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Costi Perricos, da Deloitte UK: Sector público está a disputar com o privado a liderança na IA

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, no âmbito de uma deslocação única a Portugal, Costi Perricos falou sobre Inteligência Artificial. Na opinião do líder global de Analytics e Cognitive da Deloitte, os sectores públicos e privados não estão muito afastados para a corrida de adoção tecnológica.

“ChatGPT, escreve um artigo sobre Inteligência Artificial (IA) como se fosses jornalista no Jornal Económico”. E o ChatGPT escreveu sobre a ‘tecnologia’ que lhe dá vida.

Quando entrámos na sala da Deloitte, em Lisboa, Costi Perricos já estava sentado e tinha feito o teste do chatbot criar um artigo sobre IA na visão do JE. O resultado, viemos a comprová-lo só no final da conversa, que se estendeu por quase todas as vertentes que dão vida à IA e a sua importância no mundo.

O líder global e no Reino Unido de Analytics e Cognitive da Deloitte afirma que as pessoas já começam a “perceber que algo está a mudar no mundo da IA. Estão a perceber que não é outro ciclo de hype, mas é quase como um momento do iPhone ou eletricidade”.

Costi Perricos sublinha que “a IA já está connosco há algum tempo, a tecnologia não é nova”. A única coisa que mudou foi a velocidade das mudanças, uma vez que tudo acontece a uma ritmo muito mais acelerado.

“Desde o seu lançamento em 2017 que esta tecnologia está disponível. Mas é a aplicação da tecnologia” que está a dar origem à contexto atual. Este é o ponto de entrada do ChatGPT na conversa exclusiva que decorreu com o partner da Deloitte.

“Quando colocamos o ChatGPT à frente [da IA], todas as pessoas começam a ter acesso a isso. Suspeito que uma das razões por que não ouvíamos falar disso durante muito tempo foi porque grandes empresas públicas [tecnológicas] não tinham a certeza se estava preparada para o público. Alguns dos desafios que vemos agora, e os riscos que as pessoas estão preocupadas, existem porque isto tem as suas limitações”, indica.

Público ou privado. Quem ganha a corrida?

As grandes empresas privadas têm algo que as pequenas não têm: dinheiro para investir em tecnologia. É aqui que a introdução da Inteligência Artificial pode criar um gap entre os públicos e privados. Mas Perricos não partilha dessa opinião.

“Como é uma nova área, não acho que o sector privado esteja muito mais avançado que o sector público. Há trabalho muito interessante a ser desenvolvido no sector público. Há trabalho muito interessante a ser desenvolvido no sector privado”.

Na opinião do partner da Deloitte, as empresas “ainda estão a tentar perceber o que isto da Inteligência Artificial significa” e isso tem, de certa forma, afetado a adoção.

No entanto, deixa o alerta que o chatbot da OpenAI “tem funções diferentes quando é usada para criar histórias de dormir ou para os negócios”. Mas Perricos admite que “se esta entrevista tivesse acontecido há quatro meses, a minha resposta seria completamente diferente, porque a tecnologia amadureceu imenso”.

O responsável da Deloitte assume que as empresas estão a aplicar a IA Generativa, sendo que os departamentos têm de criar visões maduras do seu uso a cada passo. Esta introdução passa também por uma regulamentação.

Regulação sem extremos

“Acho que a Inteligência Artificial precisa de alguma regulação. Mas não podemos ir aos extremos”, sustenta.

De facto, os Estados Unidos e a União Europeia têm visões diferentes sobre como deve ser a sua regulação. “A China também tem um ponto de vista diferente e o Reino Unido também tem um ponto de vista diferente”.

“O importante é onde estamos no espectro. Acho que isto não deve estar completamente desregulado, mas acho que a forma tradicional de regulamento não vai funcionar. Por exemplo o RGPD. Levou sete anos a ser produzida uma regulamentação e a ser publicada. Precisamos de algo mais imediato.”.

“Há a necessidade de incluir o sector privado enquanto desenvolvemos uma regulamentação. Isso é muito importante. Vemos isso em muitas economias, por exemplo em Israel com a condução autónoma. Eles devem ter uma das regulações mais avançadas do mundo”.

“O avanço tecnológico deve ser trabalhado nos governos juntamente com as empresas tecnológicas, para perceber como é que a regulação deve ser. Isto permitirá flexibilidade e agilidade”.

