celebrado a 27 de julho na Escócia entre a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente dos EUA, Donald Trump, não é juridicamente vinculativa, refere que a redução dos direitos aduaneiros para os automóveis "será aplicada em simultâneo com o início dos procedimentos de redução dos direitos aduaneiros da UE em relação aos produtos americanos". Atualmente, continua a aplicar-se uma taxa de direitos aduaneiros de 27,5% aos automóveis e peças de automóveis da UE.
O comissário responsável pelo Comércio, Maros Sefcovic, afirmou, citado pelas agências noticiosas, que a "firme intenção" da Comissão é apresentar a proposta legislativa e lançar o processo antes do final do mês. Nesse caso, acrescentou, a taxa de 15% seria aplicada retroativamente a partir de 1 de agosto.
O documento refere ainda que, a partir de 1 de setembro, os recursos naturais indisponíveis (como a cortiça), todas as aeronaves e peças de aeronaves, os produtos farmacêuticos genéricos e respetivos ingredientes e precursores químicos beneficiarão de um regime especial, aplicando-se apenas os direitos aduaneiros normais não discriminatórios (NMF). Atualmente, os direitos NMF aplicam-se apenas aos produtos farmacêuticos e aos semicondutores, estando a taxa de 15% prevista para entrar em vigor apenas se os EUA decidirem aumentar os direitos.
Ao contrário do que eram as expectativas de alguns países da UE, como Portugal e França, os vinhos e as bebidas espirituosas não fazem parte da lista de produtos isentos, embora uma declaração da Comissão sublinhe que "ambas as partes concordam em continuar a trabalhar de forma ambiciosa para alargar este regime a outras categorias de produtos - um resultado fundamental para a UE". O bloco "deixou bem claro que isto é muito importante para nós". Também não foi alcançado, para já, um acordo sobre o aço e o alumínio, com a atual taxa de 50% ainda aplicável às exportações da UE. ViniPortugal e Anceve – a associação que lidera os interesses específicos do comércio exportador de bebidas alcoólicas – não estiveram disponíveis, até ao fecho desta edição, para comentar o assunto.
O setor com ligações ao vinho, a cortiça, reagiu. A APCOR – Associação Portuguesa da Cortiça, “congratula-se com a inclusão dos produtos de cortiça na lista de isenções do mais recente acordo de tarifas alcançado entre os Estados Unidos da América e a União Europeia”. Em comunicado, a associação diz que “esta decisão representa o reconhecimento internacional da especificidade geográfica única da cortiça, cuja matéria-prima é produzida exclusivamente na bacia mediterrânica – com Portugal a assumir o papel de maior produtor mundial. A singularidade desta produção confere aos produtos de cortiça um caráter de exclusividade global, tornando extremamente complexa a deslocação dos atuais centros de produção europeus para eventuais dinâmicas de reindustrialização da economia americana”.
Recordando que os Estados Unidos são atualmente o quarto maior produtor mundial de vinho, com uma quota de cerca de 10% da produção global, “a ausência de alternativas locais ou internacionais capazes de substituir a rolha de cortiça reforça a importância estratégica destes produtos no mercado americano, em particular para a sua indústria vitivinícola”.
Sem fazer qualquer referência ao facto de o vinho nacional, que também costuma usar rolhas de cortiça e que não conseguiu um ‘lugar’ no grupo dos produtos isentos, a APCOR diz ainda que “a isenção de tarifas é determinante para inverter as recentes tendências das exportações portuguesas de cortiça, garantindo maior competitividade no acesso a um dos mercados mais relevantes para o setor. Face à elevada internacionalização da indústria, presente em todos os países produtores de vinho, não existe margem para uma estratégia de diversificação de mercados no curto e médio prazo, o que torna esta decisão especialmente relevante”.
“A APCOR agradece ao Governo de Portugal, à Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), à Embaixada de Portugal nos EUA e à delegação da AICEP nos EUA pelo empenho e contributo decisivos para alcançar este resultado”, refere ainda o comunicado.
“Este é um momento de enorme importância para a fileira da cortiça e para a economia nacional. A defesa dos interesses de um setor em que Portugal é líder mundial foi assegurada graças a um esforço conjunto e coordenado de várias entidades, permitindo reforçar a posição estratégica dos nossos produtos no mercado americano”, sublinha a APCOR.
“Garantimos isenções significativas – tarifas a zero ou próximas de zero – em áreas importantes. Isto inclui recursos naturais indisponíveis, como cortiça, aviões e peças de aviões, medicamentos genéricos e os seus ingredientes e precursores [compostos] químicos”, informou o executivo comunitário na sequência da declaração conjunta.
A declaração refere apenas que as duas partes "tencionam" trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios globais no setor, como a sobrecapacidade, e para trabalhar em "cadeias de abastecimento seguras entre si, nomeadamente através de uma solução de contingentes pautais para as exportações da UE de aço e alumínio e seus produtos derivados".
Um alto funcionário da Comissão, citado pela agência Euronews, que falou sob anonimato, sublinhou que não existe um calendário específico para que as duas partes cheguem a acordo sobre contingentes pautais para o aço e o alumínio. "É claro que estamos interessados em avançar o mais rapidamente possível", disse o funcionário, acrescentando que os contingentes são "mais difíceis de negociar", uma vez que "envolvem mais variáveis" do que uma simples redução pautal.
Sefcovic, que passou 100 horas a negociar com os seus homólogos norte-americanos ao longo dos últimos dois meses, reiterou que "este é o acordo comercial mais favorável que os EUA estenderam a qualquer parceiro", descrevendo-o como um "primeiro passo", que "reforça ainda mais" os laços económicos entre as duas partes e traz "estabilidade e previsibilidade à nossa relação, a coisas que são profundamente importantes para as nossas empresas".
O documento, segundo o comissário da tutela, "reforça também a nossa parceria transatlântica mais alargada, que é mais importante do que nunca no complexo cenário geopolítico atual". Por seu turno, Von der Leyen e o seu homólogo no Conselho Europeu, António Costa, congratularam-se com a declaração conjunta, sublinhando que esta proporciona "previsibilidade" e "estabilidade". De acordo com um diplomata da União, igualmente citado pela Euronews, o conteúdo da declaração conjunta teve reações muito positivas.