Por vezes, parece que estamos sempre a pagar da mesma forma, a contratar o mesmo género de seguros ou a investir nos mesmos programas de cibersegurança e softwares de gestão. No entanto, Portugal tem conseguido ser o berço de empreendedores do sector financeiro-tecnológico e receber fintechs estrangeiras com ideias inovadoras, que vão criando hábitos de consumo e maneiras de fazer transações diferentes.
A Fintech House é uma das instituições que têm acelerado este movimento em Lisboa. Recentemente, atribuiu a seis startups bolsas de acesso aos serviços e espaço de cowork, na Avenida Duque de Loulé, e a uma rede de mentores de renome. Até meados de junho, os fundadores da Condoroo, da Healin, da Jupiterapp, da Moneydog, da Rein e da Sever estão a ser guiados por especialistas para aprimorarem os modelos de negócio ligados à literacia financeira, complexidade fiscal, elevados custos de saúde, ineficiência de processos e lentidão nas transações transfronteiriças.
O Jornal Económico (JE) foi à Fintech House conhecer duas startups e dois mentores deste programa - Fintech House Scholarship 2024 - para conhecer as suas principais preocupações e ambições.
A cofundadora e CEO da Mudey disse que as questões das que ainda estão a desenvolver o produto (MVP) são sempre: «Quando é a altura certa para nos lançarmos no mercado? Quando é que sabemos que está no ponto em que faz sentido?». Ana Teixeira, que também foi mentora na primeira edição, começa por partilhar a experiência que teve ao lançar a insurtech e a seguir responde-lhes: “Acho que nunca há um momento certo nem nunca estará perfeito, portanto mais vale avançar”.
Arranquem e depois tenham a capacidade de absorver o maior feedback possível para rapidamente implementar alterações. Não procurem fazer tudo logo no momento zero. Há sempre um ciclo interativo – Ana Teixeira
Fundada em 2020, a Mudey dedica-se a seguro online através de parcerias com 19 seguradoras, tem 12 trabalhadores, cerca de 35 mil utilizadores e 100 parcerias de distribuição. No início deste segundo trimestre, deu início às negociações para uma ronda de financiamento com novos investidores.
Na mesma área, mas ainda longe desse patamar de maturidade – em preparação de pilotos - e com mais algoritmos à mistura, está a Healin, que pretende redefinir a experiência dos seguros de saúde. Criada no final de 2023 pelos médicos Diogo Figueiredo Coluna e Gonçalo Figueiredo Coluna, e incubada na Startup Lisboa, a Healin faz uma radiografia ao histórico de saúde da pessoa para a aconselhar com um plano de seguros mais adequado.
“Sabemos que há cada vez mais procura das pessoas por cuidados de saúde privados, tendo em conta as dificuldades de respostas nos sistemas, o que se reflete no aumento da procura por seguros e planos de saúde. Apesar desse aumento da procura, estão mais caros e inacessíveis. A nossa proposta de valor é conseguirmos identificar a melhor opção para o consumidor final”, conta a dupla de fundadores, que fizeram um investimento inicial de 25 mil euros.
[caption id="attachment_1169994" align="alignright" width="456"] © Cristina Bernardo[/caption]
A Healin tem um questionário e opção de partilha de documentos clínicos, que serão analisados por Inteligência Artificial (IA). “O algoritmo cruza a informação de saúde que a pessoa quiser partilhar, através de orientações internacionais que regem a prática clínica. Depois, é criado um mapa de necessidades de saúde tanto do ponto de vista ativo (atualidade) como preventivo (futuro) e apresentada uma proposta de proteção”, detalham ao JE.
Onde é que se diferencia? Tem uma cobertura para imprevisibilidades (componente opcional) e cria uma conta-poupança (wallet), onde é colocada a diferença de valor perante uma chamada “cobertura tradicional” e permite aos utilizadores recorrerem a esse montante para financiar os próximos gastos de saúde. Portanto, contam com um acordo com uma instituição bancária francesa e três seguradoras.
Vencedora do concurso da Web Summit prepara-se para ronda de investimento
Outra das bolseiras é a Jupiterapp, que ficou debaixo dos holofotes em novembro quando recebeu o prémio de melhor desempenho na Road 2 Web Summit. “É uma longa jornada e aceitámos todos os desafios que a Startup Portugal colocou. Aconselho vivamente”, aproveitou por dizer a cofundadora e CEO.