IAwashing

“Li um estudo que comparava os press releases de várias empresas à volta da utilização da IA e a comparação com as suas diversas contas. Portanto, as empresas estão a investir biliões em IA e esperam aparecer nessas contas. Mas havia uma grande disparidade”, conta.

“Estamos numa altura em que vemos as empresas a introduzir IA nos seus nomes. Isso ajuda a validação. Por isso, acho que existe um pouco de IAwashing. Mas já vimos isso nas várias vagas de IA. Mais cedo ou mais tarde, o mercado torna-se inteligente”, defende Costi Perricos.

Impacto económico

Um estudo da Google, do passado mês de outubro, evidencia que a IA Generativa pode ter um impacto de 15 mil milhões de euros na economia portuguesa, o que corresponde a 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Outro impacto positivo é que a aplicação da IA Generativa é a poupança superior a 80 horas anuais.

Será este um valor fidedigno? “No Reino Unido dizem que o impacto vai ser de 400 mil milhões”, diz o partner britânico da consultora.

Mas isso não interessa. “Podem lançar números e perguntar qual é o verdadeiro. Isso não interessa porque o número é tão grande que vai impactar toda a gente. É demasiado grande para ignorar”, sustenta na conversa. “O mais importante é de onde vem esse impacto. As pessoas pensam que vai impactar os grandes players tecnológicos, das startups, mas na verdade vai afetar todos os negócios existentes”.

A opinião de Costi Perricos é partilhada por Hervé Silva, lead partner de Analytics and Cognitive na Deloitte Portugal. Além do impacto económico, Hervé Silva destaca a rapidez da evolução da IA Generativa em relação a tecnologias que surgiram “muito mais cedo”, como a blockchain ou o metaverso.

“Apenas 8% das empresas da Fortuna 500 não estão a olhar para a IA Generativa. E podemos argumentar que são grandes empresas americanas, mas a verdade é que o hype começou em novembro do ano passado”, aponta o partner português. Hervé Silva explica que faltam case studies em relação à aplicação das outras tecnologias, enquanto a Inteligência Artificial em pouco tempo mostrou o que vale. “Há dúvidas em relação ao valor da própria tecnologia e a falta de maturidade”.

O português evidencia que Portugal não está atrasado na aplicação da IA Generativa. “Ainda é tudo muito recente. Não estamos atrasados e o português é bastante astuto para estes temas. Há um conjunto de case studies para as empresas verem os seus usos e se lhes conseguem dar uso, ao contrário do metaverso”.

“As empresas vão querer captar o tipo de eficiência com a IA Generativa, até por uma questão de competitividade. Isto vai criar um ciclo virtuoso, porque as empresas que o fizerem vão captar maior capacidade de investimento a curto e médio prazo e vão conseguir inovar ainda mais”, sustenta Hervé.

Humanos vs Machine

O GPT4 passou no exame da Ordem dos Advogados e dos Médicos, este último com uma taxa de aprovação de 90%. “Não é só passar. É passar com elevada distinção”. Mas isso não significa que a máquina seja mais inteligente que os humanos, apenas que o seu conhecimento é vasto e que existem tantas áreas onde se pode ‘profissionalizar’.

“Uma das áreas onde estamos a ver grandes desenvolvimentos é na codificação e desenvolvimento de software. Existem exemplos em que a tecnologia se está a codificar a si própria”. Questionado sobre o perigo, Costi Perricos admite que este é grande, mas “por isso é que os humanos precisam de estar sempre presentes e analisar os resultados do que foi feito por Inteligência Artificial”.

“Na Deloitte falamos na ‘Age of With’, em que os humanos trabalham com IA. Isto é agora mais factual que antes. Precisa de haver um humano presente em todos os momentos”, acrescenta.

Mesmo assim, nunca será humano contra máquina, porque o humano se adapta e aprende com ela. “Lembrarmo-nos que muitos diziam que uma folha de Excel ia ser o fim dos contabilistas. Temos hoje mais contabilistas que antes”. Para o partner da Deloitte UK, o “desafio é termos de alterar a forma como aprendemos e como estamos na escola e no trabalho, acreditando que as habilidades serão diferentes no futuro por conta da tecnologia, sendo que isso já acontece hoje”.

Hervé Silva lembra que “a geração de primeiras versões são substancialmente mais rápidos”, dado que já nascem com o acesso à tecnologia. “Mas isso não invalida outros recursos” que já existem, até pela qualidade do produto final.