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Como se pesam as palavras?

A criação engendra o criador? A inteligência artificial parece um maratonista de fundo. Treina, resiste e tem ambição. Mas por mais que a ‘máquina’ aprenda, ainda não esgrime palavras ao nível de um tradutor experiente. Falta-lhe sensibilidade para captar as subtilezas da língua literária. Palavra de tradutor.

O poeta genial, dramaturgo e autor russo Aleksandr Pushkin escreveu na pedra “Nunca despreze o tradutor. Ele é o carteiro da civilização humana”. Não sabemos se tocou duas vezes, como num certo romance adaptado ao cinema, mas sabemos que o ofício de carteiro não foi escolhido como métier pelos muitos autores que puseram a literatura de mão dada com a tradução. As razões para isso são diversas. Tanto se entregam ao ofício para pagar contas, como ele se entranha como um vício ou, muito simplesmente, porque têm uma enorme paixão pela literatura. Ou tudo ao mesmo tempo. Não vamos aqui escrutinar isso. O que nos interessa é que a prática está sempre muito próxima da criação literária. Autor e tradutor enfrentam o mesmo problema: dizer, da melhor maneira possível, aquilo que têm para dizer.
A História guarda muitos exemplos. Shakespeare foi traduzido para francês por Victor Hugo e o seu filho François-Victor. Charles Baudelaire ficou famoso por traduzir as histórias de Edgar Allan Poe para francês. Beckett traduziu todas as suas obras do francês para o inglês, assim como poemas de Rimbaud. Enquanto Borges verteu uma infindável panóplia de autores, de Faulkner, Gide, Kafka e Hermann Hesse, a Virginia Woolf e Walt Whitman, para não fastidiar.
Por cá, recordamos um punhado de exemplos. Mário Cesariny transformou Une Saison en Enfer, de Rimbaud, em Uma Cerveja no Inferno. Luiza Neto Jorge venceu o prémio PEN Clube Português pela tradução de Morte a Crédito, de Céline. Sophia de Mello Breyner traduziu Pessoa e Shakespeare. E Eça de Queiroz verteu As Minas do Rei Salomão, de Rider Haggard, para português ler. Aliás, Eça é um bom exemplo do tradutor literário que abraçou o métier devido a apertos financeiros, após o seu casamento, fruto dos problemas que o opunham aos seus editores: o autor achava que merecia mais royalties, mas os editores tinham uma opinião diferente. Resultado? A tradução entrou na sua vida como um ‘moderno part-time’. A somar às colaborações que manteve com jornais e revistas.
Mas regressemos à obra As Minas de Salomão para uma provocação. Quando foi publicada, houve quem defendesse que o leitor ficou a ganhar e que Haggard saiu muito favorecido. Porquê? Porque o romance original era sofrível, mas a inventiva queirosiana fez dele uma obra empolgante e solta. E antes de fazermos estalar o verniz a debater se estamos perante uma versão ou uma tradução, vamos a uma questão que consideramos ainda mais pertinente. As traduções envelhecem? Para nos ajudar a fazer luz sobre o tema, auscultámos três autores portugueses que partilham o seu tempo entre a escrita e a tradução literária.

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