[caption id="attachment_1169993" align="alignleft" width="431"] © Cristina Bernardo[/caption]
Vânia Pinheiro Fortes, contabilista certificada, começou a dar consultoria fiscal a freelancers e apercebeu-se de todos o mesmo problema: datas de pagamentos de impostos e os regimes de IVA. “Não tinha noção disso, mas existem muitas dúvidas sobre legislação. Não é que as pessoas não saibam ou não queiram cumprir… A quantidade é que é imensa e exige atenção diária. Apesar de ter havido melhorias depois da pandemia, a nossa Autoridade Tributária também não ajuda, porque a linguagem é demasiado técnica e liga-se para as Finanças e a informação depende de quem se apanha ao telefone”, afirma a ex-consultora da Baker Tilly.
Hoje, com menos de dois anos, a Jupiterapp emprega quatro pessoas, está em fase de captação de investimento e vai desenvolver o software para lhe dar mais automação e começar a entregar esses impostos (IVA, etc.) ainda em 2024.
Segundo o advogado Martinho Lucas Pires, fundador e presidente da Associação Portugal Fintech, quase todos estes empreendedores querem relacionar-se com as autoridades de regulação, portanto pedem apoio para a vertente mais institucional. Ou seja, como a associação está ligada a vários stakeholders, veem-na como “uma ponte ou uma espécie de patrocínio” para conversas com os supervisores ou grandes empresas.
“Temos startups de diferentes sectores em diferentes fases de desenvolvimento. Por exemplo, estou a apoiar uma startup que ainda nem sequer é uma empresa nem tem bem um plano de negócios definido, porque é de alunos da universidade, mas também tenho outra com experiência, alguma estrutura e investidores. No primeiro caso são dúvidas mais abstratas e de teste a interesses de mercado, enquanto os outros querem contactos”, conta ao JE.
Entre os mentores da Fintech House Scholarship 2024 estão ainda Jon Fath (Rauva), Nuno Pereira (Paynest), John Macdonald (Recognyte), Meaghan Johnson (Digital Maggs), Ricardo Oliveira (Block Green), Gonçalo Consiglieri (Visor.ai), Nuno Cortesão e Pedro Granate (Zharta), Tiago Dias (Unlockit), António Ferrão (Fintech Solutions), António Castro (Lovys), Carlos Oliveira (Netcapital) e Vitor Cruz (Startup Advisor).
Portugal FinLab e a luta pela ‘sandbox’
Paralelamente, houve desenvolvimentos no programa Portugal FinLab, promovido pela ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, Banco de Portugal (BdP) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Na sexta-feira, os reguladores do sector financeiro anunciaram quais são as quatro fintechs escolhidas para participar nesta 5ª edição, cujos primeiros resultados serão conhecidos no verão: Drexfy (Brasil), Gnosis Pay (Reino Unido), Moneydog (Portugal) e Rein (Portugal).
https://twitter.com/CMVM_pt/status/1783858569961750886
Logo, duas das startups selecionadas também receberam estas bolsas da Fintech House: a Moneydog, uma aplicação de educação financeira para crianças, e a Rein, uma rede para pagamentos transfronteiriços que está a ser desenvolvida pelo advogado Miguel Dinis Lucas a partir de Londres.
Martinho Lucas Pires foi um dos rostos por detrás da criação deste programa de conexão entre inovadores e reguladores. Ao JE, confirma que a Portugal Fintech deixou de estar formalmente associada à iniciativa, mas uma “cortesia” por parte da ASF, BdP e CMVM para com a associação, que se traduz em convites para intervenções públicas, por exemplo.
“O Portugal FinLab é muito interessante, sobretudo por ter começado como uma proposta de uma associação privada à qual os reguladores aderiram. É apenas uma conversa com os reguladores, mas dá conforto às startups”, acredita. Na opinião do presidente da Portugal Fintech, seria ainda mais proveitoso criar um programa “completo, em que as empresas pudessem entrar, participar e testar os seus produtos”.
Martinho Lucas Pires diz que está “ad aeternum a tentar criar uma espécie de sandbox para fintechs” e, caso o trio de reguladores também tenha esse plano, pede-lhes para entrar na discussão. “Seria um grande impulso para o mercado fintech nacional. Quanto mais o sector público se mostrar favorável à inovação – não só de boca, mas com medidas concretas - mais tecnológicas virão para cá, como fez a Rauva”, garante.
[caption id="attachment_1169995" align="aligncenter" width="658"] © Cristina Bernardo[/caption]